O bife do nosso prato custa muito caro Coluna do Jucá

quinta-feira, 21 dezembro 2017
Figura: Science, Chad Ehlers/Stock Connection/Aurora Photos, 2017.

Talvez o sentimento natalino ajude-nos a compreender que a proteína animal, em especial a carne bovina, às vezes tão farta em nossas mesas está associada a uma imensa “pegada ambiental”

O final do ano chegou e, com ele, os festejos tão marcantes dessa época. Certamente para uma parcela da população mundial esse período é comemorado com muita fartura alimentar. Infelizmente, a parcela que comemora dessa forma é diminuta quando comparada com a outra parcela, a que não tem alimentos sobre a mesa. Para muitas pessoas, em especial aquelas tomadas pelo sentimento natalino, devido às implicações religiosas, um questionamento natural que deveria surgir haja vista as circunstâncias de fartura e não fartura sobre a mesa seria: “se produzimos uma quantidade de alimentos suficientes para alimentar todas as pessoas do planeta, por que milhões não têm o que comer?”.

A escassez de alimentos pode ter diferentes razões, as quais cito algumas: condições ecológico-climáticas (pragas e secas, por exemplo), regimes políticos, guerras e desigualdade social. Essa última manifesta-se de maneira tão marcante que, para uns, a alimentação está associada à desnutrição e ao raquitismo, para outros, à superalimentação, principalmente de proteína animal. De acordo com a Organização Internacional de Conscientização Alimentar – ProVeg – cuja atuação é ativa em cinco países diferentes (Alemanha, Holanda, Polônia, Espanha e U.K), o consumo excessivo e o desperdício de alimentos nesses países inserem-se nessa lógica da superalimentação. Isso sem citar os americanos!

Talvez o sentimento natalino ajude-nos a compreender um pouco que a proteína animal, em especial a carne bovina, muitas vezes tão farta em nossas mesas, está associada a uma imensa “pegada ambiental” cuja cadeia produtiva inclui: a necessidade de imensas áreas para a pastagem e para o cultivo de grãos – em especial a soja para alimentar o gado – o que acentua a devastação florestal (nesse quesito já somos hexacampeões); consumo demasiado de água; produção de dejetos e o mais em evidência de todos, a emissão de gases do efeito estufa.

Mudanças climáticas

Segundo um documento da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) de 2013, intitulado “Abordando a mudança climática através da pecuária”, o setor global da pecuária contribui com uma participação significativa nas emissões antropogênicas de gases do efeito estufa de 14,5%. De acordo com esse documento da FAO existe uma ligação direta entre a quantidade de emissão de gases do efeito estufa e a eficiência com que os produtores utilizam os recursos naturais. Ou seja, para tanta emissão desses gases, a eficiência e a produtividade desse processo são consideradas baixas.

Uma vaca em meio à névoa poluída de Nova Delhi (Índia) R S LYER AP, ELPAIS, 2017.

Talvez uma das grandes questões acerca da agropecuária do século XXI envolva o aumento da produção de alimentos baratos e saudáveis a um baixo custo ambiental – isso para alimentar uma população cuja estimativa será 10 bilhões em 2050, segundo a própria FAO. Ou seja, o consumo de carne, seja qual for a sua origem não é (tão) barato – quando comparado a outros alimentos. Quanto a ser saudável, seu valor nutricional é inquestionável embora seu consumo em excesso esteja associado a alguns males. Quanto ao custo ambiental, se comparado ao de outros alimentos, também é altíssimo. Imagine como fica essa equação no Brasil? Temos mais cabeça de gado do que “gente”; plantamos muita soja para alimentar esse gado, consequentemente derrubamos muita floresta; gastamos muita água, apesar da abundância; possuímos a maior empresa (JBS) de processamento de carne do mundo; e, se duvidar, temos a bancada do parlamento federal (“boi”) mais forte e influente do que em qualquer outro canto do Planeta. A EMBRAPA ajuda a contrabalancear essa balança fornecendo tecnologia de ponta, o que aumenta a eficiência e a produtividade do setor.

Bom mas um dos grandes poluidores não seria a agropecuária? Um estudo recente (setembro de 2017) publicado na revista “Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS)” – dessa vez envolvendo os americanos, a pecuária e o consumo de carne – modelou a agricultura americana de modo a determinar os impactos da remoção da criação animal sobre os aspectos nutricionais e aqueles relacionados à emissão de gases do efeito estufa quando comparados com a sua presença. Baseado nesse modelo, os autores concluíram que haveria uma redução de apenas 2.6 % no total de emissões de gases do efeito estufa.

Outra dieta?

Essa pequena redução nas emissões não parece algo contraditório? Primeiramente, há que se considerar que essa redução inexpressiva pode ser explicada pela necessidade de uma superprodução de alimentos (e com grande variedade) para compensar a ausência da carne e dos seus respectivos nutrientes da dieta. Ou seja, de acordo com esse modelo, a remoção de animais resultou em dietas que não são viáveis para atender as necessidades nutricionais dos americanos sem suplementação de nutrientes – isso mantendo o atual padrão de consumo. Segundo os autores, uma alimentação vegetariana cuidadosamente equilibrada poderia atender a todos os requisitos de nutrientes. Porém, o atual modelo de produção desses alimentos vegetais não atende aos requisitos da população dos EUA para cálcio, vitaminas A, B12 e alguns ácidos graxos, o que geraria um déficit nutricional.

Outras conclusões do estudo mostram que haveria uma demanda maior para a produção total de alimentos, maior deficiência em nutrientes essenciais, excesso de energia, um potencial aumento na relação alimento/nutriente, o qual poderia ser exportado para outros países. No entanto, há que se considerar, também, que além de ser um modelo teórico, os americanos são grandes importadores e, certamente, não possuem tantas cabeças de gado em seus territórios e nem desmatam tanto quanto nós para esse fim. Na verdade, eles são grandes importadores da nossa carne.

Ocorre que, afora as questões nutricionais e ambientais, afloram especialmente nestas festas de fim de ano reflexões de cunho social. Será que precisamos consumir tanto, em especial, proteína animal? A nossa consciência precisa ponderar a fartura e a desigualdade social em nossa volta bem como as questões ambientais associadas a ambas.  A ciência tem melhorado a eficiência e a produtividade de diversos processos, o que permitiu o aumento da disponibilidade e oferta de alimentos e nutrientes. Cabe a nós, uma mudança de atitude.

Referências

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Thiago Jucá

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