Infotoxicação: o poço sem fundo da internet Observatório de Mídia

quinta-feira, 28 outubro 2021

Dificuldades de concentração, perda de atenção e déficit de memória são só algumas consequências do mundo multitarefas e multi-informações no qual vivemos

Por Maria Clara Estrêla

Com a disseminação das redes sociais e a digitalização da informação em dispositivos que cabem na nossa palma, se torna quase impossível ficar alheio ao que acontece à nossa volta. Do entretenimento ao conteúdo noticioso, somos bombardeados o tempo todo e de todos os lados por informações. E produzimos informações também. A linha do tempo do Facebook e Instagram se tornam verdadeiras janelas de exposição da vida online e os microbologs como o Twitter, por exemplo, se convertem em espaços de desabafos e relatos da vida cotidiana em threads intermináveis.

Ser informado e saber o que se passa ao nosso redor é uma qualidade, não um defeito. O problema surge quando se perde o meio termo e o excesso de informação se torna uma constante. É que cada nova notícia ou conteúdo que consumimos é um dado que o nosso cérebro armazena. Uma coisa é colocar nossa massa cinzenta para trabalhar. Outra completamente diferente é forçá-la a guardar mais e mais conteúdo sem lhe dar chance de descanso, sem uma pausa para processar aquilo que a nossa mente absorve.

Dificuldades de concentração, perda de atenção e déficit de memória são só algumas consequências do mundo multitarefas e multi-informações no qual vivemos.

Um levantamento feito pelo Data Never Sleeps, um monitor que mapeia a produção de dados de informação em diversos sites e aplicativos na internet, aponta que em 2020, cerca de 347 mil novos stories foram postados no Instagram a cada minuto. E a cada minuto, 147 mil fotos foram postadas no Facebook e 41 milhões de mensagens foram trocadas via WhatsApp.

Maria Clara Estrêla

E vale lembrar: nós nem precisamos necessariamente acompanhar tudo isso. Os algoritmos e sistemas de recomendação fazem este favor de direcionar nossa atenção para aquilo que vai nos atrair. E isso se torna um verdadeiro “poço sem fundo”. É o modelo como a internet opera nesta era do consumo sob demanda, na era da experiência. Trata-se da Exposição Programada que, a grosso modo, significa uma navegação guiada por sistemas de recomendação com base naquilo que informamos sobre nós mesmos ao curtir, comentar ou compartilhar uma publicação.

Essa exposição programada está condicionada, no entanto, ao acionamento primeiro por parte do usuário dos sistemas. Agentes humanos e não-humanos coexistem e operam em conjunto na organização do conteúdo: os algoritmos recomendam, mas parte do usuário decidir se consome ou não o que lhe é mostrado. Já diziam Aguado e Castellet (2011, p. 26): “A tecnologia móvel multiplica exponencialmente a lógica da web social, incrementando a participação dos usuários/leitores e integrando o produto informativo em um novo circuito de consumo – as redes sociais”.

A lógica do “poço sem fundo” da internet é esta: as pessoas estão consumindo mais e mais… do mesmo. E isso cansa a mente, essa repetição de conteúdo intoxica o cérebro. Daí o uso do termo “Infotoxicação” por parte de alguns especialistas. Do mesmo jeito que cansa, informação em excesso e repetitiva, adoece.

“Sabemos que os algoritmos trabalham para otimizar a experiência do usuário de forma que ele se mantenha dentro de suas preferências pessoais. Só que assim, ele permanece sempre na mesma zona e não é instigado ao diferente, o que pode justificar essa sensação de estar sempre no mesmo lugar, fazendo a mesma coisa também virtualmente”, explica a analista de comunicação Ana Lúcia Ferreira.

A saída para evitar este tipo de situação ou ao menos amenizá-la – já que se afastar por mais tempo das redes não é bem uma opção para a maioria – é respeitar os limites da mente assim como respeitamos os limites físicos do corpo. Ninguém força um braço machucado se ele dói, ninguém se obriga a caminhar longas distâncias se o pé está machucado, por exemplo. O cérebro segue a mesma lógica: quando ele começa a dar sinais de exaustão, o melhor é parar um pouco ou corpo pode começar a sentir também. E como ele sente? Ansiedade, depressão, dificuldades de concentração e esgotamento mental são só alguns dos sinais de que o cérebro está sendo exposto a coisa demais com espaço de menos.

A analista Ana Lúcia Ferreira dá algumas dicas para evitar uma infotoxicação em níveis mais sérios: “Estabelecer horários para acessar as redes é essencial. Priorizar o que é importante também: eu tenho mesmo que ver tudo que acontece o tempo todo? Evitar extremos é crucial: do mesmo jeito que é prejudicial o excesso de informação, a falta dela também o é. Tem que ter um equilíbrio”, explica.

Se concentrar no mundo fora das redes sociais e da internet é necessário: ninguém consegue andar em um carro que freia o tempo todo. A analogia serve para o uso dos dispositivos móveis nos momentos errados: parar o tempo todo para checar o celular é como andar em um veículo estancando: você dispersa a atenção e não sai do lugar naquilo que se propunha a fazer anteriormente.

Por fim, manter o senso crítico é fundamental, diz Ana Lúcia: “Eu tenho que conhecer meus limites e saber até onde consigo ir. Me obrigar a consumir informação o tempo inteiro porque o mundo me impõe isso, porque senão eu fico desinformado e alienado, não é saudável. É, na verdade, um dos principais fatores de adoecimento que temos na pós-modernidade”, pontua.

A coluna Observatório de Mídia é atualizada quinzenalmente às quintas-feiras. Leia, opine, compartilhe e curta. Use a hashtag #observatorionossaciencia. Estamos no Facebook (nossaciencia), Twitter (nossaciencia), Instagram (nossaciencia) e temos email (redacao@nossaciencia.com.br).

Leia o texto anterior: Seminário Internacional “Os dispositivos móveis na produção e circulação de webjornalismo”

JOII – Grupo de pesquisa em Jornalismo, Inovação e Igualdade da Universidade Federal do Piauí.

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