O sequestro de carbono no solo é uma ferramenta muito valiosa de mitigação climática
O Observatório do Clima divulgou na semana passada (21/11) a sexta edição do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG). A despeito do dado veiculado como manchete nos principais meios de comunicação do país − Emissões do Brasil caem 2,3% em 2017 –, outros dois, muito importantes, passaram quase despercebidos. O primeiro deles é que “as emissões do setor agropecuário seriam 36% maiores caso o carbono de pastos degradados e lavouras convencionais entrasse na conta – os inventários oficiais de emissões do Brasil não consideram essas emissões”. O segundo é que “florestas plantadas, pastos bem manejados e sistemas integrados de lavoura, pecuária e floresta vêm removendo cada vez mais carbono do ar e fixando-o no solo. Se esse sequestro fosse considerado, mesmo com as emissões altas dos pastos degradados, o Brasil teria emissões líquidas 10% menores no setor agropecuário”.
Esses três dados indicam claramente que há velhos desafios, assim como novos, a serem enfrentados em relação às emissões brasileiras. Já no cenário global, não resta dúvida que o aquecimento do planeta é o grande desafio ambiental a ser enfrentado nesse século. Por isso, diante da encruzilhada de utilização de recursos naturais e das demandas de mercado, resta-nos duas alternativas. Reduzir as emissões de combustíveis fósseis ou, diante dessa impossibilidade, capturar o dióxido de carbono − o gás de efeito estufa mais abundante. Ambas as alternativas exigem avanços científicos/tecnológicos, bem como vontade política. Entretanto, a vontade política é uma necessidade muito mais premente na primeira do que na segunda alternativa, haja vista a influência dessa matriz energética na economia mundial.
Ainda no mês de novembro, a revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) publicou um artigo de opinião a respeito do sequestro de carbono no solo, descrevendo-o como uma ferramenta extraordinária de mitigação das mudanças climáticas. Contudo, antes de falar um pouco acerca da importância dessa ferramenta, é importante fazer um prelúdio sobre “a pele viva da Terra” – o solo. Este é, na verdade, um imenso reservatório de carbono do planeta, juntamente com as plantas e a atmosfera. O solo é também um dos protagonistas do ciclo de carbono da Terra. Este ciclo biogeoquímico é responsável por distribuir o carbono entre o solo e a atmosfera. Mas, para tanto, conta com a participação de microrganismos, como fungos e bactérias, cujo habitat é o solo.
O problema é que nos últimos 10.000 anos de história da agricultura no mundo, reduziu-se o carbono global do solo de maneira equivalente às emissões de várias décadas das taxas atuais de emissões industriais, em especial com a mecanização ocorrida no século passado. A queima e o corte de árvores e vegetação, em conjunto com as técnicas de aragem convencionais, por exemplo, tem acelerado o processo de remoção dessa camada superficial viva, empobrecendo-a.
Vislumbra-se, portanto, por meio do sequestro de carbono no solo, não apenas uma boa oportunidade de recuperar terras já degradadas – que não são poucas. Busca-se também melhorar a produtividade agrícola, garantir maior segurança alimentar, e, consequentemente, mitigar as mudanças climáticas. Nesse cenário, os avanços científicos e tecnológicos são importantes no desenvolvimento de técnicas agrícolas e métodos de manejo da terra adequados, como os já conhecidos: plantio direto, rotação anual de culturas com o uso de leguminosas, adoção de estrume animal como fertilizante e redução da aragem da terra, por exemplo.
Como citado no início do texto, a implementação de determinadas alternativas – como o sequestro de carbono – também exige vontade política. E um dos pontos principais tratados no artigo da PNAS é que, como muitos rejeitam a realidade de que os humanos estão causando a mudança climática e que os combustíveis fósseis são uma fonte de energia problemática sob essa perspectiva, falta vontade política. Segundo os autores, a prova disso é que “(…) em uma pesquisa recente na Califórnia com agricultores, a maior preocupação destes com a mudança climática foi o aumento das regulamentações governamentais, e não o impacto potencial dos eventos climáticos sobre a produção”. Ou seja, barreiras culturais e até ideológicas, mais do que aquelas de cunho econômico, físico, científico e tecnológico, tem restringido o preenchimento das lacunas referentes aos nossos desafios, sejam locais ou globais.
Navegar é preciso, mas ironicamente, corremos o risco de não irmos a lugar nenhum caso estejamos presos a determinadas âncoras ideológicas, contra as quais foram criados motivos para empreender cruzadas.
Referências
Ronald Amundson e Leopold Biardeau. Soil carbon sequestration is an elusive climate mitigation tool. PNAS | 11652–11656 | November 13, 2018 | vol. 115 | nº. 46. https://doi.org/10.1073/pnas.1815901115
Observatório do Clima. Emissões do Brasil caem 2,3% em 2017. 21 – Novembro – 2018. http://www.observatoriodoclima.eco.br/emissoes-brasil-caem-23-em-2017/
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Thiago Jucá é biólogo, doutor em Bioquímica de Plantas e empregado da Petrobrás.
Thiago Jucá