Modelando de forma não-matemática Disruptiva

quarta-feira, 29 junho 2022

Pode-se, com abordagens simples entender melhor os modelos de negócios, simplificar tudo, e nos fazer melhor entender

Para quem defende que tudo segue a linguagem da natureza – para mim, a matemática -, um texto com esse título parece indicar uma desistência ou reformulação de princípios. Na verdade, nem uma coisa nem outra. Apenas uma mudança de abordagem!

Em conversas com alunos, conhecidos, familiares e afins, quando o tema “qualidade do ensino-aprendizagem” entra na roda, sempre defendo a bandeira de que não saíremos do canto (qualidade de vida no espectro geral) enquanto não entendermos que o ato de solucionar (qualquer coisa na vida profissional, pelo menos) exige pensamento matemático e, portanto, é por aí que deveríamos seguir. Sempre que ajo assim, ouço – como se fosse uma música de fundo do filme de minha vida – a cantiga: “falou o engenheiro que não entende nada das outras áreas”.

Exageros à parte (não meu, mas de minha audiência, naturalmente), creio que ainda em vida verei isso ser provado de modo inconteste. Mas até que alguma vivalma faça isso, contento-me em ver encontros recentes como os da FecomercioSP (https://umbrasil.com/videos/criatividade-e-imaginacao-sao-as-principais-fontes-de-riqueza-no-mundo-atual/), em que se discutem coisas como a “criatividade e imaginação são as principais fontes de riqueza no mundo atual”, no qual o consultor John Howkins aponta também que “(…) Existe um elemento transcendental na criatividade, não dá para obtê-lo em um produtor repetitivo em massa. É o recurso bruto da economia criativa”, e com artigos como os do MIT Sloan School, 4 coisas que você precisa saber sobre soft skills (https://mitsloan.mit.edu/ideas-made-to-matter/4-things-you-need-to-know-about-soft-skills), que defendem que “Definir um problema é a habilidade mais subestimada em gerenciamento”. E para que isto se dê, são necessários:

  • Uma referência a algo com o qual a organização se preocupa e conecta isso a um objetivo claro e específico.
  • Articulação clara da lacuna entre o estado atual e o objetivo específico.
  • Alvos mensuráveis.
  • Neutralidade em relação às causas e soluções.
  • Um escopo alcançável e apropriado.

Certo, entendi! E onde a matemática entra nessas suas elucubrações, “meu querido”? E é aí onde as cobras dormem e onde exporei minha hipótese: em tornar toda abordagem em torno de um desafio a mais fria possível, tendendo a eliminar todas as subjetividades e vieses, construindo verdadeiros boundary objects, ou objetos de fronteira (https://nossaciencia.com.br/colunas/reprototipando-produtos-em-cinco-tempos/), necessários para que se possa trabalhar em cima de forma sólida. Ter clareza matemática separa os bons resolvedores dos outros.

Traumatizados por pseudo-docentes em matemática

Sobre “clareza matemática” e a cantiga, preciso esclarecer. A matemática necessária aos negócios, a qual sempre me refiro, não inclui unicamente aquela austera, canônica, que exauri os alfanuméricos grego, latim e romano, os quais poucos iniciados têm o direito de manusear. Refiro-me à natural, àquela que nos permite distinguir o que pode ser medido e o que pode ser classificado; “quanti x quali”. Refiro-me à matemática tácita, inerente a todo ser humano desde a tenra infância, que não pode ser totalmente explicitada mas que, infelizmente, é desconsiderada e maltratada pelos pseudo-docentes em matemática que encontramos em nossas vidas, daí os traumas e a geração daquele público que a detesta. Cansei de ver professoras de um dos meus filhos nos sinalizar que “ele bota as respostas certas, mas não acho os cálculos”, e quando pedimos para o boy expor, ele esnoba e diz: “só para cálculos mais difíceis”. Na dúvida, passamos para ele equações simples e ele dá a resposta antes de inserirmos o símbolo de igualdade. É dessa matemática que falo e que nosso sistema educacional insiste em matar. Assim, daqui para frente quando falar que o ato de solucionar coisas exige pensamento matemático, refiro-me a esta abordagem, tolhida pelos pseudo-docentes que a vida nos coloca no caminho.

Substância versus Campos. Quantificável versus Qualificável.

Para que o exercício adiante fique interessante, admitam temporariamente os conceitos sobre este dois recursos, que constituem tudo no universo.

Substância. Qualquer coisa com massa não nula e que ocupa um espaço maior do que zero. Objetos de qualquer nível de complexidade, desde itens simples até sistemas complexos. Copo, carro, motor, pedaços de plástico, TV, gente etc., pertencem a este recurso. 

Campo. Consiste de portadoras de energia, não importando sua origem e massa. Um campo pode ser considerado uma ação ou a intenção de realizá-la, como, por exemplo, uma modificação da substância. Campos de radiação, cheiro, calor e até não tangíveis como inveja, raiva etc.

E dentro destes dois recursos, substância e campo, existem aqueles que podem ser quantificados e aqueles que só podem ser qualificados. O peso de um objeto e seu odor são exemplos respectivos.

A “desmatematização” das coisas

Admitindo que você engoliu os conceitos acima e concorde que tudo é uma mistura de massa e energia, assim como muitos prêmios Nobel. Você tacitamente aceitou que tudo pode ser compartimentalizado, modelável, e.q.u.a.c.i.o.n.á.v.e.l! Logo, podemos falar a mesma língua, a da matemática. Veja como ficará mais fácil criar projetos poderosos utilizando a matemática. (Ops, falha minha: a promessa aqui foi a de não criar coisas com aspectos matemáticos; pelo menos não explicitamente. Esqueça o que eu disse).

Continuando, minha gente que acha que “não gosta de matemática”, vou fazer uso de uma manobra comum de minhas aulas de negócios. Camuflarei a matemática (uma salva de palmas: clap, clap, clap!). Para isso, utilizarei meu velho artifício: o operador MISTO-DE! O homem agora endoidou… Será mesmo? Fiz isto na AC Por um conceito integrador para a Inovação (https://nossaciencia.com.br/colunas/por-um-conceito-integrador-para-a-inovacao/), quando introduzi meu conceito de inovação da seguinte forma:

Inovação = Criatividade ✳ Disponibilização.

Saquei nada, maestro do implicata calculation (acho que é “matemática implícita” em latim?!). Pois bem. Quando trabalhei este conceito lá atrás, em uma turma de graduação pré-covid, falei que inovação era um “misto de” criatividade e entrega. Naqueles dias, não tinha a noção do poder de execução que o operador MISTO-DE tinha de desmatematizar as coisas, embalar em vestes mais simples e diminuir a ojeriza daqueles que insistem em dizer que “não gostam de matemática”, tornando as coisas mais aceitáveis. Então a equação original, sem matemática envolvida, começou na verdade como:

Inovação é um MISTO-DE Criatividade & Disponibilização

Essa sentença expressa, na verdade, o resultado da associação entre um campo (criatividade) e uma substância ou algo tangível entregável (produto ou serviço). Não gostaram. Posso avançar mais. Acompanhem-me na tabela as outras misturas não matemáticas (você pensa que não!) de substância e campo.

Misturas de substâncias e campos e seus respectivos graus de complexidade

Finalizando…

Creio que consegui te enrolar a ponto de você pensar que pode fugir da matematização das coisas. A mensagem que quero deixar é de que a matemática ajuda a pensar em foco, refina a capacidade de pensamento, reduz a incerteza pela redução dos vieses, e que não se precisa forçar erudição pela ocultação da verdade em equações complexas. Pode-se, com abordagens simples como o operador MISTO-DE, entender melhor os modelos de negócios (e outras coisas da vida), simplificar tudo, e nos fazer melhor entender. Esse operador eu criei, mas qualquer pessoa é livre para criar um melhor. Fim de trauma!

A coluna Empreendedorismo Inovador é atualizada às quartas-feiras. Gostou da coluna? Do assunto? Quer sugerir algum tema? Queremos saber sua opinião. Estamos no Facebook (nossaciencia), Twitter (nossaciencia), Instagram (nossaciencia) e temos email (redacao@nossaciencia.com.br). Use a hashtag #EmpreendedorismoInovador.

Leia a edição anterior: O dilema da startup

Gláucio Brandão é Pesquisador em Extensão Inovadora do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Gláucio Brandão

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