Marisa Maiô e algumas reflexões sobre o humor digital Linguaruda

segunda-feira, 16 junho 2025
No humor expresso em Marisa Maiô, velhas técnicas de construção do cômico são exploradas.

Fenômeno viral revela tensões entre criatividade humana e cultura algorítmica

(Cellina Muniz)

Como costuma ocorrer nas malhas das redes sociais, tudo acontece muito rápido: uma simples postagem, de um/a internauta qualquer, e pronto: da noite para o dia, mais um fenômeno viraliza, movimentando curtidas e cifras virtuais e reais. Muitas. O fenômeno da vez, que sugere boas reflexões sobre a esfera digital e o humor, tem nome: Marisa Maiô.

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Em síntese, trata-se de uma apresentadora de um típico programa de auditório cuja maior singularidade vai além do fato de ela vestir unicamente um maiô preto: tudo é feito com o recurso da Inteligência Artificial. Apresentadora, plateia, cenário, convidados e toda a equipe de produção do programa, como o contrarregra e a repórter Juliana (em chamadas diretamente das “ruas”), em essência, nada é real ou melhor, tudo só existe no mundo virtual.

Certamente, esse é um exemplo que oferece inúmeras considerações. Ilustra, primeiramente, a premissa de como a cultura algorítmica vai transformando a sociedade, não só pelos novos modos de produção e difusão da informação como também pelos gestos de tradução e representação de si. O efeito de real construído digitalmente na personificação de Marisa, essa imagem que se apresenta no corpo de uma mulher na faixa dos 45-60 anos, com uns quilinhos a mais, muita verve e carisma, sugere como o “invólucro visual” pode ser “viral”, além de tornar cada vez mais difusas as fronteiras entre verdade e mentira, para o bem e para o mal. O filósofo Byung-Chul Han, no livro “Infocracia: digitalização e a crise da democracia” (tradução de Gabriel S. Philipson pela Editora Vozes, 2022) não tem uma visão muito otimista sobre esse novo regime de informação advindo com a internet, a web e a IA:

Teletelas e monitores são substituídos hoje pelo touchscreen. O novo meio de submissão é o smarthphone. No regime de informação, as pessoas não são mais telespectadoras passivas, que se rendem ao entretenimento. São emissores ativos. Produzem e consomem, de modo permanente, informações. A embriaguez de comunicação que assume, pois, formas viciadas, compulsivas, retém as pessoas em uma nova menoridade. A fórmula da submissão desse regime da informação é: comunicamo-nos até morrer (Han, 2022, p. 33-34).

Por outro lado, há um fator que vai além da tecnologia e dos recursos digitais, algo extremamente antigo, aliás, um elemento demasiadamente humano, misto de talento natural e aprendizagem: a criatividade e sagacidade necessariamente envolvidas na produção do humor. Porque o humor implica, desde tempos remotos, o raciocínio estratégico e o manejo hábil de diferentes elementos linguísticos, semânticos e discursivos, o que coloca em ação a autoria de alguém com uma boa “sacada” para textos criativos e sagazes (no caso, @raonyp, autor também da série também digital “Girls in The House”).

No humor expresso em Marisa Maiô, velhas técnicas de construção do cômico são exploradas, como a paródia ou o desvio de raciocínio e quebra de expectativas, para citar alguns. A presença da “repórter” Juliana, que atende literalmente às chamadas da apresentadora (“de olho no trânsito”), seria outro exemplo a ilustrar também como o programa faz apelo a um tipo de riso que não precisa ser ofensivo ou degradante.

Evidentemente, nem todos podem apreciar Marisa Maiô como meio de entretenimento e diversão. Sobre seu “prazo de validade”, isto é, se vai durar ou não, também não há certeza ou consenso. O fato é que Marisa Maiô é um fenômeno, angariando seguidores e contratos publicitários, mais um caso em que se mistura de forma imprecisa o velho e o novo.

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Cellina Muniz é escritora e professora do Departamento de Letras e do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

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