Ou ensinando Física à moda antiga
(Helinando Oliveira)
A manchete que dominou a internet nesta semana refere-se a um comentário de Bill Gates de que médicos e professores serão substituídos por IA em menos de 10 anos. De tão impactante, a manchete nos faz pensar: mas será mesmo? E concluo: se assim fosse há 20 anos (se uma IA tivesse sido minha professora), eu jamais teria me tornado físico.
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No meu ensino médio, tive professores de Física que não despertaram meu interesse pelo assunto. Entendi, à época, que Física era uma decoreba em que se forneciam dados para substituir em fórmulas que devolviam números sem o mínimo sentimento ou mesmo sentido. Mil e quinhentos metros por segundo ou o ano de 1500 não traziam nenhuma emoção nem despertavam qualquer tipo de interesse por Física ou História. Talvez, penso eu, tivesse chegado à mesma conclusão se tivesse sido treinado por um banco de dados com voz. Seriam folhas de papel milimetrado, movimentos uniformes, corpos extensos e pontos materiais. Sem vida, sem pulsar.
E bastou um excelente professor de Física II (já na universidade) para que eu entendesse que tudo estava conectado — dos conceitos de entropia à história dos cientistas do passado. Eles agora desciam do Olimpo e eram gente como a gente. E, com isso, estava aberta a possibilidade de tentar ser como um deles, experimentar… fazer ciência.
Como é importante sair do livro-texto e testar hipóteses — a ponto de me fazer passar, em um mesmo ano, do ódio ao amor pela Física. E assim fui ao laboratório desse professor e só saí de lá depois do doutorado (em Física). Penso outra vez… Se o professor Celso Melo tivesse sido substituído por uma IA, possivelmente eu seria hoje um engenheiro que nunca dera vida às equações de Maxwell. Talvez pior: usasse os resultados da Física por meio de uma tabela e nem perceberia.
Na minha história, foi fundamental ter um ser humano transmitindo suas emoções, seu conhecimento em história da ciência, para que, ao final da disciplina, eu pudesse compreender que a Física poderia mudar a minha vida.
Vivemos tempos muito difíceis para os professores. Um tempo de pós-pandemia em que o interesse pela educação parece ter sido desligado da maioria dos nossos jovens. É muito comum preparar a melhor das aulas e ver os estudantes mergulhados em suas telas de celular, sorrindo, rolando anúncios e trocando mensagens. Isso machuca o ser humano, mas não a IA. Nisso ela está melhor preparada do que nós — sem sentimentos, sem tristeza pelo desinteresse dos estudantes. Ela repetiria trezentas vezes a mesma aula, mesmo que ninguém desse a mínima atenção. E manteria a mesma entonação de sempre.
Afinal, a educação é obra humana. Criamos bancos de dados, mas não transferimos nossos sentimentos a eles. Este é o pulo do gato que a humanidade não passou à IA: é preciso amor para ensinar — e isso é de humano para humano.
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Helinando Oliveira é físico, professor titular da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) e atualmente é vice presidente da Academia Pernambucana de Ciência
A coluna Ciência Nordestina é atualizada às terças-feiras
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