Os últimos 150 anos de estudos científicos a respeito do benzeno representaram uma condição sine qua non para alçá-lo de uma simples substância, que chegou a ser usada como loção pós-barba, a uma reconhecidamente carcinogênica
Qual a sua ocupação? Que arte exerce? Essas eram algumas das perguntas feitas pelo médico italiano Bernardino Ramazzini, considerado o pai da medicina do trabalho, aos trabalhadores doentes. Em 1700, Ramazzini publicou sua obra prima, o livro De Morbis Artificum Diatriba, que foi traduzido como “As Doenças dos Trabalhadores”. A partir de então, a medicina e, em especial, a ciência passaram a ter um olhar diferenciado sobre as relações entre o trabalho e a saúde do trabalhador.
O benzeno representa um modelo e um marco, ao mesmo tempo, desse tipo de relação. Atualmente existe pouca ou nenhuma dúvida na literatura científica, quanto à toxicidade do benzeno para seres humanos. Tanto é que o mesmo é uma substância reconhecidamente carcinogênica, embora os mecanismos responsáveis por tal toxicidade e sua relação com casos de leucemia ainda não estejam completamente esclarecidos. A própria Organização Mundial de Saúde reconhece que, a presença ubíqua do benzeno como um poluente ambiental, o torna uma questão de saúde pública.
Os primeiros relatos de utilização industrial do benzeno, ainda na segunda metade do século XIX, correlacionam-se com a premente necessidade de energia para a expansão industrial, que se sustentava na utilização do carvão mineral, mesma fonte da qual se obtinha o benzeno. Ao mesmo tempo em que o benzeno se tornava uma substância com aplicações diversas, aumentava o número de descobertas de casos de doenças relacionadas com a exposição ao benzeno, até que esses achados permitiram estabelecer uma relação direta entre a exposição ao benzeno e alterações hematológicas.
Depois da segunda guerra mundial, a matriz energética mudou do carvão mineral para o petróleo, uma fonte ainda mais abundante e promissora para a obtenção de benzeno. Os grandes nomes da química do benzeno, como Michael Faraday, responsável pelo seu isolamento e identificação (1825); Friedrich Kekulé, que teve um sonho no qual uma cobra mordia o próprio rabo, e que o serviu de inspiração para imaginar a estrutura do benzeno como sendo um anel (1865); e sequer Linus Pauling, que utilizou a mecânica quântica para confirmar de vez a idéia de Kekulé (1930), não imaginavam que eles ajudariam a popularizar esta molécula como o hidrocarboneto aromático mais famoso já conhecido.
Por outro lado, a sua toxicidade, observada principalmente em ambientes industriais foi responsável pelo aumento da preocupação com a implementação de medidas de prevenção e proteção dos trabalhadores, o que culminou nos EUA, na década de 50, com o surgimento de legislações restritivas quanto ao uso e limites de exposição ao benzeno.
No Brasil, já no final da década de 30, a atividade com benzeno foi considerada como perigosa e insalubre, o que implicava na obrigação patronal de pagamento do adicional de insalubridade. Na década seguinte foi proibido o trabalho de menores com benzeno, os seus homólogos e derivados. Na década de 70 foi instituída a aposentadoria especial para trabalhadores com exposição ao benzeno. Em 1982, através de portaria interministerial foi proibida a presença de benzeno em produtos acabados, e estabelecido o percentual limite de 1% em volume como contaminante.
Em 1995, depois de anos de intensa mobilização por parte da sociedade, o reconhecimento dos perigos e riscos da exposição ocupacional ao benzeno no Brasil repercutiu positivamente na assinatura de um acordo, que teve reconhecimento internacional, no qual o poder público, as empresas e os trabalhadores estabeleceram o que ficou conhecido como o Acordo Nacional do Benzeno. Esse instrumento teve como objetivo a formalização do compromisso assumido entre os signatários, contendo um conjunto de ações, atribuições e procedimentos para a prevenção da exposição ocupacional ao benzeno, visando à proteção da saúde do trabalhador. A consequência mais marcante desse acordo foi a criação e inserção, na Norma Regulamentadora 15 do Ministério do Trabalho (NR-15), do anexo XIII-A, que trata especificamente do benzeno.
Durante os últimos anos, as pesquisas científicas têm obtido muitos avanços sobre os aspectos moleculares e genéticos do benzeno, bem como sobre os métodos de detecção em amostras biológicas e o monitoramento ambiental. No Brasil, vale destacar as contribuições científicas valiosas, realizadas nos últimos 50 anos, pela Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro).
Nessa questão do benzeno, os últimos 150 anos de estudos científicos representaram uma condição sine qua non para alçá-lo de uma simples substância, que chegou a ser usada como loção pós-barba, a uma reconhecidamente carcinogênica. Mas muito além de tudo isso, os desafios do benzeno que antes envolviam, e ainda envolvem, mas em menor proporção, os ambientes industriais, se voltam para o meio ambiente e consequentemente para toda sociedade. Por fim, e de acordo com o artigo 3 da Declaração sobre as Responsabilidades das Gerações Presentes em Relação às Gerações Futuras adotada pela UNESCO (1997) “a natureza e a forma da vida humana nunca devem ser prejudicadas, sob qualquer aspecto”.
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Thiago Jucá
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