Diante de estratégias aparentemente antagônicas, o professor Gláucio Brandão explica as vantagens de se alternar ciclos de Inovação e Qualidade
A década que se iniciou em 1960, foi testemunha da transição do Fordismo para o Toyotismo, na qual a Gestão da Qualidade Total (Total Quality Management, ou TQM) passou da gestão para efetivamente o chão de fábrica, história que pode ser vista na inovadora prima do Nossa Ciência, a Wikipedia. A Toyota – de onde você achava que veio a epígrafe Toyotismo? – foi a primeira empresa a empregar na íntegra o TQM. Não é atoa que hoje é a marca de maior valor de mercado do ramo, segundo a Forbes. A Toyota prima pela perfeição!
Por outro lado, temos empresas que se destacam simplesmente por inovar e cometer erros ao mesmo tempo e ainda morderem o coração de seus seguidores como se fossem maçãs. É isso que mostram várias reportagens sobre inúmeras falhas cometidas todos os anos pela Apple. E, pasmem, foi a primeira empresa a atingir a marca de US$ 1 trilhão em valor de mercado, seguida pela Amazon, um pouco depois. Estas duas “belezinhas” valem juntas o PIB do Brasil do ano de 2017. A Apple prima pelo erro, quero dizer, por errar muito rápido e acertar primeiro!
Vamos então tentar comparar o que acontece, embora fique óbvio que os erros cometidos pela Apple são, de longe, pouco fatais ante a possibilidade de erros cometidos pela Toyota.
Princípios básicos da Qualidade Total
Dando uma “colada” na mesma página da Wikipedia, temos os seguintes atributos para a TQM:
Massa, né não?
No item 7, a Apple levaria zero. No item 9, menos um. No item 4, numa escala de 0 a 10, a maçã mordida ficaria com 11. A Apple não se importa com a palavra processo do item 5, mas adora o termo resultado. Substitua processo por tentativa-e-erro neste item. Para a Apple, o que é prevenção (item 8)? No item 2, troque qualidade por inovação. A Apple não responde ao cliente: ele cria-os! Altere então essa parte no item 1. Bom, essa é minha anamnese para a maçã. Espero que ela não fique mordida!
Já a Toyota tenta tirar 10 em todos os itens, o que pode se dizer que é uma prática em direção à qualidade estrita, cuja busca engessa a empresa para o tocante à inovação. Entretanto, não contaram com o item 10, o pulo-do-gato, que faz com que a Toyota entre na vibe da inovação. Ela não arrisca, por enquanto, abandonar o Toyotismo, mas, literalmente, está adquirindo a inovação de uma forma bem espartana: comprando-a! Já conversamos sobre isto no Nossa Ciência – Por quem as grandes empresas choram.
Massa, né não?
O Pior de dois mundos
O que aprendemos com tudo isso? Que a inovação é anárquica, inimiga da qualidade, diriam os aficionados pela TQM! O excesso de protocolo põe uma camisa de força na inovação, comprometendo a competitividade da empresa, levando-a a uma morte lenta, diriam os seguidores de Schumpeter, o pai da destruição criadora! E nós, o que deveríamos dizer, ou fazer?
Olhando como um sábio, que aprende com os erros e acertos dos outros de um lugar privilegiado, poderíamos utilizar a estratégia de um alpinista: fixar muito bem alguns ganchos (Critério de qualidade. Não dá para inovar nessa ação.) e depois escolher caminhos para chegar ao topo (Critério de inovação. Você terá de fazer, pois o topo não vai até você!), pois se ficarmos parados, não vamos ver a paisagem lá de cima e nem saber que direção tomar para a descida, uma vez que, como diriam amigos montanhistas: subir e descer são caminhos completamente diferentes, mesmo se você voltar pisando sobre os mesmos passos.
Filosofias à parte, como devemos tratar o dipolo Inovação x Qualidade?
Quase entrega alternada
A resposta não é fácil. Se ambas parecem ser antagônicas, quando eu devo operar a Inovação e quando eu devo operar a Qualidade? Utilizando um dos princípios da TRIZ aplicados a contradições que não podem ser resolvidas simultaneamente (Como criar criatividade) a resposta surge óbvia: O tempo, ou melhor, timing, sendo bem “startupeiro”! Sim, ele, Cronos!
Para que uma empresa cavalgue na competitividade, ela tem de modificar o mindset de seus colaboradores para trabalhar o seguinte paradoxo: a Quase Entrega!
Antes que o leitor pense que eu comecei a atirar pedra na Lua, deixe-me explicar com um exemplo fictício. Imagine uma startup chamada ToyApple, com sede no RN, cujo símbolo seja um caju mordido – qualquer semelhança é mera coincidência!
A ToyApple pratica o processo chamado Quase Entrega Alternada (QEA). O QEA consiste em criar uma inovação, colocá-la em um nicho de Mercado, observar a reação do público, refinar a inovação, mudar seu brand e o nicho, e recolocar a inovação nesse segundo nicho de Mercado. Depois refazer todo este ciclo novamente. Observe que em um dado momento a ToyApple refina (aprimora os requisitos) e em outro ela incrementa o produto (inova). Temos aqui o critério de alternância. Tudo isto feito na primeira vez para um nicho, que não voltará a ver o mesmo produto (quase entregou). Assim, consegue-se alternar os ciclos de Inovação e Qualidade com a vantagem de não queimar o produto em nenhum dos nichos. Quando este produto voltar a ser oferecido ao nicho inicial, terá sido testado, aprimorado e validado. Truque massa, né não?
Se hoje a Apple atingiu a marca de US$ 1 trilhão e a Toyota vale US$ 50 bilhões, eu estimo que a ToyApple com o modelo QEA deve alcançar coisa em torno de US$ 1,05 trilhões. Né não?
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Leia a edição anterior: Em tempos de startup como definimos um produto?
Gláucio Brandão é gerente executivo da inPACTA, incubadora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Gláucio Brandão