Marcha científica rumo à Casa Branca Coluna do Jucá

quinta-feira, 1 março 2018
(Foto: Tenola Plaxico)

Em ano eleitoral, o debate acerca das “candidaturas científicas” veio à tona, embora talvez seja cedo para falar que o interesse incomum observado nos EUA repita-se aqui

Talvez muitas pessoas tenham sido pegas de surpresa ao ler notícias publicadas nos últimos dias na página eletrônica da prestigiada revista americana Science, a respeito do interesse de pesquisadores renomados nas mais diversas áreas do conhecimento em concorrer à Câmara dos Deputados dos EUA. Segundo um dos textos, intitulado “Os candidatos da ciência: candidaturas para acompanhar em 2018”, as eleições de 2018 têm despertado um interesse incomum em parte da comunidade científica dos EUA. Um fato curioso é que todos os vinte “candidatos da ciência” conhecidos até agora são ligados ao Partido dos Democratas, que se contrapõe ao Partido Republicano ao qual pertence o Presidente Donald Trump. Por sua vez, a lógica do sistema partidário americano contrasta com a pluralidade partidária adotada no Brasil. Isso se não forem levadas em consideração as práticas partidárias de coalizão, amplamente utilizadas por aqui. Mas aí é outra história.

O bioquímico e candidato ao Congresso Randy Wadkins busca eleitores em Columbus, Mississippi. (Foto: Tenola Plaxico)

Um desses candidatos é o pesquisador bem sucedido – uma espécie de “estrela em ascenção” nos estudos clínicos sobre linfoma – Jason Westin, oncologista. Outro cientista de prestígio é o professor de bioquímica da Universidade do Mississippi Randy Wadkins, o qual descobriu que o DNA de cadeia simples poderia ser um alvo de alta afinidade para drogas antitumorais. Afora esses casos mais emblemáticos, dezenas de candidatos com formação em ciência, tecnologia, engenharia e matemática também estarão buscando o mesmo caminho nas próximas eleições: o Congresso dos EUA. O desgaste decorrente dos embates recentes entre Trump e cientistas certamente deve ter influenciado esse interesse incomum, embora possa haver outras razões para tal. O fato é que alguns dos episódios marcantes ocorridos nos últimos anos na ciência dos EUA, como a 1a Marcha pela Ciência – March for Science, a renúncia ao acordo climático de Paris e as propostas de Trump para reduzir os gastos das pesquisas federais, a título de exemplo, têm reverberado em todo o mundo e acentuado discussões de cunho político na comunidade científica.

A física Elaine DiMasi espera representar Long Island, Nova Iorque (Foto: Karen Curtiss)

No Brasil, tal repercussão não teria como ser diferente, não obstante o turbilhão político, jurídico e midiático iniciados ainda em 2013 já tenham sido mais que suficientes para acentuar essas discussões. Os cortes no orçamento da ciência nacional foram progressivos nos últimos cinco anos, tornaram-se irracionais em 2017 e, ao que tudo indica, permanecerão assim em 2018, o que fez surgir inclusive uma espécie de mantra: Ciência não é despesa, é investimento, o qual reflete bem essa sina. Fora essa questão orçamentária, que desencadeou manifestos de sociedades científicas nacionais e internacionais e a elaboração de uma Carta por um grupo seleto de ganhadores do prêmio Nobel, outros acontecimentos (as prisões e conduções coercitivas de Reitores de Universidades Federais, a intimação policial do professor emérito da Unifesp – Elisaldo Carlini – e a investigação quanto à criação de determinadas disciplinas) têm consternado e acirrado os ânimos dentro da comunidade científica nacional.

A geóloga Jess Phoenix é a candidata da Califórnia que tem angariado votos usando o poder de alcance das redes sociais. (Foto: Jess Phoenix Campaign)

Como consequência de todas as questões supracitadas, o debate quanto à inserção de integrantes da comunidade científica do país no meio político veio à tona, embora talvez seja cedo para falar que o fenômeno das “candidaturas científicas” observado nos EUA vá repetir-se aqui, até porque as realidades sociais, econômicas e políticas de ambos os países são bem diferentes. No próprio Portal Nossa Ciência foram publicados dois textos acerca desse assunto. O primeiro deles em junho de 2017, intitulado E se o nosso Congresso Nacional fosse cientificamente alfabetizado? e na semana passada, outro intitulado Partido dos cientistas?.

O químico Phil Janowicz (centro), que está concorrendo em um distrito perto de Los Angeles, Califórnia, diz que arrecadar dinheiro tem sido uma tarefa importante. (Foto: Matt Gush)

Os interesses em pleitear um cargo eletivo podem ser vários: desde uma mera estratégia de sobrevivência até um sonho pessoal. Eu gosto de acreditar que o principal motivo deve-se a um pensamento crítico e de senso de responsabilidade social construído ao longo de anos de formação científica. E, acreditando nisso, gostaria de encerrar o texto dessa semana trazendo uma reflexão a respeito de um editorial (Treine os estudantes de doutorado para serem pensadores e não apenas especialistas) publicado na revista científica Nature na semana passada. Embora esse artigo fale a respeito dos estudantes de doutorado, certamente a questão suscitada endereça-se a todos os estudantes, independente do nível de formação, daí sua importância. A lição que fica desse editorial é: desenvolver o pensamento crítico e inseri-lo em um contexto de responsabilidade social indubitavelmente deve ser uma busca incessante na formação das pessoas, em especial, dos jovens. Sob essa perspectiva, o texto salienta que quem é educado de forma mais abrangente fará ciência de forma mais reflexiva e essa pode ser uma boa estratégia para construir um mundo melhor e mais racional. Ou seja, mais coletivo!

Referências 

A Coluna do Jucá é atualizada às quintas-feiras. Leia, opine, compartilhe, curta. Use a hashtag #ColunadoJuca. Estamos no Facebook (nossaciencia), no Instagram (nossaciencia), no Twitter (nossaciencia).

Leia o texto anterior: A magia da realidade, do mesmo autor

Thiago Jucá

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Site desenvolvido pela Interativa Digital