O que será que tem do outro lado? Disruptiva

quinta-feira, 17 outubro 2024
(Foto: Bixabay)

Aspectos do público e os pontos principais que todo empreendedor ou startupeiro deve considerar caso pretenda escalar em seu empreendimento.

O Livro “Cruzando o Abismo” de Geoffrey Moore, clássico da literatura de marketing voltado para produtos tecnológicos (1991), aborda o desafio de levar um produto de adoção inicial para o mercado de massa ou, no jargão das startups, “escalar”.

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Moore se inspirou na teoria de Everett Rogers, a qual foi depositada em sua obra “Diffusion of Innovations” (Difusão das Inovações, 1962), onde está desenvolvida a curva de adoção de inovações. Sua teoria descreve como novas tecnologias são adotadas por diferentes grupos de pessoas ao longo do tempo. Moore então aplicou essas ideias ao marketing de produtos de alta tecnologia, destacando o desafio de atravessar o “cisma” entre os primeiros adotantes e o mercado de massa.

É fascinante notar que Moore aplicou uma teoria criada 30 anos antes e que continuou relevante por mais 30. Ou seja, Rogers antecipou-se em 60 anos! Moore digitalizou a teoria de Rogers em 10 aspectos e a distribuiu em dois pontos de apoio, ou beachheads, cada um de um lado do abismo.

A Aula Condensada (AC) de hoje vai falar sobre os aspectos do público e os pontos principais que todo empreendedor ou startupeiro deve considerar caso pretenda escalar, ou saltar o abismo, para que não mergulhe de cabeça no fosso. Se bem que, mergulhar em pé também não é uma boa.

O Abismo de Moore

Como sempre, uma figurinha para o cérebro amar.

A figura, inspirada no livro de Moore, descreve como o povo todo adota a tecnologia. Os grupos apresentam as seguintes características:

  • E (2,5%): Entusiastas ou Inovadores. São os primeiros a adotar um novo produto ou tecnologia. Amam explorar novidades e correr riscos. O povo desse grupo: “geeks” e entusiastas de tecnologia que fazem fila a noite toda para comprar o mais novo “gadget” no dia do lançamento.
  • V (13,5%): Visionários ou Adotantes Iniciais. São os que veem o potencial da inovação e estão dispostos a investir cedo. A galera aqui é um pouco mais séria: gerentes de produto ou designers de software que buscam soluções inovadoras para se destacar no mercado.
  • P (34%): Pragmáticos ou Primeira Maioria: Os que esperam provas de eficácia antes de adotar. Eles ajudam a alcançar a massa crítica. A moçada daqui já começa a usar roupa formal: empresários que esperam que novas tecnologias sejam testadas e comprovadas antes de investir, buscando segurança.
  • C (34%) Conservadores ou Segunda Maioria. Mais céticos; esperam que a tecnologia esteja bem estabelecida e confiável. O pessoal daqui carrega, geralmente, smartphones com mais de quatro anos de uso. Só adotam novas tecnologias quando estão amplamente disponíveis e em uso pela maioria das pessoas.
  • R (16%) Retardatários. Resistentes à mudança, adotam a inovação apenas por necessidade ou pressão externa, quando não têm outra escolha. Ainda estão presos aos antigos tijolões da Motorola. Só adotam novas tecnologias quando se tornam essenciais, como aqueles que só migraram para smartphones quando os telefones analógicos deixaram de funcionar.

Entre cada grupo existem cisões, com destaque para aquela que está entre os visionários (V) e os pragmáticos (P), a qual Moore chamou de abismo. E por que essa é a pior cisão?

Mentalidades pra lá de diferentes

Os visionários querem ser os primeiros a experimentar novas tecnologias e são mais tolerantes com os riscos e incertezas. Estão dispostos a aceitar produtos que ainda não são completamente refinados, acreditando no potencial transformador dessas inovações. Já os pragmáticos procuram soluções comprovadas e confiáveis. Esse grupo espera que a tecnologia tenha sido testada, validada e aperfeiçoada antes de adotá-la. Eles precisam de garantias concretas de que o produto funciona e oferece valor real. Assim, o abismo representa o desafio de transitar de um mercado impulsionado pelo entusiasmo (representado pela letra A) e visão para um mercado que demanda provas e confiabilidade (B).

Aspectos “digitalizados” por Moore: Moore definiu que era necessário estabelecer dois pontos de apoio para que, sobre eles, fosse construída uma ponte. E a coisa ficou mais ou menos como mostra a tabela.

Algoritmo para atravessar o abismo

Agora que definimos as características do público e os pontos necessários para a construção dos pontos de apoio, eis um algoritmo porreta para você fazer sua startup virar um unicórnio, admitindo que você criou uma novidade.

Aborde o público nessa sequência, à medida que seu negócio for crescendo.

  1. Povo “geek” (E). Eles vão muito a eventos e convenções (Comic-Con, LAN parties, e convenções de tecnologia). Clubes e grupos de ciência, tecnologia e jogos. Lojas de games e tecnologia: visitar lojas especializadas em gadgets, jogos e tecnologia. Virtualmente, em redes sociais e comunidades online.
  2. Os visionários (V) podem ser encontrados em lugares onde a inovação e as tendências são valorizadas. Meetups e Conferências. Eventos focados em startups, tecnologia emergente e inovação, como o SXSW ou Web Summit. Coworking spaces, onde muitos empreendedores e inovadores trabalham. Incubadoras e aceleradoras. Comunidades online, Plataformas onde novos produtos e ideias são constantemente discutidos.
  3. A turma pragmática (P) pode ser encontrada em ambientes que já adotaram tecnologias: empresas estabelecidas (Depto. de TI e inovação de grandes corporações); conferências de indústria ou conferências focadas em setores específicos. Feiras de negócios: locais onde tecnologias já testadas são apresentadas a um público empresarial mais amplo. Redes profissionais como o LinkedIn, onde muitos profissionais pragmáticos compartilham e discutem soluções tecnológicas comprovadas. Universidades e Centros de Pesquisa: Instituições de ensino superior, especialmente aquelas com fortes programas de tecnologia e negócios.
  4. O pessoal conservador (C) costuma ser encontrados em empresas tradicionais, negócios que não são focados em inovação, mas que adotam novas tecnologias quando se tornam necessárias para a competitividade. Conferências de setores: eventos onde tecnologias estabelecidas são discutidas para melhorar a eficiência operacional. Associações de comércio, onde profissionais de setores tradicionais se reúnem para discutir melhores práticas.
  5. Os “titios” (R) dos grupos podem ser encontrados em pequenos negócios tradicionais, como empresas familiares ou negócios que preferem manter métodos antigos até que a mudança seja inevitável. Ambientes rurais, locais onde o acesso às novas tecnologias pode ser limitado ou onde há uma cultura mais conservadora em relação a inovações. Idosos e pessoas com baixa acessibilidade à tecnologia; grupos que, por razões diversas, resistem ou demoram a adotá-las.

Montando o ponto de apoio A

Considerando uma escala Likert (aquela que vai de “muito ruim” até “massa”, entre 1 e 5), trabalhe arduamente para obter índice máximo nos cinco itens do lado A.

  1. Defina corretamente seu cliente.
  2. Crie uma prova social forte por meio de depoimentos, influenciadores etc., que demostrem ser seu produto desejável, de modo que você garanta que vão comprar um…
  3. Whole Product, um produto sólido e confiável, trabalhado há uns dias por estas bandas.
  4. Junte-se a parceiros e, depois de muitos testes.
  5. Faça seu produto nascer de forma explosiva.

Se você conseguir obter nota máxima nesses cinco itens, prepare-se para saltar.

Montando o ponto de apoio B

O mesmo para o lado B: escala Likert full!

  1. Faça um estudo de mercado para ver se você consegue “desenvolver mais clientes”.
  2. Implemente ou busque por mais canais de distribuição.
  3. Posicione corretamente sua solução para poder ajustar ela ao preço adequado.
  4. Busque por aliados por meio de trocas e acordos.
  5. Encontre um oceano azul, aquele que difere de seus aliados, ou a concorrência te aniquilará.

Pronto: sequência de público para abordar e estrutura montada para saltar.

Umas das maiores sacadas da digitalização promovida por Moore: os 2,5%!

Se você encontrar o povo geek referente à sua solução, aquele do grupo E, você achou o que os inovadores chamam de Pin Bowling, o pino mestre capaz de derrubar todos os outros. Ou seja, a tacada capaz de promover a avalanche.

E o que isto quer dizer? Um estudo bem-feito, capaz de apontar essa galera, fará com que você não precise investir num marketing para atingir 100% do mercado; todos os grupos daquela curva de adoção. Você só precisará se dedicar aos 2,5% de tudo, e o restante dos grupos serão atingidos quase que organicamente. Um após o outro. Claro que esse pin bowling não isenta você de ter que desenvolver os pontos de apoio de “a” a “j”, mas seu custo de marketing cairá drasticamente.

Finalizando…

Se fizer o dever de casa “corretinho”, você consolidará os pontos de apoio (beachheads) e poderá construir uma ponte. Sendo assim, agora posso responder à pergunta de abertura: do outro lado você encontrará a escala e se tornará uma startup!

No livro, Geoffrey Moore só recomenda o salto se os itens a – j estiverem gabaritados, o que não é fácil. Mas, como diria o poeta Eric Ries, “startup envolve risco”. Assim, em termos de inovação, você vai querer – ou poder esperar até – gabaritar? Lembre-se daquele ditado mais antigo: o bom é inimigo do ótimo! Esperar o momento perfeito também pode arrastar o empreendimento para o abismo.

Leia o texto anterior desta coluna: Do conceito à ação: o poder dos protótipos e objetos de fronteira

Gláucio Brandão é professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e gerente executivo da incubadora inPACTA (ECT-UFRN)

Gláucio Brandão

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