Matusalém: o elo entre o envelhecimento “adequado” e a reforma da previdência
O presidente da Câmara Federal dos Deputados, Rodrigo Maia, anunciou que a polêmica Reforma da Previdência pode ser votada logo após o carnaval. Certamente, a escolha do período dessa votação levou em conta o “efeito anestésico” que decorrerá após o maior evento popular do país – além disso, não se pode também desprezar a parcela da população que se tornará audiência fiel da nova versão do programa Big Brother Brasil, já iniciada. A estratégia de se utilizar desse período para votação deve-se, sobretudo, à indignação da população, a qual será atingida pela reforma, especialmente porque o trabalho laboral estender-se-á por um bom período na velhice. Há ainda alguns, os quais não serão atingidos pela reforma, por motivos inescrupulosos que não cabem nesse texto.
Desde meados do século passado é notório o aumento da expectativa de vida, em especial, nos países desenvolvidos. Nesses, o aumento associa-se cada vez mais às taxas de fertilidade decrescentes. Como consequência, tem-se uma população cada vez mais velha. A prova disso é que as Nações Unidas projetam que até 2050, a população mundial de “idade mais velha”, com 80 anos ou mais, triplicará para 434 milhões. Já nos Estados Unidos, essa tendência é personificada pelo fenômeno do baby boom. Lá, em 1960, apenas 9% da população possuía 65 anos ou mais. Existem agora mais pessoas com 60 anos de idade ou mais, do que menores de 15 anos, algo inédito na história americana. Esses dados diferem bastante de um país para outro, até mesmo entre os países desenvolvidos, é o que aponta um estudo publicado agora em janeiro na revista “Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS)”.
A finalidade desse trabalho foi avaliar como os países desenvolvidos estão adaptando-se ao envelhecimento da sociedade. Para tanto, criaram um índice de envelhecimento, o qual permitiu classificar esses países de acordo com seus níveis de adaptação e de adoção de estratégias de envelhecimento consideradas bem sucedidas. Ou seja, o foco que outrora era imediatista, tendo como alvo o indivíduo, passa a ser coletivo com vistas a abraçar estratégias que garantam que cada sociedade se adapte com sucesso ao envelhecimento de toda a população. Assim, enquanto em algumas sociedades a questão do envelhecimento ainda é, a priori, tratada como uma questão previdenciária, em outras, a alguns passos adiante, é uma questão de estratégia adaptativa, sob a tônica da coletividade.
Mas no mundo animal existe outra espécie de mamífero, o rato-toupeira-pelado (Heterocephalus glaber), também detentor de uma organização social complexa (eussociabilidade). Para essa espécie, a velhice e o envelhecimento não se assemelham com o dos outros animais, em especial, com a espécie Homo sapiens. O interesse despertado por esse pequeno roedor africano subterrâneo é tão grande que seu genoma foi sequenciado ainda em 2011 e publicado, na época, como destaque na revista Nature. Semana passada, a Science dedicou mais um editorial, entre outros já dedicados a essa espécie, intitulado Ratos-toupeira-pelados desafiam a lei biológica do envelhecimento.
Segundo esse editorial, “(…) no mundo dos modelos animais, os ratos-toupeiras-pelados são supermodelos”. E continua: “(…) Eles raramente sofrem câncer, são resistentes a alguns tipos de dor e podem sobreviver até 18 minutos sem oxigênio”. Mas talvez sua maior façanha seja que eles não aparentam sinais de envelhecimento. Mesmo em idades avançadas, suas taxas de mortalidade permanecem menores do que a de qualquer outro mamífero já documentado. Os ratos em cativeiro vivem no máximo 4 anos, já os ratos-toupeiras, tomando o seu tamanho como base, não deveriam viver mais que 6 anos. Porém, contrariando essa expectativa, alguns vivem mais de 30 anos, e mesmo nessa idade, as fêmeas reprodutoras ainda ficam férteis.
Segundo o autor, esses roedores parecem desrespeitar até mesmo a lei de Gompertz, a qual é representada matematicamente por uma equação que descreve que o risco de morrer aumenta exponencialmente com a idade. Nos humanos, por exemplo, esse risco duplica aproximadamente a cada 8 anos, após os 30 anos de idade. A lei aplica-se a todos os mamíferos em idade adulta. No caso do rato-toupeira “Matusalém”, mesmo após atingir a maturidade sexual aos 6 meses de idade, as suas chances diárias de morrer somam pouco mais de uma em cada 10.000. E melhor: essa tendência permanece assim pelo resto de suas vidas, chegando até mesmo a diminuir.
Em outros dois editoriais da Science, intitulados “Ratos-toupeiras-pelados podem sobreviver até 18 minutos sem oxigênio” (2017) e “Por que os ratos-toupeiras-pelados não tem câncer” (2013), outras características excepcionais dessa espécie também são ressaltadas. Entre elas, destaco: 1) resistência a altos níveis de dióxido de carbono e a baixos níveis de oxigênio, 2) capacidade de mobilizar frutose aos invés de glicose na escassez ou ausência de oxigênio (uma espécie de interruptor glicose/frutose”) e 3) presença de um açúcar complexo (hialuronato) que, mesmo presente em todos os animais, possui um tamanho incomum, 5 vezes maior. Além disso, os pesquisadores descobriram que a enzima que quebra esse açúcar não é muito ativa nessa espécie, permitindo que o composto se acumule em concentrações mais elevadas do que em outros animais. Ao que tudo indica, a presença desse açúcar, cuja vantagem adaptativa relaciona-se com a maior elasticidade da pele, o que os torna capazes de lidar com o aperto dos estreitos túneis subterrâneos, pode ter influencia na resistência dessa espécie ao surgimento de neoplasias.
A longevidade da espécie humana, quando comparada com a desse roedor está muito aquém, mesmo em se considerando as expectativas de vida crescentes nos países desenvolvidos. Se a expectativa de vida do nosso país girasse em torno de 150 anos, algo mais ou menos proporcional aos 30 do rato-toupeira, talvez fizesse sentido, a tal reforma… Assim, a população aposentar-se-ia por volta dos 100 anos, quando receberia o benefício de forma integral. Mas em uma população vítima das mais diversas epidemias (a bola da vez é a febre amarela!) e chacinas horrendas e, excluída, na sua grande maioria, de garantias sociais mínimas, cogitar a adoção de estratégias de envelhecimento, consideradas bem sucedidas, parece ser algo bem utópico.
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Thiago Jucá
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