Inovação e fome Ciência Nordestina

terça-feira, 5 outubro 2021

A universidade deve ouvir e aprender como se pode ser útil na função de construir soluções

Dentro da universidade brasileira há um conceito que perigosamente vem se consolidando: a visão elitista da inovação que tenta captar os sentimentos mais capitalistas possíveis entre os estudantes: sob a égide de um empreendedorismo que “pode” gerar empregos, o mercado passa a dar as cartas dentro do espaço do livre pensar, alimentado pelos jargões do coachianismo dos unicórnios, dos mentorados com seus líderes e liderados.

Ora, o papel primário de uma instituição pública de ensino superior deve se distinguir de uma fábrica de novos milionários. Ele tem o poder de promover grandes mudanças sociais ao invés de se acomodar como um mero apêndice do mercado. E isso influencia completamente no modo de construir os projetos de ensino, pesquisa e extensão. O “problema” a ser trabalhado precisa interessar bem mais ao financiador da pesquisa do que ao pesquisador. E este financiador da pesquisa é aquele que mantem toda a estrutura funcionando, ao pagar impostos em tudo o que faz: o povo.

O mercado, todavia, sorrateiro e interessado nas ideias e produtos desenvolvidos na Universidade tenta ditar o ritmo e o tema dos trabalhos a serem lá desenvolvidos. Longe de subestimar a importância da interação universidade-empresa, é importante ressaltar que esta precisa ser regida por um par de igualdade de condições: sem dominadores nem dominados, colonizadores nem colonizados.

Todavia, este problema ainda chega a ser secundário. O primeiro e mais importante é: quais os problemas que nos impactam enquanto espécie e parte do planeta?

Entre o lucro de um banco e o aquecimento global… Entre a devastação da mata e a explosão de novas pandemias… Sabemos qual é a escolha da política… Já a universidade não pode seguir pelo caminho trilhado pelas migalhas de dólares. Ela precisa estar situada e sintonizada na angústia do povo que morre de fome e que está à mercê de vírus e superbactérias. Fazer inovação é reverter a destruição promovida pela própria tecnologia, é fazer o verde brotar, captar energia onde se desperdiça, abandonar o petróleo… Criar empatia, sofrer a dor do próximo, conversar, aprender.

A universidade colonizadora ficou no passado, e a hora é de sair dos muros e aprender o que é a vida real. Ouvir e aprender como se pode ser útil na função de construir soluções.

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Leia o texto anterior: A solução para o mundo

Helinando Oliveira é Professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) desde 2004 e coordenador do Laboratório de Espectroscopia de Impedância e Materiais Orgânicos (LEIMO).

Helinando Oliveira

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