Por ser a criatividade a célula motriz da inovação, é importante entender sua principal limitadora: a inércia psicológica
Segundo Schumpeter, a Destruição Criativa “é um processo de inovação que tem lugar numa economia de mercado em que novos produtos destroem empresas velhas e antigos modelos de negócios. (…) As inovações são a força motriz do crescimento econômico sustentado a longo prazo, apesar de que poderia destruir empresas bem estabelecidas, reduzindo desta forma o monopólio do poder”.
A Inovação, geradora de Mercados, nosso tema central, tem por célula constituinte a criatividade, bastante decantada aqui. Como exemplo, em Forjando o perfil empreendedor, compilo 17 aulas que abordam diretamente o assunto, tornando-a um dos temas mais abordados aqui (14%). Entretanto, há um elemento que está diretamente associado à criatividade, que sempre acompanha meus textos e que ainda não foi muito bem descrito, por isto merece duas aulas exclusivas. Dedicarei então dois textos à limitadora da criatividade: a Inércia Psicológica(IP). Começaremos estabelecendo conceitos temporários sobre IP, mindset e pensamento.
Inércia psicológica
Da física sabemos que inércia é a tendência natural de um objeto em resistir a alterações em seu estado original de repouso ou movimento. Quando nos referimos a um indivíduo, implica numa indisposição para mudar devido à programação mental. Assim, a IP representa a inevitabilidade de se comportar de modo diferente daquilo que foi indelevelmente inscrito em algum lugar do cérebro. Porque acontece e a forma de driblá-la é o que pretendemos explorar.
Mindset e pensamento sob a ótica eletrônica
Sendo originalmente da área de eletrônica, gosto de comparar nosso cérebro a um microprocessador. Para operar seus componentes eletrônicos, ou hardware(inflexível), precisamos carregá-lo com microinstruções, ou software(flexível). Toda microinstrução é executada no hardware, que opera no mais baixo nível de processamento de qualquer dispositivo. Portanto, ele é o ente mais rápido do conjunto software-hardware. Quando uma instrução é muitas vezes solicitada ao microprocessador, ela é incorporada em seu hardware para que se torne mais rápida. Exemplo disso é a operação de soma, que é feita no nível do hardware do dispositivo. Essa analogia pode ser remetida ao conjunto condutor(software) / automóvel(hardware). De tanto realizar-se a troca de marchas pelo condutor, ela foi incorporada ao hardware, livrando o condutor(software) de uma função repetitiva, dando-lhe mais liberdade para se concentrar em outras atividades, ao mesmo tempo em que melhora a troca de marchas. Resultado: o conjunto condutor/automóvel trabalha com maior eficácia.
A coisa não parou por aí. Em 1985, a Xilinx Inc. criou a FPGA (Field Programmable Gate Array), um hardware projetado para ser configurado pelo usuário após a fabricação. Surgiu então uma categoria de hardware reconfigurável, cujas funcionalidades eram definidas exclusivamente pelos usuários, não pelos fabricantes. Agora é possível incorporar uma função primordial e repetitiva em um hardware. Se eu já comparava o cérebro ao conjunto microinstrução/microprocessador, tornou-se ainda mais fidedigno compará-lo ao conjunto microinstrução/FPGA. Pois é: “a tecnologia imita a vida”. Nosso mindset é como uma FPGA: menos flexível, mas pode ser entendido como a consolidação de tudo aquilo em que acreditamos, já que foi “montado” por reforço e repetição até cristalizar-se. Já os pensamentos(software), flexíveis, efêmeros, são altamente mutáveis. Entretanto, à medida que um pensamento torna-se repetitivo e importante, é automaticamente incorporado ao mindset (hardware). Quer exemplos: quantas vezes você ficou na dúvida: “fechei ou não aquela porta?” ou “apaguei ou não a luz antes de sair?”. Pois bem: foi seu mindset que resolveu aquilo para você. Podemos dizer que estes pensamentos(ações) foram incorporados fisiologicamente ao cérebro, formando sinapses. Você faz, praticamente, sem pensar, como andar de bicicleta.
O Círculo do Saber Universal
Em Para o que você não foi formado?, apresentei minha concepção de Círculo do Saber Universal (CSU), cujo conceito é bem simples: tudo que eu sei represento por S e tudo o que eu não sei represento por sua negação, ~S. Posso dizer então que tudo que eu sei somado a tudo que eu não sei contemplam todo o conhecimento do universo. Dedução óbvia. Na maioria dos casos, o S é infinitamente menor que o ~S, já que este é infinito. Matematicamente falando: S+(~S)=1. Todo o saber em uma única expressão! Como nossa aptidão para gravuras é maior, representei o S em amarelo e o ~S em azul na figura. O círculo verde, surgido da combinação de ambos, representa a cápsula criada pela IP. Por enquanto, esqueçam a letra C da figura. E o que este simples-complexo modelo têm a nos dizer sobre aprendizado, empreendedorismo e a formação afunilada? Muita coisa!
Como opera a IP
À medida em que incorporamos habilidades, que geralmente começam com a absorção de teorias, seguida de análises e depois de sínteses, elas vão aos poucos sendo consolidadas via experiência até tornarem-se, finalmente, competências. Esse esforço – mesmo que não se goste 100% de tudo na trajetória – faz com que cresça o amor pelo alcançado. Com o tempo, a IP opera transformando esse amor em uma cápsula irremediável, cristalizando profundamente seu conhecimento no mindset (círculo amarelo), impedindo você de abrir espaços para a incorporação de novas habilidades, as quais estão no círculo azul. À medida em que aumentam os acertos profissionais, a cápsula (círculo verde na figura) é reforçada, fazendo com que, em última instância, o orgulho pelos êxitos de um dito profissional passe a ser percebido como arrogância. Aí, “cumpadi”, caixão e vela preta, pois a IP impede que se abram furos na cápsula, matando a necessidade em se aprender mais, e o espaço para criatividade começa a diminuir. A inovação a acompanha.
Considere agora o C, de criatividade, na figura da CSU. Quando juntei poesia, entropia e criatividade, tentei mostrar que somos inerentemente criativos e que é a IP que nos estraga ao encapsular nosso saber(S). Do ponto de vista empreendedor, pode-se dizer que a arrogância do saber(S) empurra-nos em direção ao não-Criar(~C), na mesma proporção em que a admissão do não-Saber(~S) empurra-nos em direção ao Criar(C), já que torna-se uma necessidade de sobrevivência profissional. E é aí onde se separam os Padawans dos mestres Jedi: entender e aproveitar o momento ~S é a chave para inovar!
Desafios: Ilustrando nossa Inércia Psicológica
A IP assume diferentes formas; a maioria invisível à observação pessoal. Embora sutis durante a resolução de problemas, as IPs podem ser reconhecidas e exemplificadas por meio de “provocações cerebrais”. Para demonstrar o tamanho de nossa IP, e inspirado em artigo de J. Kowalick, adaptei algumas “pegadinhas”. De posse de um cronômetro, veja o tamanho de suas IPs.
E então: quanto tempo para resolver estas questões? O tempo indicará o quanto seu cérebro esteve operando sob uma das facetas da IP. Se não resolveu pelo menos uma, a coisa tá séria. Procure um(a) inovador(a)!
Finalizando a Parte 1/2…
Na segunda parte desta aula condensada, apontarei caminhos para resolução dos desafios aqui colocados. Apresentarei formas para quebrar a IP, as quais estão intrinsecamente ligadas à resolução de problemas de lógica. Ficará claro que resolver estes tipos de desafios reduzem o encapsulamento auto-induzido e a melhores resoluções nos negócios. Encontro vocês lá!
Referência:
Artigo de J. Kowalick (https://triz-journal.com/psychological-inertia/)
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Leia a edição anterior: Novos tempos, novas formas de se repensar os negócios
Gláucio Brandão é Pesquisador em Extensão Inovadora do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Gláucio Brandão
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