O uso cada vez mais acentuado do termo “imunidade de rebanho” é uma prova clara de nossa impotência diante da covid-19
Uma prova clara de nossa impotência diante da covid-19 vem pelo uso cada vez mais acentuado do termo “imunidade de rebanho”.
Esta terminologia é tradicionalmente usada para indicar quando uma percentagem alta da população está protegida contra certo patógeno. Para o sarampo, por exemplo, a imunidade está garantida a partir de 95% de vacinação da população, garantindo que o vírus deixa de circular a partir desta condição.
Com o uso cada vez mais constante deste termo aplicado à covid-19, passa a surgir uma distorção completa do conceito original. Atingir a imunidade de rebanho nos dias atuais significa fazer com que uma quantidade muito grande da população adquira a doença e permita com que o vírus pare de circular. Por ser tão desconhecido, não há consenso sobre este número, que pode ser 42%, 60% ou mesmo 80% da população. Isso significa que a volta à “normalidade” não vem sustentada por uma imunidade de vacina – mas sim à custa das mortes de dezenas de milhares de pessoas.
Além desta realidade cruel, outro dado vem deixando as autoridades de saúde ainda mais preocupadas. O primeiro ponto se refere à dependência geográfica desta “imunidade”. Ela é uma variável relativamente complexa que pode mudar de região para região, dependendo ainda do grau de interação social, o que torna a imunidade coletiva natural algo ainda mais complexo de se prever.
No que pesa contra ela, está também a dúvida quanto à duração da imunidade dos infectados. A literatura tem levantado várias análises quanto à duração desta imunidade em pacientes curados. Alguns estudos mostram que os anticorpos contra a covid-19 podem ter vida curta no corpo (entre dois e três meses). Após este tempo, os anticorpos não seriam mais detectáveis.
No entanto, mesmo na ausência de anticorpos ainda resta ao corpo a barreira oferecida pelos linfócitos T. Em termos gerais, os anticorpos impedem a entrada do inimigo nas células, e quando os vírus contornam esta barreira, ainda restam os “campos minados” que fazem a batalha após a invasão. Os linfócitos T representam uma resistência intracelular que atua nas células infectadas. A relevância das células T na imunidade de pacientes da covid-19 foi discutida em artigo recente publicado na Nature que identificou a interação destas células T com o novo coronavírus em pacientes que tiveram SARS há 17 anos.
Todas estas questões são fundamentais para decidir quem vence esta luta terrível que a humanidade vem travando contra a covid-19. Se a ciência vencer, poderemos virar esta página e seguir rumo a um novo normal. Caso contrário, teremos de viver à mercê de um monstro desconhecido que leva milhares de vidas todos os dias.
Referência:
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Helinando Oliveira é Professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) desde 2004 e coordenador do Laboratório de Espectroscopia de Impedância e Materiais Orgânicos (LEIMO).
Helinando Oliveira
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