A série traz a mulher negra como protagonista no ciberespaço
Por Débora Gizele
Atualmente, as redes sociais fazem parte do cotidiano de muitas pessoas. Por causa do avanço tecnológico, da expansão e relativa popularização da internet, ter um perfil ativo no universo virtual se tornou fundamental, seja apenas para entretenimento ou como forma de divulgação de trabalhos e projetos pessoais.
As possibilidades são inúmeras dentro do ciberespaço e, principalmente, dentro das redes sociais, que estão se tornando muito mais do que ferramentas de exposições imagéticas e textuais, transformando-se em ferramentas políticas e sociais, capazes de criar uma ampla e acessível rede de contatos, parcerias e apoios. Os perfis conseguem, assim, expandir vozes, ainda que tímidas, de distintas minorias de todo o mundo.
Através das narrativas apresentadas acima e dos anseios tecnológicos decorrentes da presente década, resolvi apostar em um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em Audiovisual na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), que envolvesse vertentes do meu interesse, como atualidades, tecnologia, mídias sociais, mulheres negras e representatividade midiática, associando também a realidade em comum vivenciada por mim e diversas mulheres negras dentro da rede: a obrigatoriedade de existir e ser representada ao mesmo tempo em que construímos as nossas próprias narrativas. A iniciativa recebeu orientação do professor Rodrigo Almeida.
Para criar uma dinâmica mais interativa e que combinasse com a proposta do projeto, escolhi desenvolver a primeira temporada da websérie documental “Ela faz…”, composta por três episódios, com duração entre oito e quinze minutos. As entrevistas foram feitas exclusivamente de forma remota e virtual, o que se tornou um ponto importante deste trabalho, visto que a escolha dessa modalidade foi ocasionada devido à crise sanitária provocada pelo novo Coronavírus.
Portanto, todo o trabalho foi desenvolvido através de uma nova lógica comunicacional, o que não isenta a eficiência de sua execução, muito pelo contrário, visto que a nova modalidade de entrevistas remotas (chamadas de lives, realizadas dentro das próprias rede sociais ou externamente, através do Zoom Video Communications – o qual utilizei para a realização da web-entrevista – ou Youtube) estão se popularizando cada vez mais e reforçando o quão incrível é a grande rede e como ela vem quebrando barreiras em tempos de crise.
Uma pesquisa realizada pela Panorama Mobile Time indicou que o número de transmissões ao vivo e videoconferências cresceram durante o isolamento social no Brasil e no mundo. Toda essa acessibilidade e praticidade ao produzir, transmitir e interagir com os agentes de interesse dentro da rede culminou na realização desse projeto.
Mesmo que o aumento do uso das redes sociais seja crescente, quando se fala em tecnologia, no Brasil, especialmente no sentido do domínio dela, nos deparamos com fatores sociais e econômicos que geram diversos questionamentos, por exemplo: democratização tecnológica para quem?
Segundo o portal PretaLab, “as mulheres negras acumulam os piores indicadores sociais no Brasil, desde baixa escolaridade, violência doméstica, descasos nos serviços públicos e a baixa representatividade política e social.” Para Sil Bahia, coordenadora do PretaLab, a inclusão tecnológica das mulheres negras é necessária e determinante na construção da representatividade social, como também na expansão de interesse por mais mulheres negras na área tecnológica. Ela afirma que:
A falta de referência é outro fator determinante: se ser uma mulher nas tecnologias já é um desafio, imagina para nós, negras. A ausência de referências positivas sobre mulheres negras e indígenas é uma questão social que perpassa não apenas o mundo das tecnologias, mas os mais variados campos profissionais e de poder (BAHIA, 2017).
A mulher negra como protagonista no ciberespaço
O anseio por representatividade e lugar de fala na sociedade não pode ser considerado como um fenômeno novo. A necessidade de representatividade persegue a todos desde muito antes do surgimento das redes sociais. Denunciar e expor a negligência para com as mulheres, sobretudo as mulheres negras, dentro da mídia tradicional nunca foi uma tarefa fácil.
A baixa representatividade dentro da mídia hegemônica sempre foi presente e estruturada de forma muito sistemática, assim como a falta de representatividade relacionada às questões públicas e decisórias do Brasil. Ainda nos dias de hoje, dentro da mídia tradicional, existem retratos de estereótipos acerca do corpo negro, hipersexualização e subalternidade, tornando-se quase uma regra. Mesmo que existam mulheres negras ocupando cargos mais altos e importantes na sociedade, a mídia, até pouco tempo atrás, não as apresentava em suas narrativas.
Para mim, algumas das representações mais marcantes da infância e que ilustram as condições das mulheres naquela época, principalmente a mulher negra na mídia, foram a Globeleza, Valéria Valenssa (1994); a Tia Nastácia, do Sitio do Pica-Pau Amarelo (2001); e o Show da Xuxa (1986). No primeiro caso, existia a caracterização de uma mulher negra de pele clara, hipersexualizada, a tradicional “mulata”, apresentada no início do Carnaval e retirada da tela durante o resto do ano. No segundo cenário, uma mulher negra de pele escura, trabalhadora e sempre disposta a cozinhar para as crianças do Sítio. Por fim, no terceiro caso, a Rainha dos Baixinhos, Xuxa, loira, alta e de olhos azuis, acompanhada de sua “diversidade”, entre muitas aspas, de paquitas, moças inocentes, angelicais e de traços europeus.
A possibilidade de construir narrativas partindo das suas próprias vivências é determinante na construção da representatividade. Em um mundo antigo, as histórias são criadas; no novo, elas são narradas. Os blogs e canais de vídeos no Youtube foram e ainda são as principais fontes de comunicação entre a comunidade negra feminina. Inicialmente, as produções giravam em torno de temáticas como aceitação da pele e do cabelo cacheado e afro, sempre buscavam centralizar as pautas na beleza feminina negra, sendo concebidas e gerenciadas por elas próprias. Hoje, esse universo é muito mais amplo e vai muito além.
A websérie documental “Ela faz..”
Pensando em todo o contexto midiático que está sendo vivenciado ao longo das últimas décadas e relacionando-os com a ascensão das redes sociais digitais e a busca constante por representatividade e representação, decidi criar a websérie “Ela faz…”. A proposta possui esse nome justamente pela forma que se produz informações atualmente, autônoma, personificada e narrada pelas próprias mulheres negras, como também é uma referência ao meme “ela faz o destino dela”, trecho da música de Preta Gil, que se popularizou na rede em 2020, através de um viral inserido no próprio Instagram.
A escolha das entrevistadas partiu dos seguintes critérios: mulheres negras, que possuem perfil no Instagram e que, através do seu conteúdo, retratam ou relatam pautas relacionadas ao ativismo feminino negro com a finalidade de compartilhar vozes de mulheres negras dentro e fora do ciberespaço. Além disso, que possuem algum objeto de estudo relacionado às novas mídias e ao racismo vivenciado dentro da rede.
Então, selecionei os perfis que mais se adequavam ao projeto. Nos primeiros contatos, não obtive sucesso. Os perfis não me responderam ou estavam com muitas demandas e não poderiam participar da entrevista. O projeto precisou ser revisto.
Enxuguei a abordagem, direcionando-a para produtoras de conteúdo e influenciadoras negras, visto que existe um número mais amplo e acessível de perfis. Outro ponto facilitador é que já sou consumidora de alguns IGs de mulheres negras, que relatam as mesmas vivências do meu dia a dia.
O recorte de gênero já me representava, mas foi no recorte racial que me vi ainda mais inspirada a produzir o TCC. Então, passei a focar em mulheres negras que possuíam perfis no Instagram e estudos relacionados às representações da mulher negra dentro do ciberespaço. Assim, desenvolvi a websérie “Ela faz…”, na qual as convidadas completam o sentido da frase de acordo com a proposta do seu conteúdo na rede.
Consegui nesse primeiro momento desenvolver três episódios.
O primeiro, “Ela faz o conteúdo dela”, com Maria Luiza que administra, ao lado de outras mulheres, o perfil @racializada no Instagram, espaço aberto a participações de produtoras negras e indígenas nas realizações gráficas e textuais. No segundo episódio, “Ela faz o algoritmo dela”, entrevistei a professora e pós-doutoranda Denise Carvalho sobre sua pesquisa e suas publicações recentes, que abordam a questão do racismo algorítmico a partir de análise de bancos de imagens digitais. Por fim, encerramos essa primeira temporada com o episódio “Ela faz os perfis dela”, com participação de Stephanie Moreira (no Instagram @acobraveia), que se coloca como “intelectual negra, angoleira e macumbeira, afroempreendedora, uma preta de várias facetas”.
Agora é só conferir os três episódios. Espero que gostem do resultado:
Episódio 1 – https://youtu.be/ZGB6J6EqUO4
Episódio 2 – https://youtu.be/KaibsZdWOkI
Episódio 3 – https://youtu.be/7ebFaefK4ME
Referências:
BAHIA, Silvana. Um levantamento sobre a necessidade e a pertinência de incluir mais mulheres negras na inovação e na tecnologia. Pretalab, 2018. Disponível em: https://www.pretalab.com
*Débora Gizele é formada em Comunicação Social/Audiovisual pela UFRN. Apaixonada por marketing digital, produção de conteúdo e comportamento humano no ciberespaço, universo negro feminino e tudo que remete aos anos 90.
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Leia a coluna anterior: O deserto do viral: 2020 foi subir a Ladeira da Misericórdia
“Epistemologias Subalternas e Comunicação – desCom é um grupo de estudos e projeto de pesquisa do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte”.
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