Há espaços para novas competências produtivas no nordeste brasileiro? Destruição Criativa

domingo, 26 abril 2020

Avaliação da estrutura produtiva da região aponta para cenário de oportunidades

Sim! Acreditamos que existe.  O Nordeste tem uma estrutura produtiva consolidada.  A publicação infoNORDESTE, a região em Números, mapeia as três principais atividades da indústria de transformação para cada estado da região em termos de suas participações percentuais de geração de renda (Valor da Transformação Industrial), em 2017, conforme a descrição abaixo:

  • Maranhão:  Metalurgia (35,9%), Fabricação de Celulose, Papel e Produtos de Papel (22,6%) e Extração de Petróleo e Gás Natural (9,1%) – concentram 67,6% da renda gerada na indústria de transformação;
  • Piauí: Fabricação de Celulose, Papel e Produtos de Papel (26,1%), Fabricação de Bebidas (24,1%) e Fabricação de Produtos de Metal (6,8) – concentram 57,0% da renda gerada na indústria de transformação;
  • Ceará: Fabricação de Produtos Alimentícios (21,5%), Preparação de Couros e Fabricação de Artefatos de Couro, Artigos para Viagem e Calçados (20,5%), Confecção de Artigos de Vestuário e Acessórios (10,7%) –  concentram 52,7% da renda gerada na indústria de transformação;
  • Rio Grande do Norte: Fabricação de Coque, de Produtos Derivados do Petróleo e Biocombustíveis (25,6%), Extração de Petróleo e Gás Natural (21,9%) e Fabricação de Produtos Alimentícios (12,1) – concentram 59,6% da renda gerada na indústria de transformação;
  • Paraíba: Preparação de Couros e Fabricação de Artefatos de Couro, Artigos para Viagem e Calçados (27,1%), Fabricação de Produtos Alimentícios (18,0%) e Fabricação de Produtos Minerais Não Metálicos (12,5) – concentram 57,6% da renda gerada na indústria de transformação;
  • Pernambuco: Fabricação de Produtos Alimentícios (26,0%), Fabricação de Coque, de Produtos Derivados do Petróleo e Biocombustíveis (11,8%) e Fabricação de Veículos automotores, Reboques e Carrocerias (10,6%) – concentram 48,4% da renda gerada na indústria de transformação;
  • Alagoas: Fabricação de Produtos Alimentícios (58,1%), Fabricação de Produtos Químicos (18,9%) e Fabricação de Produtos de Borracha e Material (7,5%) – concentram 84,9% da renda gerada na indústria de transformação;
  • Sergipe: Extração de Petróleo e Gás Natural (33,4%), Fabricação de Produtos Alimentícios (26,2%) e Fabricação de Produtos Minerais Não Metálicos (7,3%) – concentram 66,9% da renda gerada na indústria de transformação;
  • Bahia: Fabricação de Coque, de Produtos Derivados do Petróleo e Biocombustíveis (22,9%), Fabricação de Produtos Químicos (15,6%) e Fabricação de Produtos Alimentícios (10,2%) – concentram 48,7% da renda gerada na indústria de transformação.

Os dados acima apresentam a base industrial do Nordeste pautada em setores tradicionais (produtos alimentícios, bebidas, papel e celulose, produtos de couros e calçados) e   novas competências produtivas. Estas foram criadas no tecido industrial da região com novos investimentos na indústria química, refinaria de petróleo e uma empresa automotiva no Estado de Pernambuco. Nas últimas duas décadas, foram instaladas empresas com maior intensidade tecnológica e com departamentos de pesquisa e desenvolvimento P&D produzindo produtos de metal no Piauí, extração de petróleo e gás natural no Maranhão, fabricando produtos de borracha e material em Alagoas e os estados de Pernambuco e Rio Grande do Norte receberam investimentos para fabricação de coque, de produtos derivados do petróleo e biocombustíveis.

Outro aspecto importante que se deve levar em consideração são os interstícios da base produtiva industrial local. Ilustraremos com um caso concreto, o estado do Rio Grande do Norte concentra 60% da indústria em três segmentos, em ordem decrescente: fabricação de coque, de produtos derivados do petróleo e biocombustíveis, extração de petróleo e gás natural e fabricação de produtos alimentícios. Esta situação leva-nos ao seguinte questionamento: Quais as atividades ocupam o restante dos 40% dessa base industrial? Nesse caso é importante também, responder as seguintes questões relacionadas a natureza do sistema econômico local: Quais os tipos de empresas que o compõem? Seus tamanhos?  De que modos foram estabelecidas? Seus métodos de negócios? As relações entre elas? Quais as características do seu ecossistema de inovação?

Não devemos olhar unicamente para os setores consolidados da estrutura produtiva local. Outras vocações e competências podem serem criadas. Por exemplo, atrair empresas com maior intensidade tecnológica que tenham como fator principal de localização de investimentos as sinergias entre o mercado e o sistema de inovação. Para tanto, se faz necessário que exista uma interação sistemática entre esses atores. Uma mão dupla: o sistema de inovação contribuindo com boas ideias e projetos inovadores para o mercado e, por outro lado, o mercado demandando as boas ideias e iniciativas do sistema de inovação. Isto requer a definição de uma agenda de pesquisa para o Nordeste, referenciada no Plano de CT&I para o Desenvolvimento Sustentável do Nordeste Brasileiro, 2014. O plano sugere conhecimento científico e tecnológico atualizado, centros e redes de pesquisa, agências estaduais e regional de inovação e ampliação de profissionais qualificados em diversas áreas, inclusive para a gestão de CT&I.

É claro que temos que considerar as especificidades do Nordeste, a exemplo do incentivo ao desenvolvimento sustentável do bioma do semiárido. A difusão de novos conhecimentos e experiências virtuosas são essenciais para os proveitos econômico e social que o bioma pode gerar. Para fortalecer as vocações locais é imprescindível muito aprendizado em áreas tecnológicas estabelecidas como prioritárias no âmbito do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC – Portaria Nº 1.122, de 19 de Março de 2020),  voltadas para a qualidade de vida (saúde, saneamento básico, segurança hídrica, e tecnologias assistivas); o desenvolvimento sustentável (energias renováveis, bioeconomia, e preservação ambiental);  a produção (indústria, agronegócios, infraestrutura, e serviços) e as habilitadoras (biotecnologia, nanotecnologia, e internet).

De acordo com Lynaldo Cavalcanti (2005), ex-reitor da UFPB, a transposição do conhecimento científico e tecnológico para o Polígono das Secas é de extrema importância para geração de emprego e renda, até mesmo, do que a transposição do Rio São Francisco (não negando a importância deste último). Ele identifica o problema central desse bioma como sendo a desigual distribuição de fontes de conhecimento no Brasil.

Conhecimentos científico e tecnológico que gerem pesquisa e desenvolvimento e soluções inovadoras para os problemas cruciais da caatinga e do semiárido se faz necessário. Um grande volume de ciência e tecnologias para se buscar: muita biologia molecular e uma variedade de bioprocessos a ser conhecidos.

Outras competências poderão ser exploradas e criadas: nas estruturas consolidadas do setor de Comércio e serviços, dos principais produtos agrícolas, da fruticultura, da produção de frutas, da silvicultura e dos rebanhos. Cada uma dessas atividades têm uma lógica de inovação e aprendizado que requerem entornos institucionais diferentes, que vão do mais simples ao mais complexo, no suporte e apoio aos processos de inovação. Os dados descritos abaixo nos fornecem uma visão dessa base econômica relacionada as atividades terciária e primária da economia do Nordeste, recolhidos do infoNordeste – a região em números:

  • Estrutura do setor de Comércio e Serviços em 2018 – percentual do valor agregado bruto: administração pública (33,4%), comércio (18,6%), atividades imobiliárias (13,6), profissionais liberais (8,1%), educação e saúde (8,1%), atividades financeiras (5,1%), transporte e armazenagem (4,8%) e alojamento e alimentação (4,4%).
  • Principais produtos agrícolas do Nordeste, em valor de produção – ranking nacional e principais estados produtores, em 2018:
  1. Soja (3º produtor do Brasil): Bahia (54,7%), Maranhão (23,9%) e Piauí (21,4%);
  2. Cana-de-Açucar (3º produtor do Brasil): Alagoas (33,3%), Pernambuco (25,9%) e Paraíba (11,7%);
  3. Algodão (2º produtor do Brasil): Bahia (91,3%) e Maranhão (6,7%);
  4. Milho (4º produtor do Brasil): Bahia (38,8%), Piauí (26,0%) e Maranhão (22,6%).
  • Destaques na fruticultura, em valor de produção, 2018 – participação relativa da produção nacional/principal produtor no Nordeste: banana (32,5%)/Maranhão (37,0%), café (7%)/Bahia (99,3%), manga (76,3%)/Pernambuco (49,4%) e cacau (47,6%)/Bahia (100%).
  • Produção de frutas em destaque, quantidade produzida (tonelada), 2018 – Ranking nacional:
  1. coco da baía, goiaba, guaraná, mamão, manga, maracujá, melancia e melão;
  2. banana; e
  3. laranja.
  • Silvicultura: 23,7 milhões de metros cúbicos madeira em tora para papel e celulose equivalente 1,1 bilhão de reais em 2018
  • Maiores rebanhos do Nordeste – participação no Brasil, 2018: galináceos (11,7%), bovinos (13,0%), ovinos (66,7%) e caprinos (93,9%).

Um exemplo a seguir é o que se verifica em outros estados que concentram empresas nacional e internacional: com investimentos em atividades de P&D, cooperação em redes de negócios e de conhecimento e em seu entorno um ecossistema de inovação robusto.

Referências Consultadas:

infoNordeste – A região em Números, A Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI): 2020.

Lynaldo Cavalcanti. Transposição do Conhecimento: a Verdadeira Geração de Riquezas para o semiárido: 2005.

MCTIC – Portaria Nº 1.122, de 19 de Março de 2020: Estabelece como prioritários os projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovações voltados para as áreas de Tecnologias (Estratégicas, Habilitadoras, de Produção, para o Desenvolvimento Sustentável e para a Qualidade de Vida).

MCTIC/CGEE – Plano de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável do Nordeste Brasileiro: 2014.

A coluna Destruição Criativa é atualizada quinzenalmente às quintas-feiras. Gostou da coluna? Do assunto? Quer sugerir algum tema? Queremos saber sua opinião. Estamos no Facebook (nossaciencia), Twitter (nossaciencia), Instagram (nossaciencia) e temos email (redacao@nossaciencia.com.br). Use a hashtag #DestruiçãoCriativaNossaCiência.

Leia outro texto dos mesmos autores: O lugar da extensão e o novo marco da CTI

Vaneide Ferreira Lopes é pesquisadora e Líder do Grupo Inovação, Tecnologia e Projetos na Paraiba (GiTecPB) e Carlos Alberto da Silva é professor titular da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e Líder do Laboratório de Pesquisas em Economia Aplicada e Engenharia de Produção (Lapea).

Vaneide Ferreira Lopes e Carlos Alberto da Silva

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