Sem experiência em atividades práticas, surge uma classe de profissionais que não sabem conectar teoria e realidade
Depois de quase 20 anos ensinando física, cheguei à conclusão de que perguntar “o que é…” é a pior forma de introduzir qualquer assunto. Explico o porquê: com uma educação voltada à reprodução de livros textos, a tentação de memorizar as perguntas e respostas passa a ser maior que a capacidade de aplicar os conceitos. Os estudantes de engenharia, por exemplo, conseguem definir razoavelmente o que é um osciloscópio mesmo que não sabiam construir um equipamento destes ou mesmo utilizá-lo.
O ensino excessivamente conceitual e pouco aplicado faz com que os futuros profissionais substituam a realidade por um horizonte abstrato e superficial, o que seria correspondente a um médico que memoriza todos os conceitos, porém não consegue aferir a pressão arterial do paciente ou um engenheiro eletricista que domina as equações de Maxwell, mas não sabe emendar fios.
Esta é uma evidência clara da necessidade de disciplinas experimentais que ofereçam aos estudantes momentos raros de contato com a realidade. Estudar modelos e teorias é tão fundamental quanto praticar os conceitos em bancada. A falta de experiência em atividades práticas faz surgir uma classe de profissionais que terminam por não conectar teoria e realidade, não fazendo associações até triviais.
Este problema para a engenharia brasileira é ainda mais grave, uma vez que uma base experimental sólida é crítica para a consolidação de uma cultura de inovação. E na mesma razão em que nossos profissionais não entendem a conexão entre derivadas e integrais com o seu ramo profissional, estes passam também a não compreender o papel e a profundidade de sua atuação na comunidade em que estão inseridos.
E pelo andar da carruagem, a própria curricularização da extensão corre riscos de ser confundida com visitas técnicas e coisas do gênero, como se estes fossem arranjos para garantir que o ensino de engenharia de século XXI permaneça o mesmo que foi no século XX, como uma condição necessária para a perpetuação de uma educação bancária que forma cada vez mais profissionais “leitores” de manuais de equipamentos importados. Quando será dado o grito de independência da engenharia do Brasil?
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Helinando Oliveira é Professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) desde 2004 e coordenador do Laboratório de Espectroscopia de Impedância e Materiais Orgânicos (LEIMO).
Helinando Oliveira
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