A magnitude do impacto humano no ambiente tem suscitado a discussão sobre se já estaríamos há algum tempo em uma nova época geológica: o Antropoceno
Algumas questões científicas pareciam tão antinaturais em épocas passadas que eram até difíceis de serem imaginadas, sequer discutidas. Imagine só a invenção da pólvora e a sua utilização na fabricação de explosivos, ou a utilização do calor para produzir vapor e por consequência movimento. Ou ainda o papel da eletricidade nas sociedades modernas. Quem imaginaria, por exemplo, que um líquido viscoso e negro – o petróleo – seria motivo para a detenção de tanto poder político e pior, usado como justificativa para derramar tanto sangue? Quem imaginaria?
Há cinquenta anos seria difícil imaginar que os cientistas estariam discutindo as implicações da capacidade do homem em modificar o planeta de tal modo, equiparada apenas, àquela desempenhada pelas forças naturais. A magnitude desse impacto humano tem suscitado a discussão sobre se já não estaríamos há algum tempo em uma nova época geológica: o Antropoceno.
Interessante mencionar que embora essa discussão seja extremamente pertinente e atual, por outro lado o impacto humano parece não surpreender mais tanto assim. Uma matéria publicada no dia 4 de maio desse ano pelo portal “O Observatório do Clima” reflete bem essa ideia. O título do texto foi o seguinte: O CO2 na atmosfera bateu mais um recorde. Isso ainda é notícia? E complementa no subtítulo: Concentração do gás atingiu mais uma marca redonda: 410 partes por milhão em abril. Não estamos muito impressionados.
Vivemos o período Quaternário. E relativamente há pouco tempo, considerando-se o tempo geológico – mais precisamente logo após os efeitos da última glaciação – iniciamos a época do Holoceno. Para muitos esta época é coisa pretérita. Mas exatamente quando? O marco, divisor de águas, pode até parecer estritamente científico, mas por trás das decisões de cunho científico geralmente há outro fator de peso: a política. Os mais diversos acordos e tratados internacionais, nos quais nem todas as nações são signatárias, acerca das questões ambientais de impacto planetário – como a questão climática – discutidos pelas mais altas cúpulas da política mundial só reforçam esse peso.
Para alguns especialistas o início de nova época é marcado pelos impactos decorrentes do advento da agricultura e da domesticação de animais, as quais impactaram profundamente a ocupação do ambiente e o estilo de vida humano. Para outros, não resta dúvidas que a revolução industrial iniciada no século XVIII, a qual trouxe consigo o advento dos combustíveis fósseis por meio do carvão mineral e o crescimento das cidades marca esse início. Desde então nos equiparamos aos grandes vulcões em erupção na capacidade de emitir gases para a atmosfera. E para outros é inquestionável que o período pós segunda guerra mudou de maneira irreversível a relação do homem com a natureza. A pegada ambiental deixada desde então salta aos olhos. A Grande Aceleração, como muitos especialistas se referem a esse período é marcado por saltos, quais sejam: o consumo de recursos naturais, o crescimento populacional, o desmatamento e consequente perda da biodiversidade, a produção de materiais sintéticos e a emissão de gases de efeito estufa.
É difícil imaginar que todos esses saltos seriam possíveis sem os avanços experimentados pelo campo científico. E partindo-se dessa mesma lógica seria igualmente inimaginável os saltos anteriores que sucederam tanto a revolução industrial quanto a invenção da agricultura. Certamente, hoje, não seríamos mais de 7 bilhões de habitantes e com perspectivas de chegarmos à marca dos 10 bilhões. Mas isso, é claro, sem uma possível reeleição de Donald Trump.
A ação humana em relação ao ambiente é icônica. É tanto que – em torno da discussão quanto à possível formalização e, a partir de quando, seria essa nova época – não deixa dúvidas. Seja pelos plásticos que se acumulam nos oceanos, seja pelas concentrações de CO2 ou CH4, seja pelos registros isotópicos dos testes nucleares, seja pelo uso indiscriminado do solo, de defensivos agrícolas, das extinções em massa ou ainda pela pesquisa espacial.
Enquanto a Comissão Internacional de Estratigrafia, entidade vinculada à União Internacional de Ciências Geológicas não define qual ou quais evidências estratigráficas serão utilizadas para definir o início dessa nova época – o Antropoceno – custa-me imaginar um desfecho mais adequado para esse texto do que o trecho de um artigo de 2011 no jornal The Economist intitulado “Welcome to the Anthropocene”, que diz: “Os humanos mudaram a maneira como o mundo funciona. Agora eles também precisam mudar a maneira de pensar a respeito dessa mudança”.
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Leia o texto anterior: Serpentes que nos levaram ao paraíso
Thiago Jucá
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