Ao garantir participação e liberdade, a Democracia acaba abrindo espaço para discursos e movimentos que a desafiam
(Mateus Venceslau Marreiro)
É consenso que as Democracias pelo mundo estão em momentos de tensão, quem acompanha os noticiários, ou mesmo periódicos acadêmicos já deve ter notado a presença forte do termo “crise” aparecendo como um diagnóstico da atual condição social. Pois bem, se estamos em uma “crise”, seria ela o normal das nossas sociedades modernas? Ao que parece a “crise” nos acompanha desde o início das sociedades democráticas modernas.
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Atualmente temos uma nova dinâmica social que nos faz repensar as formas de participação social, se em maio de 1968 a atuação era nas ruas (e ainda hoje assim ocorre), contemporaneamente temos uma nova forma de participação, a saber, a esfera pública digital. Essa nova esfera pública amplia cada vez mais o espaço de debate e a participação da população no debate público. Mas em contrapartida, essa maior democratização a partir de uma nova esfera pública foi o meio responsável por dar forças a figuras autoritárias tais como Trump e Bolsonaro, assim, o que contribuiu com a democratização também produziu uma via autoritária contra a própria forma democrática.
Ora, então a democracia estaria em “crise” devido à ascensão de figuras, valores e discursos autoritários? Digamos que sim, mas esse seria o paradoxo da democracia, pois ao mesmo tempo em que ela permite a viva participação para além das instituições ela acaba permitindo também o surgimento de discursos de ódio, extremismos e obviamente movimentos críticos a ela. A exemplo do Brasil na última década, os movimentos sociais vistos como democráticos se tornaram os propulsores do conservadorismo e autoritarismo. Recentemente nos Estados Unidos as tomadas de decisões de Donald Trump, sobretudo no que diz respeito aos imigrantes, suscitaram uma onda de protestos que mostram a capacidade da população de se rebelar contra as decisões de seu governante, mesmo quando nossos teóricos apontam para uma fragilidade da democracia, os momentos de “crise” mostram a democracia através das práticas e dos movimentos sociais como mais viva do que nunca.
O que vemos é que a democracia necessita ser entendida para além das instituições, embora tenham seus representantes, ela é encarnada pelo seu povo, nas ruas, e em suas práticas cotidianas de reivindicação e defesa de seus valores. Em outras palavras, precisamos partir da ideia de que as democracias não são apenas as instituições do Estado, ela é um modo de relação e comunicação entre a sociedade e o Estado.
Como aponta Rúrion Melo (2016) a democracia parece intensamente viva em seus momentos de “crise”. A questão que está posta para nós, cidadãos de uma democracia, é como garantir a democracia de maneira democrática. O que isso quer dizer? Significa dizer que, o momento dito assim de “crise” é o momento em que a democracia está mais viva, mas essa vivacidade coloca a própria democracia em perigo, talvez a questão não seja falar de como solucionar a “crise”, mas de como pensar práticas e ideias democráticas cada vez mais plurais e solidárias a fim de se evitar que os próprios mecanismos democráticos se voltem contra ela mesma.
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Mateus Marreiro é mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCS) e bolsista de Doutorado CNPq pelo PPGCS-UFRN
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