Fazer ciência é ter a mente aberta e a disposição para começar tudo de novo, quantas vezes for necessário
Os estudantes que ingressam na vida acadêmica chegam com visões bem lúdicas do que vem a ser um laboratório de pesquisa. Em especial, alguns estudantes ingressantes acreditam poder resolver problemas universais em tempos muito curtos (e que o laboratório está à sua disposição para isso) – algumas series de TV e ficção científica induzem a este pensamento.
No entanto, ao ingressar no ambiente de pesquisa, os estudantes precisam lidar com muitas frustações, que fazem o papel de teste de resiliência. Em primeiro lugar, vem a observação de que resolver grandes problemas da natureza leva muito tempo mesmo, muitas vezes para além da vida secular. Aliás, o próprio Newton afirmou em 1675: “Se eu vi mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes.” … E assim, os jovens descobrem que para fazem ciência todos precisamos estar preparados para ser anônimos, embora gigantes.
Em particular, o ambiente do laboratório (e isso funciona para qualquer lugar do mundo) é um lugar ultra competitivo em que os espaços são arduamente disputados pelo tempo de trabalho, pelos artigos publicados e naturalmente pela hierarquia. Sim, é fato que há uma rígida hierarquia nos laboratórios: chefe – pós-doutorando – doutorando – mestrando – estudante de iniciação científica. Por vezes, para ocupar um espaço de bancada de experimento se faz necessária uma longa caminhada de anos de trabalho. Dessa forma, para ganhar espaço e respeito em um grupo de pesquisa há a necessidade de demonstração de uma grande capacidade de fazer ciência.
Os aspirantes ao posto de cientistas podem perguntar: Como fazer tudo isso? A receita é curta, mas nada fácil: persistir.
Embora a motivação de fazer ciência seja realizar grandes descobertas (gritar muitos “Eureca!”) e entender aquilo que se deseja (ou solucionar aquilo que te aflige), os resultados obtidos em laboratórios são apenas resultados (eles são completamente desprovidos de emoção). A decepção, excitação, alegria ou frustação são sentimentos humanos que idealmente deveriam ficar do lado de fora da porta do laboratório.
A ciência e os eventos registrados em laboratório não dependem dos sentimentos para existirem. Evidentemente não conseguimos viver sem os sentimentos (e muito menos a motivação para fazer ciência) – mas para conviver com as inúmeras frustações é fundamental preservar uma rotina rígida de laboratório. Independente de humor (bom ou mau), da bolsa (que cai ou não cai) e das manchetes do jornal é preciso repetir à exaustão os experimentos para eliminar todos os possíveis vieses e atingir “a verdade”.
E neste ponto é importante discutir o conceito de verdade. Ela (a verdade) demonstrada a partir de bons experimentos não precisa estar vinculada com os modelos definidos pela humanidade.
E da mesma forma que a maçã não cai para satisfazer nenhuma das leis de Newton, não há porque culpar a natureza por não seguir algum modelo pré-concebido. Assim, o experimentador precisa estar preparado para ver coisas que podem estar certas ou erradas mas ao mesmo tempo estar certas e erradas!
Em resumo, fazer ciência é ter a mente aberta e a disposição para começar tudo de novo, quantas vezes for necessário. E se em momentos desta caminhada há felicidade (de fato ela surge em alguns momentos) é fundamental guardá-la hermeticamente para usar nos momentos das frustações rotineiras. E com isso aprender a avançar, mesmo que isso signifique dar vários passos para trás. A você, jovem leitor que sonha ser cientista, um último recado: fazer ciência é dar um mergulho por toda uma vida em busca de sonhos. É duro, é difícil… Mas ter a oportunidade de decifrar os mistérios da natureza é espetacular. É um objetivo que vale por todas as dores e decepções.
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Helinando Oliveira é Professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) desde 2004 e coordenador do Laboratório de Espectroscopia de Impedância e Materiais Orgânicos (LEIMO).
Helinando Oliveira
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