Colunista propõe repensar o modelo atual de incubação, acreditando que a incubadora de empresas está no lugar errado
Depois de quase 18 anos mexendo com esse tema e nunca ter encontrado Nordeste afora uma única incubadora pública superavitária em umas 30 que visitei – o que é em si uma coisa estranha, já que impõem a suas clientes, as startups, um ritmo de metas que elas mesmas não conseguem nem chegar perto – e tendo também apontado que a Universidade “ouviu o galo cantar mas não sabe onde”, eis que me encontro falando o tempo todo sobre Transmutação Digital , Inovação, Empreendedorismo etc., sem ter me dado conta de um protocolo famoso no qual estava mergulhado: “casa de ferreiro, espeto de pau”.
Yes, my friends! Uma vez que há mais de um ano “desci a lenha”, quero dizer, fiz uma auto crítica contundente e depositei no artigo Incubadoras universitárias: indo na contramão notas sobre essas entidades criadas para apoiarem o nascimento de empresas mas, que na realidade, encontram-se hoje promovendo um empreendedorismo subsidiado a ponto de quase matá-lo, proponho nesta aula condensada de número 85 um novo caminho, pois criticar sem apresentar minimamente uma proposta soa leviano.
Esta abordagem será limitada ao reduto nordestino. Deixo claro que, como em tudo na vida, há exceções, só não as encontrei ainda em nosso querido NE. Cases que nos dão orgulho aqui no Brasil, como é o caso da Supera, incubadora de Ribeirão Preto, recentemente contemplada como umas das 20 melhores do mundo, deveriam ser bem divulgados. Claro que alguém vai dizer “Sampa é Sampa”. Verdade, por isto temos que mirar em bons modelos.
Mesmo sendo pública, a Supera é interessante, já que é administrada por uma fundação, a FIPASE (Fundação Instituto Pólo Avançado de Saúde) e por um conselho com pessoas de Mercado, a exceção de seu atual diretor que é Médico e Professor. Mesmo ela, the best, recebeu no último ano recurso federal de R$ 3,06 milhões. Somado a este, possui convênios firmados da ordem de R$ 8,67 milhões. Questão: sem os recursos federais, será que a Supera conseguiria tocar suas operações? Estas informações estão no Portal da Transparência.
Portanto, mesmo nossa melhor campeã, precisou de uma aporte de 35,29% sobre sua receita, o que reforça minha tese de que o socorro “vai além da Caatinga”: as incubadoras sudestinas também são subsidiadas.
85 voltas depois, com um título pra lá de apocalíptico, sugiro ou uma mudança de modelo ou um caixão. Os argumentos que “aqui gorjeiam” devem ser combatidos, pois é a melhor forma que conheço de aprendizado. Escrevo sempre nessa busca. Vamos lá.
Incubadora de Empresas de Base Tecnológica. Conceito!
Aproprio-me do belo conceito emitido pela líder temática da Anprotec, Claudine Pinheiro Carrilho, querida colega de labuta que gerencia a ITNC, Incubadora Tecnológica Natal Central, a mais antiga – e de longe a melhor incubadora do RN, em funcionamento desde 1998 – e transcrevo:
“Incubadoras são instituições que têm o objetivo de apoiar empreendedores com ideias inovadoras a construírem empresas sustentáveis. São ofertados serviços de suporte em gestão, aperfeiçoamento do modelo de negócios e infraestrutura necessária ao desenvolvimento e consolidação da solução.
Uma incubadora em operação precisa ter apoiado empreendimentos do início ao final do ciclo de incubação, ou seja, realizar o processo de seleção das empresas, dar suporte durante o período de incubação, monitorar sua evolução até a graduação, e acompanhar o desempenho no mercado.
Incorporar a gestão de indicadores para avaliar seus resultados também é essencial às incubadoras em operação, afinal, os resultados precisam ser dimensionados e incorporados para elaboração de estratégias de atuação”.
Conceito em mente, podemos partir para (re)pensar o modelo atual.
Começando por perguntas
Inovação é risco, e isto é o que é levado às incubadoras. Então (1) que sentido faz selecionar ideias, quando não se pode determinar, a priori, seu respectivo potencial de inovação? (2) Como se pode atribuir um procedimento convencional de gestão a algo que está por existir, já que o risco é o fluido pelo qual bate o coração de uma startup? Cito alguns exemplos totalmente inesperados em A última coca-cola do deserto, cases, que nunca seriam aprovados em um certame convencional, mostram-se milionários, ao contrário de dezenas de empreendimentos que foram aprovados e permanecem dois, três, quatro anos em incubação, contrastando com outro princípio das startups, o curto prazo de validação, e morrem ao sair da proteção. Sei disso porque, só na UFRN, ajudei a criar suas cinco incubadoras, que, por sinal, constituem uma anomalia no país: um único campus com cinco incubadoras… Longa história.
Outro fator que parece ter sido desprezado: as startups ou serão empresas ou serão vendidas para empresas ou solicitarão aportes de empresas ou serão parte de alguma empresa. Portanto, todo caminho dá no Mercado. Se nossas incubadoras e parques científico-tecnológicos são gerenciados majoritariamente por staff acadêmico – pessoas cuja formação fazem com que confundam Mercado com supermercado – (3) como esperar que de suas instalações brote algo competitivo, quando o parque real, cruel e matador, já está instalado lá fora, formado por inúmeras sobreviventes traquejadas? (4) Não teriam, então, as startups de serem nativas do mundo para o qual migrarão?, conceito que abordo em Market inside Market.
Mercado tem de ser feito no Mercado: “A César o que é de César”…
… diz uma parábola, e “ao Mercado o que é do Mercado”, diz o empreendedorismo inovador!
Empresas já perceberam que suas sobrevivências dependerão do grau de “filhotes” que gerarem ou da adoção destes. No artigo Terão as empresas que se transformar em centros de capacitação?, mostro exemplos da geração. Em Por quem as grandes empresas choram… descrevo a adoção e do porque de grandes empresas não contratarem mais profissionais, mas CNPJs.
Assim, em minha opinião, as empresas terão de criar spin-offs (sub-empresas) de dois tipos: V e S. As do tipo V são aquelas que representam variações de si próprias. As do tipo S, sabotadoras, são processos que poderiam te derrubar ou serem criados por seu concorrente. Antecipe a jogada antes que outro o faça. As empresas devem prever em seus NGC (necessidade de capital de giro) – valor mínimo que uma empresa precisa ter de dinheiro em caixa para garantir sua operação – um montante para investir na criação de spin off tipo V e S. Trocando em miúdos, as empresas têm de prover seus próprios processos de incubação.
Um caminhão carregado com 1 trilhão de ideias custa R$ 0,00. O que eu quero dizer: uma ideia só faz sentido dentro de uma oportunidade. Traçando um paralelo: um processo de incubação tem maior chance de acontecer dentro de um Mercado, onde as oportunidades florescem por serem dores diárias de quem está lá. Uma startup stand alone, encastelada em uma incubadora pública, dificilmente conseguirá vingar longe do campo de batalha, exceção para os casos de disrupção raiz. Recomendo, portanto, que o processo aconteça in company.
Qual deveria ser o papel das incubadoras em universidades públicas, então?
Defendo a tese de que a Ciência tem de resolver problemas da sociedade. Curioso ser tão explicitamente óbvio, mas isso não acontece. Do ponto de vista científico, a academia hoje só conversa com si própria. Nossa Ciência é autista, a ponto de criar um ranking que mede a qualidade e, coisa que não entendo, o grau de impacto dos papers, chamado de Qualis. Você pode chamar isso de gamificação científica. Entretanto, já está mais do que provado que este tal “grau de impacto” não está correlacionado com a qualidade de vida do país, nem com o seu nível educacional. Criei então uma tabelinha sul americana para mostrar como a Ciência made in Brazil está desconectada da realidade, sendo nós o maior PIB da América Latina.
Os links correspondem a A) National Science Foundation, B) Nações Unidas, C) Wikipedia e D) BBC. No link A, fornecido pela NSF, só encontrei até a colocação 60. Para o link D considerei a área de lógica e matemática. Novamente, claro, temos exceções. Bom se fosse regra. Esta anacronia foi explicada em Ciência, Tecnologia e Inovação: ordem errada! , onde sugiro que uma inovação deve ser tentada, depois a tecnologia para sua implementação buscada e, na falta dela, criada pela Ciência. Ou seja: toda abordagem, social ou de Mercado, deveria começar de fora para dentro, e não o contrário.
Neste sentido, as incubadoras universitárias deveriam ser transformadas em centros de metodologias voltados aos negócios, de testes de protótipos e de validação de conceitos, além de serem as novas pontes entre estudantes e Mercado.
Finalizando…
As duas principais doutrinas que norteiam as universidades públicas, a do Lattes e a Socialista, distorcem a percepção de que os recursos que as sustentam vêm majoritariamente de impostos sobre CNPJs, motores da economia, tornando as universidades públicas um ambiente inóspito para o processo de incubação. “Mate a empresa e a academia vai junto”, diria GBB-San.
Até mesmo o fato de eu acreditar que o melhor programa social é o empreendedorismo choca-se com a promoção da cultura antiliberal interna reinante, provocando um mal-estar em docentes com visão empreendedora, que querem ajudar a criar empregos, a ponto de passados 14 anos desejar “jogar a toalha” e, mesmo tendo ajudado a criar as incubadoras da UFRN, que apoiaram quase duas centenas de empreendimentos nesses anos, afirmar não ver mais sentido em incubadoras de universidades públicas. Esse esforço hercúleo tem de lidar com algo além da pressão do Mercado: a natureza da universidade. Uma mudança no modelo de incubação é premente, pois a era de incubadora em universidade pública acabou. A incubadora de empresas está no lugar errado.
A coluna Empreendedorismo Inovador é atualizada às quartas-feiras. Gostou da coluna? Do assunto? Quer sugerir algum tema? Queremos saber sua opinião. Estamos no Facebook (nossaciencia), Twitter (nossaciencia), Instagram (nossaciencia) e temos email (redacao@nossaciencia.com.br). Use a hashtag #EmpreendedorismoInovador.
Leia a edição anterior: IX Congresso de Educação Orientada a holografia
Gláucio Brandão é gerente executivo da inPACTA, incubadora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Gláucio Brandão
Deixe um comentário