Jornalismo Decolonial, Interseccionalidade e a Resistência das Mídias Negras Diversidades

terça-feira, 28 janeiro 2025
As práticas jornalísticas decoloniais e interseccionais pavimentam caminhos para um jornalismo mais inclusivo e transformador (Imagem Reprodução Outras Palavras.)

Como práticas jornalísticas decoloniais e interseccionais podem desafiar a lógica colonial e promover justiça social e epistêmica.

Na primeira parte desse texto, foi analisado como o jornalismo hegemônico historicamente serviu como instrumento de dominação colonial, difundindo a visão de mundo ocidental e reforçando o sistema imperialista. A racionalidade técnica na produção jornalística, focada na eficiência econômica, perpetua a lógica colonial ao moldar subjetividades e sustentar hierarquias. Sob o mito da imparcialidade, os meios de comunicação mantêm uma relação emissor-receptor que desumaniza povos não europeus e aprofunda a incomunicação.

Como alternativa, o pensamento decolonial propõe a anticolonização do jornalismo, rompendo com padrões eurocêntricos de objetividade, noticiabilidade e linguagem. Essa abordagem valoriza vozes e saberes não colonizados, desafiando a padronização estética e epistêmica. Autores como Maria Lugones, Aníbal Quijano e Franklin Torrico defendem uma comunicação dialógica e convivial, que reconheça a subalternidade e promova uma pluralidade de epistemologias. A proposta busca desestruturar as lógicas racistas, sexistas e classistas do jornalismo moderno, promovendo práticas libertadoras e a afirmação da alteridade.

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Questionando a hegemonia midiática empresarial

A partir dessas discussões, uma questão que se apresenta é O que pode ser feito, portanto para fissurar essa lógica colonial?

Nesse sentido, surgem iniciativas que questionam a hegemonia midiática empresarial, como os grupos de mídia negra ou de mídia indígena, conforme apontou o pesquisador Luan Matheus Santana em texto nesta coluna.

Nele, Luan Matheus Santana questiona a visão moderna/colonial que associa tecnologia apenas a aparatos técnicos, argumentando que os povos indígenas e outros grupos subalternizados também desenvolvem tecnologias, muitas vezes ignoradas pela sociedade hegemônica. O autor destaca a importância de desconstruir o imaginário social que coloca esses povos como “primitivos” e sem tecnologia.

Em um exercício imaginativo de novas realidades a partir da prática jornalística, inspirada pela leitura de pesquisadoras negras brasileiras como Fernanda Carrera, Denise Carvalho e Carla Akotirene, penso que a interseccionalidade pode ser um conceito-chave para pensarmos caminhos alternativos. O termo, desenvolvido por Kimberlé Crenshaw, reconhece que mulheres negras vivenciam opressões resultantes da interação entre racismo e sexismo, por exemplo, englobando dimensões distintas de identidade.

A respeito desse conceito, é importante pontuar que o pensamento feminista negro brasileiro, com contribuições de Lélia Gonzalez e Sueli Carneiro, foi pioneiro na compreensão da experiência interseccional – mesmo que ainda não utilizasse essa palavra. Lélia Gonzalez, em 1979, já afirmava que ser negra e mulher no Brasil é ser submetida a uma tripla discriminação.

Jornalismo antirracista

O Jornalismo, como produto da modernidade, contribuiu para a propagação de ideologias racistas, sexistas, classistas e heterossexistas. (Imagem: Reprodução Outras Palavras)

No estudo das mídias negras, é possível perceber que operam por lógicas dinâmicas interseccionais baseadas no conceito político de quilombo, sobre o qual se voltam as pesquisas de Beatriz Nascimento. Considero que esses grupos, assim como as iniciativas indígenas apontadas por Luan Matheus Santana no texto anterior, propõem que o jornalismo antirracista fissure a hegemonia midiática e que abra, nesses espaços, discussões que comumente são invisibilizadas e subalternizadas.

Duas iniciativas de mídia negra do nordeste brasileiro representam brechas e insurgências diante do racismo estrutural, invertendo a lógica colonial ao colocar ênfase nas vivências de pessoas negras e nos territórios por elas habitados. A partir do trabalho de grupos como a Revista Afirmativa e o Negrê, é possível analisarmos que o jornalismo, a decolonialidade e a perspectiva antirracista estão interligados em uma busca por justiça social e epistêmica. O reconhecimento das múltiplas opressões, a valorização das vozes historicamente marginalizadas e a desconstrução do imaginário social colonial são pontos basilares nesse processo.

As práticas jornalísticas decoloniais e interseccionais pavimentam caminhos para um jornalismo mais inclusivo e transformador, que contribui para a construção de um mundo que seja mais apartado das ideias imperialistas. A reflexão crítica e a ação engajada, em especial no âmbito da produção jornalística, são necessárias para avançar nesse caminho.

Uma análise do trabalho das mídias negras revela sua contribuição para a complexificação da prática jornalística, pois elas constantemente estimulam uma reflexão crítica sobre as estruturas de poder e as relações de dominação que moldam o campo da comunicação. Nesse sentido, é fundamental que o jornalismo reconheça e valorize as experiências e saberes dos grupos historicamente marginalizados, entendendo o potencial transformador da comunicação e do jornalismo nas práticas de resistência e na sociedade.

Leia a primeira parte desse texto.

Alice Andrade é jornalista, professora do curso de Jornalismo na Universidade Federal de Sergipe (UFS) e doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN)

A coluna Diversidades tem a curadoria do grupo de pesquisa DESCOM – Insurgências Decoloniais, Comunicação, Artes e Humanidades, do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

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