Sem carnaval, o momento é de observação, reflexão e espera por dias melhores
Por Ribamar Oliveira
Escrevo pensando que se não fosse, talvez estivesse em outro lugar. Sinto o silêncio da casa da minha mãe, o barulho dos ventos nas folhas da grande mangueira do quintal e, por mais que eu queira estar no aqui e no agora, não me vejo em um sábado de carnaval. Abro álbuns de família, tiro a poeira dos meus livros que ficaram e escuto alguns discos que não sei mais cantar. O gato deitado na cama me olha, olho a planta pendurada na parede e não me vejo a ser por essas duas vidas que me cercam no momento em que escrevo. Lembro de uma frase nas portas de um dos banheiros químicos nas ladeiras de Olinda: “não se mate, ano que vem tem carnaval”. Segurando o xixi, com os olhos cobertos de glitter e um tule de bailarina, eu olhava pra cima e me via no alto da Sé, admirando o azul do mar que escorria pelos meus olhos como lágrima, entre sal e suor.
Mas, este ano não teve carnaval. Talvez, neste ano não me tenha. Lembro que talvez neste sábado fosse o dia em que eu estava saindo de casa com gosto de caju e cachaça na boca, sem saber a hora de voltar e muito menos a de chegar. Tenho pensado que o carnaval em seus poucos dias possa ser uma curta quarentena de nós mesmos, pois acho que precisamos escoar de alguma forma e nada mais justo do que no mês de fevereiro. Porém, em 2021, deixo o calor dos humanos debaixo de sol e fico entre espécies, no silêncio das minhas palavras e na busca do que o gato poderia me dizer se falasse. Aliás, esses dias descobri se a planta que estava no quarto era de sol ou de sombra, somente observando ela murchar quando exposta aos raios solares. Por mais que não tenha carnaval, dentro de mim nunca é silêncio, pode parecer estranho, mas sinto a quietude de mim no meio da folia. Naquele beijo dado em quem não sei quem é, naquela cerveja que esquentou na latinha e naquele final de dia que não terminou.
Mas, este ano não teve carnaval. Talvez, neste ano não me tenha. Lembro que talvez neste sábado fosse o dia em que eu estava saindo de casa com gosto de caju e cachaça na boca, sem saber a hora de voltar e muito menos a de chegar. Tenho pensado que o carnaval em seus poucos dias possa ser uma curta quarentena de nós mesmos, pois acho que precisamos escoar de alguma forma e nada mais justo do que no mês de fevereiro. Porém, em 2021, deixo o calor dos humanos debaixo de sol e fico entre espécies, no silêncio das minhas palavras e na busca do que o gato poderia me dizer se falasse. Aliás, esses dias descobri se a planta que estava no quarto era de sol ou de sombra, somente observando ela murchar quando exposta aos raios solares. Por mais que não tenha carnaval, dentro de mim nunca é silêncio, pode parecer estranho, mas sinto a quietude de mim no meio da folia. Naquele beijo dado em quem não sei quem é, naquela cerveja que esquentou na latinha e naquele final de dia que não terminou.
Sem carnaval nos trópicos, sou triste trópicos. O vírus me fez Quarta-Feira de Cinzas sem ao menos me perguntar alguma coisa. Não quero falar de pandemia, quero falar do carnaval do que ano que vem. “Bem-vindo ao deserto do viral”, como diz Slavoj Žižek. Só me resta pensar nas fantasias do ano que vem, como quem espera a vacina no último grupo da triagem de vacinação. Eu me adio pra 2022, pois 2020 abriu feridas que só posso esquecer na quarentena carnavalesca. Apesar da minha carne ser de carnaval, não quero pensar em ameaçar virais, não nesta semana. Desculpe se o silêncio de dentro pode falar mais alto, mas a distopia me pede uma paixão de carnaval, aquela que me lembra de mim. Escrevo, mas quero pular. Não esqueço a frase de que “ano que vem tem carnaval”, agora, observando a suculenta folha da planta neste sábado silencioso, eu acho que finalmente entendi por que ela foi escrita ali. Afinal, 2020 foi como subir a Ladeira da Misericórdia.
* Ribamar Oliveira – Jornalista e Doutorando em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), membro do grupo de pesquisa DesCom da Universidade Federal do Rio Grande Norte (UFRN).
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“Epistemologias Subalternas e Comunicação – desCom é um grupo de estudos e projeto de pesquisa do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte”.
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