Inércia psicológica (Parte 1/2): Conceitos e desafios Disruptiva

quarta-feira, 13 janeiro 2021
business challenge concept dynamism and inertia

Por ser a criatividade a célula motriz da inovação, é importante entender sua principal limitadora: a inércia psicológica

Segundo Schumpeter, a Destruição Criativa “é um processo de inovação que tem lugar numa economia de mercado em que novos produtos destroem empresas velhas e antigos modelos de negócios. (…) As inovações são a força motriz do crescimento econômico sustentado a longo prazo, apesar de que poderia destruir empresas bem estabelecidas, reduzindo desta forma o monopólio do poder”.

A Inovação, geradora de Mercados, nosso tema central, tem por célula constituinte a criatividade, bastante decantada aqui. Como exemplo, em Forjando o perfil empreendedor, compilo 17 aulas que abordam diretamente o assunto, tornando-a um dos temas mais abordados aqui (14%). Entretanto, há um elemento que está diretamente associado à criatividade, que sempre acompanha meus textos e que ainda não foi muito bem descrito, por isto merece duas aulas exclusivas. Dedicarei então dois textos à limitadora da criatividade: a Inércia Psicológica(IP). Começaremos estabelecendo conceitos temporários sobre  IP, mindset  e pensamento.

Inércia psicológica

Da física sabemos que inércia é a tendência natural de um objeto em resistir a alterações em seu estado original de repouso ou movimento. Quando nos referimos a um indivíduo, implica numa indisposição para mudar devido à programação mental. Assim, a IP representa a inevitabilidade de se comportar de modo diferente daquilo que foi indelevelmente inscrito em algum lugar do cérebro. Porque acontece e a forma de driblá-la é o que pretendemos explorar.

Mindset e pensamento sob a ótica eletrônica

Sendo originalmente da área de eletrônica, gosto de comparar nosso cérebro a um microprocessador. Para operar seus componentes eletrônicos, ou hardware(inflexível), precisamos carregá-lo com microinstruções, ou software(flexível). Toda microinstrução é executada no hardware, que opera no mais baixo nível de processamento de qualquer dispositivo. Portanto, ele é o ente mais rápido do conjunto software-hardware. Quando uma instrução é muitas vezes solicitada ao microprocessador, ela é incorporada em seu hardware para que se torne mais rápida. Exemplo disso é a operação de soma, que é feita no nível do hardware do dispositivo. Essa analogia pode ser remetida ao conjunto condutor(software) / automóvel(hardware). De tanto realizar-se a troca de marchas pelo condutor, ela foi incorporada ao hardware, livrando o condutor(software) de uma função repetitiva, dando-lhe mais liberdade para se concentrar em outras atividades, ao mesmo tempo em que melhora a troca de marchas. Resultado: o conjunto condutor/automóvel trabalha com maior eficácia.

A coisa não parou por aí. Em 1985, a Xilinx Inc. criou a FPGA (Field Programmable Gate Array), um hardware projetado para ser configurado pelo usuário após a fabricação. Surgiu então uma categoria de hardware reconfigurável, cujas funcionalidades eram definidas exclusivamente pelos usuários, não pelos fabricantes. Agora é possível incorporar uma função primordial e repetitiva em um hardware. Se eu já comparava o cérebro ao conjunto microinstrução/microprocessador, tornou-se ainda mais fidedigno compará-lo ao conjunto microinstrução/FPGA. Pois é: “a tecnologia imita a vida”. Nosso mindset é como uma FPGA: menos flexível, mas pode ser entendido como a consolidação de tudo aquilo em que acreditamos, já que foi “montado” por reforço e repetição até cristalizar-se. Já os pensamentos(software), flexíveis, efêmeros, são altamente mutáveis. Entretanto, à medida que um pensamento torna-se repetitivo e importante, é automaticamente incorporado ao mindset (hardware). Quer exemplos: quantas vezes você ficou na dúvida: “fechei ou não aquela porta?” ou “apaguei ou não a luz antes de sair?”. Pois bem: foi seu mindset que resolveu aquilo para você. Podemos dizer que estes pensamentos(ações) foram incorporados fisiologicamente ao cérebro, formando sinapses. Você faz, praticamente, sem pensar, como andar de bicicleta.

O Círculo do Saber Universal

Em Para o que você não foi formado?, apresentei minha concepção de Círculo do Saber Universal (CSU), cujo conceito é bem simples: tudo que eu sei represento por S e tudo o que eu não sei represento por sua negação, ~S. Posso dizer então que tudo que eu sei somado a tudo que eu não sei contemplam todo o conhecimento do universo. Dedução óbvia. Na maioria dos casos, o S é infinitamente menor que o ~S, já que este é infinito. Matematicamente falando: S+(~S)=1. Todo o saber em uma única expressão! Como nossa aptidão para gravuras é maior, representei o S em amarelo e o ~S em azul na figura. O círculo verde, surgido da combinação de ambos, representa a cápsula criada pela IP. Por enquanto, esqueçam a letra C da figura. E o que este simples-complexo modelo têm a nos dizer sobre aprendizado, empreendedorismo e a formação afunilada? Muita coisa!

Círculo do Saber Universal(CSU)

Como opera a IP

À medida em que incorporamos habilidades, que geralmente começam com a absorção de teorias, seguida de análises e depois de sínteses, elas vão aos poucos sendo consolidadas via experiência até tornarem-se, finalmente, competências. Esse esforço – mesmo que não se goste 100% de tudo na trajetória – faz com que cresça o amor pelo alcançado. Com o tempo, a IP opera transformando esse amor em uma cápsula irremediável, cristalizando profundamente seu conhecimento no mindset (círculo amarelo), impedindo você de abrir espaços para a incorporação de novas habilidades, as quais estão no círculo azul. À medida em que aumentam os acertos profissionais, a cápsula (círculo verde na figura) é reforçada, fazendo com que, em última instância, o orgulho pelos êxitos de um dito profissional passe a ser percebido como arrogância. Aí, “cumpadi”, caixão e vela preta, pois a IP impede que se abram furos na cápsula, matando a necessidade em se aprender mais, e o espaço para criatividade começa a diminuir. A inovação a acompanha.

Considere agora o C, de criatividade, na figura da CSU. Quando juntei poesia, entropia e criatividade, tentei mostrar que somos inerentemente criativos e que é a IP que nos estraga ao encapsular nosso saber(S). Do ponto de vista empreendedor, pode-se dizer que a arrogância do saber(S) empurra-nos em direção ao não-Criar(~C), na mesma proporção em que a admissão do não-Saber(~S) empurra-nos em direção ao Criar(C), já que torna-se uma necessidade de sobrevivência profissional. E é aí onde se separam os Padawans dos mestres Jedi: entender e aproveitar o momento ~S é a chave para inovar!

Desafios: Ilustrando nossa Inércia Psicológica

A IP assume diferentes formas; a maioria invisível à observação pessoal. Embora sutis durante a resolução de problemas, as IPs podem ser reconhecidas e exemplificadas por meio de “provocações cerebrais”. Para demonstrar o tamanho de nossa IP, e inspirado em artigo de J. Kowalick, adaptei algumas “pegadinhas”. De posse de um cronômetro, veja o tamanho de suas IPs.

  1. Quando uma restrição parcial torna-se uma restrição geral. Existem dois grupos de pessoas. Cada membro do grupo A pesa exatamente 75 kg. Cada membro do grupo B pesa exatamente 100 kg. Três pessoas selecionadas desses dois grupos pesam juntas 275 kg, mas uma dessas pessoas não pode ser do grupo A! Quantas pessoas são selecionadas de cada grupo?

 

  1. Propriedades presumidas. Como um cano pode passar por um orifício quadrado, uma vez que as áreas de seção transversal (do orifício e externa ao cano) são equivalentes?

 

  1. Faixa de dados inadmissível. Cientistas estavam conduzindo um teste. Amarraram a ponta de uma corda a um tipo de matraca (instrumento musical que quando sacudido produz som) e a outra ponta da corda ao carro mais rápido do mundo. Em que velocidade o carro deverá se mover de modo que o piloto não mais ouça o som da matraca?

 

  1. Associação de objetos a sentidos (Functional Fixedness). Três lâmpadas em uma sala são operadas por três respectivos interruptores fora dela, em um ponto inacessível à vista da sala. A condição inicial é que nenhuma luz esteja acesa. Como saber qual interruptor é para qual luz se, para o local dos interruptores fora da sala, é permitida apenas uma viagem para verificar o estado das luzes? (DICA: use mais de um dos seus sentidos)

 

  1. Todas as informações fornecidas são válidas? Três vermes estão rastejando em uma linha perfeitamente reta, na mesma direção e na mesma velocidade contínua. O primeiro verme diz “Eu sou o verme número um, e há dois vermes rastejando atrás de mim”. O segundo verme diz “Eu sou o verme número dois, e há um verme rastejando à minha frente e um verme rastejando atrás de mim”. O terceiro verme diz “Eu sou o verme número três, e há dois vermes rastejando à minha frente e dois vermes rastejando atrás de mim”. Como isso pode ser?

 

  1. Induzindo a características invertidas. Complete o provérbio: “água … em pedra … tanto bate até que fura”. Onde está o erro?

 

  1. Quebrando em partes. Dezesseis fósforos estão dispostos formando cinco quadrados. Movendo exatamente dois fósforos, reduza o número de quadrados para 4. Todos os fósforos devem ser usados, e cada fósforo deve fazer parte de um dos quadrados (Ian Stewart).

 

  1. Pensando de forma unificada(Gestalt). Tente ligar os 9 pontos com 4 segmentos de reta unidos (consecutivos), passando em cada ponto exatamente uma vez, de modo que nenhum segmento de reta seja traçado duas vezes.

Desafios Nº 7 (16 fósforos) e Nº 8 (9 pontos)

E então: quanto tempo para resolver estas questões? O tempo indicará o quanto seu cérebro esteve operando sob uma das facetas da IP. Se não resolveu pelo menos uma, a coisa tá séria. Procure um(a) inovador(a)!

Finalizando a Parte 1/2…

Na segunda parte desta aula condensada, apontarei caminhos para resolução dos desafios aqui colocados. Apresentarei formas para quebrar a IP, as quais estão intrinsecamente ligadas à resolução de problemas de lógica. Ficará claro que resolver estes tipos de desafios reduzem o encapsulamento auto-induzido e a melhores resoluções nos negócios. Encontro vocês lá!

Referência:

Artigo de J. Kowalick (https://triz-journal.com/psychological-inertia/)

A coluna Empreendedorismo Inovador é atualizada às quartas-feiras. Gostou da coluna? Do assunto? Quer sugerir algum tema? Queremos saber sua opinião. Estamos no Facebook (nossaciencia), Twitter (nossaciencia), Instagram (nossaciencia) e temos email (redacao@nossaciencia.com.br). Use a hashtag #EmpreendedorismoInovador.

Leia a edição anterior: Novos tempos, novas formas de se repensar os negócios

Gláucio Brandão é Pesquisador em Extensão Inovadora do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Gláucio Brandão

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