O que fazer para sua empresa não morrer? Disruptiva

quarta-feira, 7 julho 2021

Numa experiência inusitada, colunista simula em seu texto o difícil dia-a-dia de um empreendimento

São 11h35. Diferentemente dos 146 textos anteriores, este será curto, pois se trata de um ponto final. Pretendendo fechar meu ciclo de avisos fúnebres óbvios, do tipo “as empresas têm de mudar”, “a universidade tem de mudar”, “as pessoas têm de mudar” etc., já que os tempos mudaram. Para não ficar maçante, respeitarei o triângulo de ferro DCT: dimensão, tempo, custo. Para o D, defini uma página A4 e único parágrafo. Para o T, meia hora. Para o C, a bateria do notebook, a porta do escritório aberta com os filhos fazendo barulho e autorização para me interpelarem quando quiserem. Pretendo não tentar sanar qualquer necessidade fisiológica. Em resumo, eliminei todas as condições ideais de produção do artigo. Um único luxo “pós-morte”: passar um corretor de texto quando finalizado. Como cláusula pétrea, pararei de escrever quando atingir um dos pontos férreos, não importando o quanto de folga tenha nos outros. Sem planejamento, guiar-me-ei pela experiência dos 52 anos, criatividade e cabeça fria, sem consulta a coisas externas. Sendo fiel aos meus propósitos experimentais, descrevo o que está acontecendo: começo a digitar rápido – e errar mais por causa disso -, ficar um pouco ofegante, com a língua seca e sem saber direito o que escrever. Peço à minha esposa para aferir a pressão arterial. Ela retorna um “14/10”, quando meu normal para escrever artigos em condições ideais oscila entre 12/08 e 13/09. Por algum motivo transcendental, o estresse imposto me fez parar de ouvir qualquer coisa. Estou, curiosamente, insensível ao mundo externo, o que comprovei pela terceira chamada de meu filho, tendo perdido as duas anteriores. Acho que a sobrecarga cognitiva fez meu cérebro concentrar tudo unicamente em dois pontos: a feitura deste texto e um sinal insistente que vem da bexiga; ignorado, pois tinha de ser fiel ao experimento, que exigia condições pré-definidas (chamei de Mercado, já que não dependeriam mais de mim) e a produção do artigo, encomendada à GBB San Ltda. São 12h00. Levei 25 minutos pensando no que escrever. Mesmo agindo assim, sozinho, concentrado, fechado em um único mundo, insensível a tudo e à satisfação de uma necessidade básica elementar, não há nada que possa fazer, ou escrever, nestes moribundos 300 segundos (escrito assim parece muito, maior inclusive do que 30 minutos) que melhore o que já fora escrito. São letras passadas! Mesmo que eu liberasse toda a criatividade, número de páginas, pedisse silêncio, o tempo, como sempre, e a falta de planejamento são implacáveis. Sempre vencem as dimensões e os custos. Talvez se eu tivesse definido como inquebrantável apenas a criatividade, deixando livres o restante, sofreria um menor estresse e, com toda certeza, me sairia melhor? Será esta a resposta à questão do título: não se trata de alta tecnologia, consultorias mirabolantes nem inovações disruptivas. Apenas o ato de planejar antes e reunir-me de vez em quando com os colaboradores para ouvi-los livremente? Um grupo, ou momento, da empresa centrado em criatividade? Ao invés disto, os macetes que gostaria de deixar terão de ser encontrados e minerados na ciência consolidada de meus artigos, já ultrapassados e centrados em mim. O relógio avisa: 12h03. Não sei ao certo se passei a mensagem que deveria. Neste instante, a única coisa que poderia salvar meu legado, ou melhorar o que pretendia dizer, talvez fosse um hipertexto, um link para aquilo que pensei mas não consegui passar além; para algum(a) empreendedor(a) com mensagens melhores do que as minhas. Existem milhares. Porém, sob estresse, não saberia quem indicar a não ser meu próprio egocentrismo. Deixarei meus colaboradores (leitores) na mão. A GBB San Ltda poderá ou não seguir sem mim. Meus produtos/serviços (este texto) não sei se ainda serão lidos ou reverterão ganhos de alguma forma. São 12h04. Restam 60 segundos, mas não tenho vontade de continuar, mesmo a praia estando tão perto. Aprendi com este texto três coisas óbvias: “concorrer contra si mesmo sozinho é perder”. “Tempo é vida. Trabalho é dinheiro”, e não que “tempo é dinheiro”, como nos fazem acreditar. Que “viver é escrever sem Ctrl-z”. O ponto final chegou. Não sei se respondi a pergunta do título. Como empresa, e por lançar-me surdo e sozinho nesta tarefa sem planejar e sem liberar minha criatividade, também morri! Espero ter simulado o difícil dia-a-dia em um empreendimento. Vou ali brincar com meus filhos.

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Leia a edição anterior: Fintechzação: a desvinculação do Varejo

Gláucio Brandão é Pesquisador em Extensão Inovadora do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Gláucio Brandão

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