O prelúdio de uma nova mobilidade Coluna do Jucá

quinta-feira, 11 outubro 2018

As mudanças culturais e o desenvolvimento de energias renováveis irão transformar a indústria automobilística

Entre os dias 24 e 27 de setembro ocorreu na cidade do Rio de Janeiro, mais uma edição da Rio Oil & Gas, o maior evento da Indústria do Petróleo da América Latina. Mais de quatro mil congressistas, quinhentos expositores, além de 34.000 visitantes de 31 países reuniram-se em torno desse evento, cujo slogan foi “Energia para transformar”.

Um dos destaques da edição 2018 foi a discussão em torno do desenvolvimento de energias renováveis como agente transformador da indústria, como por exemplo, a automobilística. Nesse cenário, o uso de carros elétricos compartilhados desponta, não apenas como catalisador da transição energética almejada, mas também como uma das possíveis soluções para a melhoria da mobilidade urbana.

Em um texto recente no jornal inglês The Guardian, Cotten Seiler, deixa claro que há uma mudança cultural em curso em relação à maneira como lidamos com os carros e sobre a qual a indústria do óleo e gás terá que se adequar. O título do texto não poderia ser mais sugestivo: “Nós ainda estamos casados com o automóvel, embora não haja mais amor”. Segundo Cotten, a grande quantidade de veículos particulares representa um problema crescente, para o qual é imperioso buscar soluções inovadoras com vistas a combater a poluição e melhorar a qualidade de vida das pessoas. Outrora sinônimo de independência (inclusive sexual), autoafirmação e aventura, hoje, tornou-se sinônimo de restrições (no caso do Brasil, pelo preço do combustível, para citar apenas um exemplo) e incômodos (engarrafamentos das grandes cidades). Isso sem citar questões relacionadas à segurança e aos custos.

O uso de carros elétricos compartilhados poderá ser um dos protagonistas da transição energética almejada

A consequência dessa mudança cultural é que os automóveis – movidos por meio de motores a combustão, e que, por sua vez, são responsáveis pela liberação de quase um quarto das emissões globais de CO2, de outros gases, de fuligem e de material particulado – já não despertam tanto interesse nos jovens. A restrição no número de automóveis vendidos anualmente (China), os rodízios (São Paulo), a limitação da circulação de veículos nos grandes centros de algumas cidades (Alemanha) e até o anúncio de planos para banir, em duas décadas, veículos movidos a diesel e gasolina (Reino Unido) são algumas peças de um quebra-cabeças que ajudam a moldar essa mudança cultural em voga. Entretanto, seja por questões culturais ou estruturais das cidades, esse desinteresse ainda é incipiente entre a maioria dos jovens dos países em desenvolvimento, como o Brasil.

Deve-se também mencionar que uma das peças-chave, propulsora dessa mudança, são os aplicativos de mobilidade urbana. Estes, por sua vez, integram as “novas máquinas de liberdade”, os smartphones. É uma verdadeira revolução digital que há alguns anos seria descrita como futurista ou até mesmo como obra de ficção científica. A prova disso tudo? Os aplicativos de mobilidade são utilizados a todo instante por milhares de usuários ao redor do mundo. É um mundo mais livre, mas infelizmente inundado de carros movidos a combustíveis fósseis.

E por falar em combustíveis fósseis, surge a seguinte questão: e o pré-sal? O pré-sal representa aquela fronteira tecnológica sobre a qual foi necessário muito investimento em ciência e tecnologia. Sem o investimento necessário em ambas, não teria sido possível trilhar um caminho de sucesso, o qual, hoje, é capaz, de alavancar o desenvolvimento econômico e social de uma nação de quase 210 milhões de habitantes. A exploração de parte do pré-sal brasileiro pode representar o passaporte para descarbonizarmos a nossa economia. E tudo isso, com a finalidade de realizarmos a transição energética para as tão sonhadas energias renováveis, em especial baseadas no sol e no vento, os quais não faltam para o belíssimo e riquíssimo Nordeste brasileiro. O restante do óleo, inclusive, pode ficar no lugar que está.

Realidade comum em todo o mundo. Foto: Dan Chung para o jornal The Gardian

Esse pré-sal é o mesmo que até pouco tempo, muitos propagavam aos quatros cantos do país que era inviável economicamente, que era fruto da imaginação. Segundo os dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), passados dez anos desde o início da produção no pré-sal, completados agora em 2018, chegou-se à marca de 1,5 milhão de barris de petróleo por dia (bpd), apenas nessa camada. Por tamanha competência técnica, a petrolífera brasileira, responsável pelo feito, foi reconhecida mundialmente com o prêmio da Offshore Technology Conference (OTC). Esse prêmio, que é considerado o Oscar da indústria do petróleo, foi recebido em 2015, pelo conjunto de tecnologias desenvolvidas para a produção da camada Pré-Sal. A prova dessa viabilidade econômica, outrora desacreditada, são os leilões, os quais atraíram as maiores petrolíferas do mundo recentemente. Mas aí é outra história.

Por fim, essa energia que transforma, ou melhor, que move nossos não tão mais sonhados automóveis mexe com a nossa imaginação, misturando ficção com realidade. No passado (1981), o filme “Mad Max 2: A Caçada Continua”, retratou a história de Max Rockatansky (Mel Gibson), um andarilho que vivia em uma Austrália desértica e pré-apocalíptica. Nessa ficção futurística da época, Max tentava defender os suprimentos do bem mais valioso naquela época, a gasolina, a qual era a única fonte capaz de mover os automóveis em pleno deserto. Já no presente, a gasolina e o diesel, bem como os veículos movidos por meio deles, continuam sendo os protagonistas. Porém, ao conceber a ideia de uma moderna geração de veículos elétricos, menos poluentes, de propriedade partilhada, de condução autônoma, e tudo isso com um simples toque na tela de um smartphone, parece-nos o anúncio de um novo protagonista que, outrora estava distante, mas que agora parece estar logo ali. Tão perto, que talvez não precise nem mencionar a palavra futuro.

Referências:
Cotton Seiler, 2018, Opinion, The Guardian. We are still married to the car – even though we do not love it any more. https://www.theguardian.com/commentisfree/2018/mar/01/car-automobile-china
Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) http://www.anp.gov.br/dados-estatisticos
http://www.petrobras.com.br/fatos-e-dados/recebemos-o-premio-offshore-technology-conference-2015.htm

A Coluna do Jucá é atualizada às quintas-feiras. Leia, opine, compartilhe, curta. Use a hashtag #ColunadoJuca. Estamos no Facebook (nossaciencia), no Instagram (nossaciencia), no Twitter (nossaciencia).

Leia o texto anterior: A baleeira do século XXI: bifenilos policlorados (PCBs)

Thiago Jucá é biólogo, doutor em Bioquímica de Plantas e empregado da Petrobrás.

Thiago Jucá

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Site desenvolvido pela Interativa Digital