Mudar costumes pode levar mais de uma geração e deve surgir do meio que produz ciência e faz a interface com a indústria, além de precisar de vontade política
Quem passou dos 40 anos deve lembrar das famosas propagandas com cowboys em pradarias magníficas exibindo a imagem do tabaco como algo positivo e desejável. Proibida a partir de 1996 pela lei 9294/96, com o fim da veiculação de comerciais e a progressiva substituição do conceito por imagens impactantes nas carteiras de cigarro, a prática do tabagismo experimentou uma queda nos últimos anos no país, embora tenha crescido entre as mulheres e jovens, o que demonstra o quão complexo é mudar uma prática (mesmo que migrando do incentivo à propaganda negativa).
Este mesmo caminho deve ser seguido pelas bebidas alcoólicas, que progressivamente devem deixar de ostentar os delírios de uma manhã ensolarada de verão e estampar em seus rótulos suados as fotos de famílias destruídas, da violência doméstica e da cirrose hepática. Gerações ainda mais remotas devem experimentar a propaganda negativa quanto o consumo da carne, dadas as consequências da pecuária extensiva sobre a vida no planeta.
Em todos estes exemplos, do mais concreto ao completamente abstrato, temos em comum a enorme dificuldade em mudar costumes. Isso pode levar mais de uma geração e requer essencialmente vontade política. Vivemos um momento de grandes tragédias ambientais, pandemia e fome. E mesmo assim predominam o negacionismo e a quase nenhuma vontade e mudar este quadro. As consequências deste comportamento são praticamente imediatas – desde as mortes pela covid até a suspeita de correlação entre o surto de lesões na pele e o tratamento precoce sem fundamentação científica.
Enquanto os governos colocarem como prioridade os lucros das grandes corporações em detrimento ao bem estar dos seus mantenedores (o povo) viveremos a era do açoitamento popular consentido e apoiado, alimentado por sopa de ossos, à sombra de uma pandemia que regressa por novas variantes, mas que alimenta um capitalismo vigoroso que retorna a cada novo black friday.
A substituição de uma tecnologia que apenas gera lixo por outra que esteja ao lado do planeta é fundamental. E isto precisa sair do discurso e se tornar real. Mais uma mudança de cultura urgente, que deve surgir do meio que produz ciência e faz a interface com a indústria. A tecnologia de fazer lixo precisa sumir junto com tudo aquilo que destrói as vidas, todas as vidas.
Sobre o tabagismo: http://www.reme.org.br/artigo/detalhes/539
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Leia o texto anterior: O cavalo de troia da covid
Helinando Oliveira é Professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) desde 2004 e coordenador do Laboratório de Espectroscopia de Impedância e Materiais Orgânicos (LEIMO).
Helinando Oliveira
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