Literatura e ciência em uma obra fundamental: “O quinze” de Raquel de Queiroz #HojeÉDiadeCiência

terça-feira, 21 março 2017

Olá pessoal, nesta semana temos um assunto bastante interessante. Sabemos que as ciências estão em tudo, temos exemplos da química aplicada nas artes plásticas, vimos também a física por trás da música. Na matéria de hoje, veremos como a literatura utilizou um conhecimento científico/popular para descrever um momento dramático, a morte do menino Josias, filho de Chico Bento e Cordulina, retirantes protagonistas no romance “O quinze” de Rachel de Queiroz.

A obra

“O quinze” conta a história de uma família de retirantes vítimas de uma das maiores secas já registradas no sertão nordestino, a seca de 1915. Tendo perdido seu emprego como vaqueiro em uma fazenda em Quixadá-CE, Chico Bento decide partir com sua família em direção ao litoral cearense, em busca de uma vida melhor:

Agora, ao Chico bento, como único recurso, só restava arribar. Sem legume, sem serviço, sem meios de nenhuma espécie, não havia de ficar morrendo de fome, enquanto a seca durasse.”

A morte de Josias

No caminho, a família fica sem as poucas provisões que tinham e a fome castiga principalmente as crianças, e foi isso que levou o menino Josias a arrancar as raízes da Manipeba e comê-las cruas:

Ele então foi ficando pra trás, entrou na roça, escavacou com um pauzinho o chão, numa cova, onde um tronco de manipeba apontava ; dificultosamente, ferindo-se, conseguiu topar com uma raiz, cortada ao meio pela enxada. Batendo de encontro a uma pedra, trabalhosamente, arrancou-lhe mais ou menos a casca ; e enterrou os dentes na polpa amarela, fibrosa, que já ia virando pau num dos extremos”.

Cordulina sabiamente tentou salvá-lo com um chá de sene, planta utilizada contra a constipação intestinal, na tentativa de fazer uma “lavagem” no trato digestório do menino, porém já era tarde:

Depois, caindo em si, foi às trouxas, e do fundo de uma lata tirou um punhado ressequido de sene”

A causa da morte

A toxicidade de algumas plantas é conhecida há muito tempo, como é o caso da Manipeba (foto). Por mais que não soubessem exatamente como ou por que a ingestão da mandioca crua matava, o conhecimento popular já nos alertava que isto poderia nos matar, isso pode ter sido descoberto pela observação de animais ou outros seres humanos que inadvertidamente se alimentavam das raízes cruas. Mas qual a ciência por trás disso?

As plantas do gênero Manihot, como a manipeba, contém cianeto sob a forma de carboidratos denominados glicosídeos cianogênicos, a digestão da planta pelo ácido clorídrico presente em nosso estômago quebra a molécula de glicosídeo liberando cianeto em nosso organismo.

A morte por cianeto ocorre, pois este interfere em nossa cadeia respiratória celular, inibindo a enzima citocromo c oxidase, uma das enzimas responsáveis pela síntese do ATP, molécula utilizada pelo nosso organismo para armazenar energia, sem ATP, nada funciona.

Aspectos Interdisciplinares

“O quinze” é um ótimo exemplo de como a interdisciplinaridade agrega e facilita a transmissão do conhecimento. Além do aspecto literário/gramatical, pode-se utilizar a obra como exemplo em aulas de química, biologia, bioquímica, botânica e geografia.

Quando podemos associar um conceito muitas vezes abstrato como a cadeia respiratória celular a um objeto ou narrativa o aprendizado torna-se mais prazeroso e fácil.

Por isso, vejam o mundo com um olhar interdisciplinar!

Caso você conheça outras obras que se utilizam do mesmo recurso em sua narrativa entre em contato conosco!

Leia outras colunas na #HojeÉDiadeCiência

Referências

https://en.m.wikipedia.org/wiki/Cytochrome_c_oxidase

Correia, F. A. Ácido cianídrico em algumas variedades de mandioca. Bragantia, 1947.

Gostou da coluna? Do assunto? Quer sugerir algum tema? Queremos saber sua opinião. Estamos no Facebook (nossaciencia), Twitter (nossaciencia), Instagram (nossaciencia) e temos e-mail (redacao@nossaciencia.com.br). Use a hashtag# HojeéDiadeCiencia

Os comentários estão desativados.

Site desenvolvido pela Interativa Digital