Mira é o que os astrônomos chamam de estrela variável. Famosa desde o século XVII, seu brilho aumenta e diminui num período de aproximadamente 330 dias, o que é notável até mesmo a olho nu
Há muitas histórias de monstros marinhos nas culturas do passado, e não é surpresa que algumas das mais importantes constelações do céu se refiram a seres mitológicos, como o Dragão, a Serpente, a Hidra e a Baleia.
Na Antiguidade, a constelação da Baleia era vista como um grande monstro marinho prestes a devorar a jovem Andrômeda, salva a tempo pelo herói Perseu. Baleia faz parte de uma das mais famosas “famílias celestes”, grupos de constelações ligadas por um mito.
Estrela de fases
O objeto mais espetacular da constelação da Baleia é uma estrela chamada Mira, nome que em latim significa maravilhosa – certamente pela profunda impressão que ela causa devido a variação de seu brilho.
Mira é o que os astrônomos chamam de estrela variável. Famosa desde o século XVII, seu brilho aumenta e diminui num período de aproximadamente 330 dias, o que é notável até mesmo a olho nu. Essa estrela é provavelmente o exemplo mais extraordinário de variável, e um dos alvos preferidos dos telescópios de amadores e entusiastas.
Ainda mais impressionante é o fato de que Mira é um sistema estelar. São duas estrelas, Mira A e Mira B, que giram em torno de um centro comum de gravidade, embora o segundo astro não seja fácil de perceber nem com telescópios.
Elas estão afastadas entre si cerca de 9 bilhões de quilômetros, ou uma vez e meia a distância do Sol a Plutão. Porém, dado o tamanho de Mira A, é como se estivessem coladas.
O sistema Mira está a mais de 400 anos-luz do Sol (o ano-luz é uma medida de distância e vale cerca de 9½ trilhões de quilômetros). Sorte nossa: se Mira A estivesse no centro do Sistema Solar em vez do Sol, sua borda se estenderia até depois da órbita de Marte, engolfando a Terra.
Obesidade estelar
Em termos de tamanho, nosso astro-rei ao seu lado quase nem seria notado. Mira A tem um diâmetro da ordem de 556 milhões de quilômetros, enquanto o Sol tem 1,4 milhão. Mas isso não é humilhante para o nosso astro-rei, porque Mira A tem “obesidade mórbida”.
A estrela atingiu uma fase avançada de seu ciclo de vida e se transformou numa gigante vermelha. Seu tamanho aumentou 600 vezes em relação ao do Sol e a estrela está pulsando, como um doente terminal ligado a aparelhos de uma UTI. Aproxima-se o momento em que o combustível nuclear de Mira A vai se esgotar e ela entrará em colapso. Essa estrela está morrendo.
Distúrbios magnéticos intensos acontecem em sua superfície, ocasionando explosões de raios X e fortes ventos estelares (emissões de partículas carregadas eletricamente), fazendo a estrela perder material rapidamente.
Isso de fato foi observado pelo observatório Chandra, da Nasa, um telescópio espacial que faz qualquer astrônomo se sentir como o super-homem, pois é capaz de enxergar em raios X. Através do Chandra, os pesquisadores perceberam que Mira B está capturando parte do gás e da poeira que escapa da gigante moribunda.
Companheira e rival
Contrastando com ela, Mira B é apenas uma minúscula anã branca, um tipo de estrela tão pequena quanto a Terra, pouco luminosa, mas densa o bastante para que apenas um centímetro cúbico dela pese mais de uma tonelada.
Incapaz de deter o destino da gigante, a pequena Mira B aproveita-se de sua companheira, recolhendo parte do material que ela expele em seus momentos de agonia.
As duas estrelas estão ligadas por uma ponte de gás quente. Aqui os papéis se invertem. O “monstro marinho” não é a estrela vermelha, mas a “indefesa” anã, que suga da gigante seus últimos suspiros de brilho. E nenhum herói irá salvá-la.
Gostou da coluna? Do assunto? Quer sugerir algum tema? Queremos saber sua opinião. Estamos no Facebook (nossaciencia), Twitter (nossaciencia), Instagram (nossaciencia) e temos email (redacao@nossaciencia.com.br). Use a hashtag #HojeeDiadeCiencia.
Leia o texto anterior: Leve-me para a Lua, do mesmo autor.
José Roberto de Vasconcelos Costa
Deixe um comentário