Se aplicadas com parcimônia, essas regras simples e práticas poderão até evitar transtornos nos negócios
É muito comum receber comentários interessantes (concordantes ou discordantes) sobre o conteúdo técnico de minhas ACs (aulas condensadas), o que me faz crescer intelectualmente, claro. Entretanto, alguns beiram o inesperado, como “você deve ter algum dom poético enrustido”. Tentei provar a mim mesmo o contrário disso no arremedo de cordel Empreender e Caatinga, nem forçando isso dá rima e em alguns trechos de ACs, como foi o caso mais recente em Criando coisas com o mais poderoso dos brainstormings. Outras vezes tentei atacar de filósofo, extrapolando a quarta parede em Um pouco de Filosofia para entender o ecossistema de Natalino, ou quando quis acordar o mundo (pelo menos o meu, da perspectiva da bolha em que vivo) sobre os “vieses atrapalhantes” – inerentes às tomadas de decisão enviesadas de muitos gestores -, e escrevi Lockdown: vieses e o RN contra o corona. Muitas faces de um mesmo “eu”. Você certamente não é diferente, pois de médico e louco todo mundo tem um pouco.
Acredito que no amor, na guerra, na cola (pelo menos é o que vejo em sala de aula) e no mundo das startups vale tudo. Assim, vou além do modus técnico-acadêmico para testar outra face, na ânsia de melhor entender e modelar os negócios do mundo hodierno. Atacarei de Metafísica! “GBB-San endoidou de vez!”, gritou algum leitor. Pra mostrar que não é bem assim, apelarei, quero dizer, utilizarei algo que me fora apresentado ainda em graduação, com o intuito de dar um novo entendimento sobre esse mundo empreendedor-inovador-BANI. Apresento (a quem nunca ouviu falar, claro) as Sete Leis Herméticas; e para puxar “o investimento para minha inovação”, acrescentarei “aplicada aos negócios”. Vamos ver se brota algum sentido!
Números, símbolos e a Lei Nº 1: Mentalismo ou Pensamento Simbólico
“O Todo é Mente; o Universo é mental”
Nossa capacidade de gerar realidades de forma concreta e racional, ou poder transformá-las, se dá apenas depois de as criarmos mentalmete. Tudo no universo empreendedor (gostou da expressão?) começa de algum insight e depois passa por observações junto à realidade, para então se buscar por consolidações. O contrário também é permitido: observações podem gerar insights. Se a iteração insight-observação é auto-reforçável, é hora de partir para a prototipação. Trocando em miúdos, “Toda realidade aconteceu antes em seu ‘cabeção’, brother!”. E em ato contínuo, vos pergunto: Qual é a única coisa que une (ou é comum) a realidade à imaginação, o protótipo ao insight? Eu vos respondo: os números, símbolos que podemos transportar em nossas cabeças. Sim, respeitável público: entre o Excel e a nota fiscal, embora os números os unam, existe uma montanha de coisas. Mentalizar algo numa planilha é o primeiro passo para se construir esse algo, pois quem não tem números só tem sonhos. Parece óbvio, mas o trabalho simbólico (numeral) é pouco utilizado. Estudos de designers influentes mostram que desde o insight até a aceitação de um P2S2 de sucesso pelo Mercado, 60% de todo esforço deveria ser aplicado entre a pesquisa e a ideação, para só depois o time estar apto a começar a prototipar, fase que deveria ocupar apenas 5% de todo o processo de criação de um produto (time to market). Pensar bem, leva a planejar corretamente e a executar eficazmente! Duvido que façamos isto. Na verdade, acho que o comum se dá de modo contrário: pensamos insuficientes 5% e executamos (sabe-se lá como?!) 95% do tempo. Portanto, a lição que esse primeiro princípio quer nos deixar é de que tudo o que se deseja criar tem de ser mentalizado antes.
Cliente e a Lei Nº 2: Correspondência
“O que está em cima é como o que está embaixo, e o que está embaixo é como o que está em cima”
Junte isso ao que dizia Sócrates: “Conhece a ti mesmo e conhecerás o universo”, e começa a se desenhar em sua cabeça uma correspondência: “Do que um cliente difere de mim?”. Sacou? Se você, que deveria ser um dos primeiros clientes daquilo que você mesmo criou, não gosta plenamente da performance da solução, porque é que o seu correspondente – o cliente externo, aquele ser que vai manter o seu negócio – deveria gostar e pagar por ela? Lição: teste, à exaustão, com você mesmo aquilo que vai oferecer a outrem. Seja “cobaia” de si mesmo e aprenda a conhecer os outros observando você, pois o que acontece na empresa corresponde ao que acontece no Mercado.
Time to Market e a Lei Nº 3: Vibração
“Nada está parado, tudo se move, tudo vibra”
Qualquer empreendimento tem de ser uma máquina que vibra em ressonância com o segmento de clientes. o Time to Market (TTM) mede o tempo gasto desde a concepção da ideia do P2S2 até sua apresentação ao Mercado. Lançar uma solução no Mercado muito cedo (o nicho não foi sensibilizado e por isto ainda não está preparado) ou muito tarde (criar sem testar a solução iterativamente, no convencional modo cascata, quando concorrentes já disponibilizaram soluções parecidas), é a causa mortis de muito produto que não sairá da prateleira. Testar rápido para ter sucesso cedo é um dos mantras do movimento lean e do design thinking. Portanto, a cocriação pode ser encarada como vibrar em sintonia com o cliente, buscar a inovação por meio do engajamento e participação de pessoas, trazendo benefícios para os envolvidos no processo. Na linha da vibração sintonizada, “a Fiat percebeu que faz todo sentido perguntar aos consumidores como deve ser o carro que eles mesmos vão dirigir. E que faria mais sentido ainda se as sugestões fossem aceitas. Deste conceito nasceu o Fiat Mio, apresentado como o primeiro carro totalmente colaborativo, ou crowdsourced do Mercado”, traz reportagem de 2011 da revista Exame, exemplo de que construir junto ao público-alvo reduz o índice de rejeição a características do produto final, aumentando a aceitação do todo, pois, como diz uma máxima que circula no meio desenvolvedor, “quem tira bug é usuário”. Vibre em sintonia, pois!
Errar, Acertar e a Lei Nº4: Polaridade
“Tudo é duplo, tudo tem dois pólos, tudo tem o seu oposto. O igual e o desigual são a mesma coisa. Os extremos se tocam. Todas as verdades são meias-verdades. Todos os paradoxos podem ser reconciliáveis”
O símbolo da filosofia chinesa Yin-Yang nos diz que em tudo há dualidade. Se você observar direitinho, perceberá que na parte na cor preta há uma bolinha branca; o contrário para a parte branca. Isso tenta nos dizer que não existe lado puro. Mesmo que assumamos posições aparentemente diferentes de colegas, existe um pontinha de negação naquilo que afirmamos e um pouquinho de aceitação no que negamos. É também a base para o princípio de contradição da TRIZ, melhor ferramenta para gerar inovações. Entender isso é começar a ver o mundo de forma mais ampla. É iniciar a quebra da inércia psicológica e compreender aquilo que chamei de O Círculo do Saber Universal, no qual mostro que o ato de criar e o de reter conhecimentos são opostos e que, assim como Yin-Yang, se complementam. Para criar, você terá que se desfazer daquilo que assume como irredutível; para aplicar o que sabe, não se pode ficar criando indefinidamente. Mas claro: quem cria aplica e quem aplica usa a criatividade. Como resultado, o ato de criar é mais tolerante ao erro; o de aplicar aceita apenas os acertos. E aí surge o movimento Lean: “errar rápido nos faz acertar mais cedo”. Contraditório, não? Baseados em meus estudos profundos na cultura chinesa (li um artigo da Wikipédia), iniciei uma tabelinha para mostrar como deveria funcionar um mindset empreendedor-inovador. (Nota anti-polêmica. Dispus os gêneros seguindo a cultura chinesa. Quem desejar pode alternar os lados, o que é indiferente. O importante é carregar ambas concepções).
O Mercado e a Lei Nº 5: Ritmo
“Tudo tem fluxo e refluxo, tudo tem suas marés, tudo sobe e desce, o ritmo é a compensação”
Tudo possui uma oscilação natural. O que acontece de ruim e bom se revezam; períodos de animação são precedidos ou sucedidos por períodos de retração e vice-versa. E no Mercado não é diferente. Recentemente, empresas que estavam em baixa antes da pandemia 2019-2021 viram seus valores quintuplicarem durante esse período e sofrerem derretimento após a normalização do Mercado. Não vou citar as empresas, mas o ocorrido: o efeito pendular! Na pandemia, com lojas fechadas, a única opção era o e-commerce. O mundo se mudou pra lá e, com isso, as tais empresas tiveram crescimento exponencial. Quando a normalidade bateu à porta, o varejo físico voltou ao estado inicial, e aquele crescimento exponencial retrocedeu, fazendo com que algumas empresas não só voltassem a seu valor pré-pandemia, mas sofressem algum nível de retrocesso. Em outra via, a Tesla vendeu 75% de seus milhões em Bitcoin. Ora: converter ativos em criptomoedas pode ser vantajoso para operar em um mundo digital. Entretanto, quando se tem de voltar ao mundo de “dona Maria e seu Zé” – o físico -, por razões como necessidade de monetização ou transformação de “abstratos” em dinheiro vivo para aquisições, é necessário devolver o lastro àquilo que já foi real (uma espécie de “destokenização”). Resultado, quebradeira geral das imagination coins! Lição que fica sobre o Mercado: aquilo que ele dá ele tenta tirar; a mão invisível da autorregulamentação é real! Portanto, administre bem a aplicação de recursos observando o ritmo da economia.
As Tomadas de decisão e a Lei Nº 6: Causa e Efeito
“Toda causa tem seu efeito, todo o efeito tem sua causa; existem muitos planos de causalidade mas nenhum escapa à Lei”
Há uma confusão entre correlação e causalidade. Uma correlação acontece quando existe uma associação entre dois eventos, o que pode se dar por coincidência, dependência circunstancial ou efeito estatístico. Não implica, de fato, que ambos eventos dependam intimamente ou que um seja a causa do outro, demonstrando então causalidade. O aumento da venda de sorvetes e o crescimento do número de afogamentos não são uma causalidade entre si, mas uma correlação cuja causa – para ambos – é o verão. Explico melhor isso em Carro intolerante a baunilha e o conto da correlação, e com maior profundidade em Domando a natureza caótica da Inovação. Portanto, nossas tomadas de decisão poderão até ser caóticas, mas nunca aleatórias!, pois quando o elemento causal é o Mercado, temos que procurar, encontrar e conhecer bem todas as variáveis-efeito, reduzindo a dependência aleatória gerada por coletas mal feitas. Ancorar modelos de negócios em informações apenas correlacionadas, como métricas de vaidade, acreditando que são dados reais ao invés de testá-los, é uma das principais causa mortis de empresas, pois as fazem apostar em soluções ultrapassadas ou que o Mercado não mais precisa. Esta é a lição da sexta Lei.
Físico ou digital. Tangível ou imaterial. Essa é a Lei Nº 7: Gênero
“O Gênero está em tudo: tudo tem seus princípios Masculino e Feminino; o gênero se manifesta em todos os planos de criação”
Segundo esta lei, os princípios da atração e da repulsão não existem sozinhos. Um depende do outro. Não faz sentido denominar o pólo positivo se não há um negativo. Quando se fala em gênero nesta lei, não se refere à correspondência entre os sexos masculino ou feminino. Dá-se no sentido de um gerar, ou se opor, ao outro, princípios criadores que, atualizando, se manifestam em todo o universo empreendedor. Um responde pelo intangível (serviço) e o outro pelo tangível (produto). Ou, revitalizando 5.000 anos depois, do trade off existente entre promover a Transformação Digital ou permanecer desenvolvendo uma Transformação Analógica, respetivamente. Essa é a luta de gênero que as empresas têm de enfrentar hoje.
Finalizando…
Hermes Trismegisto (se é que ele existiu) publicou estas leis entre 5.000 a.C e 2.000 a.C. Portanto, não são novidade. Metafísica à parte, as Sete Leis Herméticas são simples. Adaptei-as ao nosso contexto para mostrar como a agitação do mundo atual não nos deixa parar para observar e refletir como regras tão simples são tão eficazes, capazes até de predizer acontecimentos. Se aplicadas com parcimônia, poderão até evitar transtornos nos negócios. Mesmo sem conhecê-las, será que você as tem aplicado intuitivamente, nem que seja em parte? Segue então a Lei Nº 8: experimente!
Referências:
Sete Leis Herméticas (https://pt.wikipedia.org/wiki/Hermetismo)
Estudos de designers influentes (https://herbig.co/product-discovery-hub/)
Revista Exame (https://exame.com/marketing/fiat-mostra-o-primeiro-carro-colaborativo-do-mundo/)
Tesla vendeu 75% de seus milhões em Bitcoin (https://livecoins.com.br/empresa-de-elon-musk-tesla-vende-75-de-seus-bitcoins-e-causa-queda-novamente/)
A coluna Empreendedorismo Inovador é atualizada às quartas-feiras. Gostou da coluna? Do assunto? Quer sugerir algum tema? Queremos saber sua opinião. Estamos no Facebook (nossaciencia), Twitter (nossaciencia), Instagram (nossaciencia) e temos email (redacao@nossaciencia.com.br). Use a hashtag #EmpreendedorismoInovador.
Leia a edição anterior: Gerando sementes radicais
Gláucio Brandão é Pesquisador em Extensão Inovadora do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Gláucio Brandão
Deixe um comentário