Existe uma enorme preocupação por parte da comunidade científica acerca da “Grande Barreira de Corais” brasileira na Bacia da foz do Amazonas
Recordo-me bem da primeira vez que ouvi falar da Grande Barreira de Corais. Na época, começo da minha adolescência, ganhei um livro da coleção A Grande Aventura de Cousteau cujo subtítulo era “Austrália: a última fronteira”. Jacques-Yves Cousteau foi o grande divulgador e popularizador dos mares. O Capitão Cousteau – como é mundialmente conhecido e celebrado, mesmo após quase vinte anos da sua morte – foi oceanógrafo, explorador, mergulhador, documentarista, inventor e defensor da conservação do mundo marinho. Cousteau e o seu navio Calypso – um laboratório móvel para pesquisas, mergulhos e filmagens – inspiraram gerações no mundo inteiro e, certamente, continuarão a fazê-lo. Ele foi para a popularização dos oceanos o mesmo que Carl Sagan foi para a astronomia, ou ainda Richard Dawkins para a evolução biológica.
Na última semana de maio, as revistas Science e Nature, por meio da divulgação de dois editoriais, reagiram prontamente aos achados trazidos à tona por um artigo publicado na Nature Geoscience mostrando as respostas da Grande Barreira de Corais em relação às mudanças ambientais e no nível do mar nos últimos 30 mil anos. De acordo com o editorial americano, há muito tempo os cientistas se perguntavam sobre o que teria acontecido com a Grande Barreira de Corais durante a última era do gelo. E a resposta veio com os achados dessa recente publicação: a Grande Barreira de Corais teve cinco experiências de quase morte nos últimos 30.000 anos. Ou seja, é mais resiliente do que se imaginava. Porém, o texto reitera que esses novos achados servem como “mais um lembrete” e adverte que, não devemos esperar que os recifes sejam capazes de se recuperar rapidamente dos eventos atuais. Isso seria catastrófico.
O editorial britânico, por sua vez, segue a mesma linha do editorial americano. Ele alerta que, a despeito dessa resiliência, a onda de calor marinha em 2016, que matou quase um terço dos corais vivos na Grande Barreira de Corais da Austrália, serve de alerta. Porém, o sinal vermelho ficou aceso ao constatar-se que, os efeitos em 2017, foram ainda mais severos. Estes causaram até mesmo o branqueamento e a morte de corais mais remotos e bem protegidos.
Saindo da Austrália e chegando às terras tupiniquins, o alerta vermelho é o mesmo. Porém, o caso aqui é um pouco mais complexo por dois motivos, quais sejam: (i) a descoberta, até então pouco provável, de um imenso recife na Bacia da Foz do Amazonas, equivalente em área ao Estado da Paraíba; e (ii) que este ecossistema está localizado na região que representa a nova fronteira petrolífera a ser explorada, na Bacia da Foz do Amazonas.
As empresas petrolíferas BP, TOTAL e Queiroz Galvão adquiriram blocos a serem explorados nessa região em 2013, mediante o leilão da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Estima-se que a região abrigue alguns bilhões de barris de petróleo, o que provavelmente demandará o uso de plataformas e a instalação de toda uma infraestrutura de exploração, caso a autorização seja concedida. E aí reside o grande embate: enquanto as empresas envolvidas aguardam o sinal verde referente ao licenciamento ambiental para iniciar a exploração de petróleo e gás na região, o mundo científico ligou o alerta vermelho frente aos riscos irreparáveis e iminentes que esse imenso bioma, ainda desconhecido, tem diante de si.
Ainda no final do mês de maio (28/05), o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (IBAMA) divulgou no seu portal dois pareceres técnicos (n° 72 e 73) nos quais informa que os estudos ambientais apresentados em relação à exploração de petróleo e gás na foz do Amazonas são insuficientes. No parecer n° 72 o órgão conclui que “o estudo ambiental de caráter regional da Bacia da Foz do Amazonas, elaborado pelas empresas Total, BP e Queiroz Galvão, apresenta lacunas e incongruências que inviabilizam a sua aprovação”. Estas lacunas referem-se às informações e esclarecimentos dos empreendedores sobre os meios físico e biótico. Já no parecer n° 73, o órgão alega que “a dificuldade da empresa em apresentar um Plano de Emergência Individual (PEI) satisfatório é apontada como um dos impeditivos, além da ausência de acordo bilateral entre Brasil e França relacionado a ocorrências que envolvam derramamento de óleo”. Este parecer destaca ainda que “a alteração da metodologia de perfuração, substituída pelo drift-running, e a existência de recifes biogênicos nos blocos da empresa geram insegurança técnica”.
A Bacia da foz do Amazonas é uma região muito complexa e sensível. Lá estão povos indígenas, pescadores, extrativistas, ribeirinhos e uma mega biodiversidade que abriga moléculas cujo valor para a humanidade são inestimáveis. Tanta riqueza traz à tona a memória e as preocupações de épocas passadas, nas quais rapinou-se as nossas riquezas (Pau-Brasil, cana-de-açúcar, ouro, café, borracha e algodão) em nome do desenvolvimento e da bonança de determinadas regiões. Muitos dos nossos males, inclusive, decorrem desses espólios, os quais serviram para gerar muita riqueza alheia.
Assim, uma questão-chave merece destaque, qual seja: é difícil saber se o órgão ambiental brasileiro sustentará decisões como as que foram apresentadas nos pareceres técnicos que rejeitaram, pelo menos até agora, as licenças ambientais solicitadas. Igualmente, é difícil afirmar que as justificativas da comunidade científica farão frente ao imenso poder de barganha e lobby da indústria petrolífera. Os inúmeros acontecimentos do século XX e XXI em torno da questão do petróleo não deixam dúvidas que, de fato, o mesmo faz jus ao apelido de ouro negro.
Enquanto não conhecemos o desfecho desse embate, uma coisa é certa: as expedições que ainda na década de 70 viram que existia algo de diferente naquela região. E mais ainda, a expedição científica brasileira que a bordo do navio Esperanza confirmou o achado do coral amazônico e cujos resultados foram publicados em 2016 na Science Advances, lembram a grande odisseia pelos mares do Capitão Cousteau.
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Thiago Jucá
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