O professor Gláucio Brandão explica como determinar aspectos relevantes para a sobrevivência de um modelo de negócios
Já se perguntaram por que nem toda inteligência embarcada em um produto, processo, serviço, plano de marketing ou sistema pode garantir o nascimento e posteriores sobrevivência e longevidade de um determinado modelo de negócios? Ela garante, com certeza, uma alta densidade de tecnologia. Mas esse fator sozinho é suficiente?
Exemplos não nos faltam. Gostaria de se comunicar por telefone de/para qualquer lugar do mundo? A Motorola também, tanto que consumiu bilhões de dólares com o projeto de telefonia Iridium nos idos de 1990. Um grande tiro no ouvido: cada ligação custava, literalmente, suas duas orelhas e era necessário ter uma boa pontaria para adivinhar onde o satélite estaria passando naquele momento. O mesmo para o receptor de sua ligação, caso portasse também este “trambolho” que vinha acompanhado de uma maleta tipo 007. Ideia excelente, muita tecnologia embarcada, mas não rolou. Talvez para o Bond, James Bond.
Outro fiasco, embora muito interessante, foi um jogo misturado com rede social lançado em 2003, o Second Life, que permitia até comercialização de ativos virtuais através de moeda própria. Os internautas não confiaram no banco central de lá de dentro. Resultado: o jogo perdeu a life. Talvez agora, 16 anos depois, com o fortalecimento das criptomoedas, a coisa vingasse, e teríamos um protótipo de Matrix rodando. Vou parar nestes dois exemplos de sistemas com alta densidade de inteligência embarcada, mas com o timing errado. Alta tecnologia, baixo impacto!
No outro lado do espectro, uma tecnologia desenvolvida pelo professor e médico americano Norbert Hirschhorn, foi capaz de salvar até 50 milhões de pessoas, segundo reportagem no site do G1. Todos já ouvimos falar: o soro caseiro. A fórmula, hoje, mundialmente conhecida, é uma solução simples de açúcar, sal e água, só que em uma proporção “mágica”. Um segundo exemplo pode ser visto em um outdoor no cruzamento das Av. Prudente de Moraes com Amintas Barros (Natal) – até o dia 06 de janeiro de 2019 tava lá -, propaganda que recebeu destaque internacional pela criatividade, digamos assim, de (um) impacto. Observemos ambas: baixa tecnologia, alta criatividade, alto impacto.
O que se quer destacar nesta coluna são as diferenças entre Criatividade e Inteligência do ponto de vista empreendedor. Na dimensão empreendedora portanto, a criatividade ganha o adjetivo de aplicabilidade e a Inteligência responde pelo caráter tecnológico. Assim, não quero me arvorar a adentrar em questões epistemológicas ou muito menos psicométricas sobre os conceitos “brutos” que envolvam a criatividade ou as inúmeras inteligências existentes (tem gente que diz serem mais de 120), pois seria facilmente derrubado em ambas por muita gente boa que estuda esses campos. Vou na linha pragmática apenas. Esclarecida a abordagem, o que devemos observar para que nosso modelo de negócio seja, além de sobrevivente, exitoso?
O Quadrante de Pasteur
Uma vez que defendo a Ciência como mola mestra da liberdade de uma nação, vou me inspirar no Quadrante de Pasteur, desenhado pelo cientista e professor Donald E. Stokes e mostrado em seu livro em 1996. Faço isso para poder ancorar minhas conjecturas empreendedoras científicas. Nada como subir em ombros de gigantes, não é mesmo? Observe que no quadrante Pasteur, as coisas mais “populares” e de baixo valor agregado estão à direita e abaixo (a lâmpada de Edison é uma delas) e aquelas de maior valor agregado estão na parte de cima. Estudos sobre átomos, embora muito nobres, requerem um custo altíssimo. Se misturarmos ambas características, popularidade + nobreza, chegamos a coisas que combinam alcance social e, ao mesmo tempo, sustentabilidade. Pasteur conseguiu este feito, ao criar o processo de pasteurização e iniciar a era da hipocondria, quero dizer, microbiologia, quando os microrganismos passaram a ser considerados malfeitores, além das baratas e ratos. Resultado: as empresas mais rentáveis do mundo estão no seguimento medicamentos e drogas – falo das lícitas.
Tendo referenciado a Ciência, agora posso criar meu próprio quadrante e trazer a mensagem de Stokes do ano de 1996 para o ano de 2019, colocando um sabor empreendedor com calda de inovação. Peço licença ao Prof. Stokes invocando o filósofo Popper: “A Ciência tem de ser verificável e falseável”, diria o homem. Não tenho pretensão de falsear o quadrante original, mas apenas pintá-lo com minha óptica!
O Quadrante do Empreendedorismo Inovador
Imaginemos agora que eu estivesse em sala de aula do Prof. Stokes e ele me desse a batuta e o direito de criar um quadro parecido com o dele, só que em uma versão estudantil na linha Empreendedorismo Inovador. Claro que ele poderia me dar um “zero”, mas isto nunca me incomodou. Tenho alguns no currículo…
Utilizando de minhas habilidades artístico-web e a experiência de 17 anos no desenvolvimento de ambientes para negócios de base tecnológica, faria algo mais ou menos parecido com o mostrado no Quadrante do Empreendedorismo Inovador, QEI.
Admitindo que já temos tecnologia no mundo à disposição o suficiente para criarmos inúmeras soluções no Brasil de hoje, penso que as startpus deveriam trabalhar mais nos aspectos de criatividade e, por enquanto, fazer uma espécie de exploração tecnológica das universidades daqui e de lá. Portanto, deve-se caminhar em trabalhar, nas startups, o mindset criativo, voltado a coisas aplicáveis, obviamente, deixando a parte de desenvolvimento tecnológico, que é caro e egocêntrico, para as universidades e centros de pesquisa.
O QEI é auto-explicativo.
Implementada a solução e estando a startup em céu de brigadeiro, mar de almirante ou selva de general, poder-se-ia, caso fosse de interesse, voltar as mentes para o desenvolvimento de tecnologias de alto valor agregado e orientadas a soluções.
Agora que deixei claro meu ponto de vista, voltemos à bancada de nossas startups e foquemos em maneiras criativas de aplicar a tecnologia que já está em nossas mãos. Pensemos mais no estilo Pasteur, ou mesmo Edison, e deixemos os centros de pesquisas navegarem ao estilo Bohr. Elas podem fazer isso. Portanto, se enquadrem!
Referências:
Quadrante de Pasteur (http://revistapesquisa.fapesp.br/2005/04/01/o-quadrante-de-pasteur/)
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Leia a edição anterior: A ordem imaginada e o branding sensorial
Gláucio Brandão
Inteligência tecnológica versus Criatividade aplicada
OU
” um sabor empreendedor com calda de inovação”