A Universidade deve ser a produtora de conhecimento que a nação precisa para a formação de uma nova geração de empreendedores
Os jargões são fundamentais para entender o futebol. Para o momento, a deixa vem dos “últimos passes”. Se o time perde o jogo é porque errou no último passe (que seria aquele que deixa o artilheiro na boca do gol). É evidente que o último passe é o mais difícil de todos, pois antes do goleiro há uma barreira de defensores que farão de tudo para roubar e destruir a jogada.
Se a ciência seguisse as regras do futebol, o último passe seria a chegada dos produtos à sociedade. O uso do produto pelas pessoas seria, de fato, o gol. E neste jogo de fazer a invenção chegar às pessoas, os zagueiros do adversário seriam os empresários do time “mercado” que buscam lucrar com o trabalho dos pesquisadores e até a burocracia que prefere deixar o tempo “rolar” e deixar a patente aberta do que viabilizar a geração de empregos a partir de ações de inovação.
Aliás, no jogo da inovação, o pesquisador é aquele jogador tímido que só joga bem em treinos e que prefere deixar para os empresários os golaços dos grandes clássicos inventados por eles. Muitos destes jogadores (os cientistas) valorizam excessivamente seu curriculum, e por vezes esquecem de atrelar conhecimento novo à medida que seus CV inflam. Mas até mesmo para estes a produção de conhecimento vem sendo fortemente comprometida pela escassez de investimento. Isso obriga as instituições a buscar recursos com a produção intelectual de seus pesquisadores. E este processo começa com o apoio às spinoffs e startups. Para além da busca pelo último passe, isso representa uma forma confiável de garantir empregabilidade para seus egressos e de aumento do poder de venda de seus produtos.
O fortalecimento de incubadoras é também uma forma de amadurecimento das tecnologias e do olhar empreendedor daqueles que fazem a própria instituição, o que agrega valor aos produtos que são frutos da pesquisa básica e aplicada. Neste contexto, é extremamente produtiva a ação de aproximar cientistas destas incubadoras e dos anseios da sociedade, como uma forma de realimentar o objeto da pesquisa nos laboratórios. O isolamento entre as realidades dos laboratórios e do mundo real afastam ainda mais a descobertas dos processos e produtos necessários, dificultando o diálogo entre academia e mundo real, em especial nos tempos atuais em que a ciência é a ultima barreira antes da extinção da espécie humana.
É chegada a hora de desconstruir a imagem de uma Universidade como uma fornecedora de mão de obra barata (fonte de estagiários) ou mesmo de uma fábrica de conhecimento inacabado. A equidade de condições entre os “players” é um requisito necessário para a verdadeira valoração de todo o esforço da universidade brasileira em produzir conhecimento – que é, aliás, o grande trunfo para a sua manutenção em tempos de recursos escassos. O último passe para a manutenção da Universidade como produtora de conhecimento que a nação precisa é formação de uma nova geração de empreendedores, com capacidade de transformar efetivamente ideias em produtos, gerar empregos e participar efetivamente do mercado.
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Helinando Oliveira é Professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) desde 2004 e coordenador do Laboratório de Espectroscopia de Impedância e Materiais Orgânicos (LEIMO).
Helinando Oliveira
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