Nesta edição da coluna, Thiago Jucá fala do alto padrão de vida dos islandeses, dos investimentos em energia renovável e da classificação para a Copa na Rússia em 2018
Agora em outubro, a Islândia surpreendeu o mundo do futebol ao se classificar, pela primeira vez, para disputar a Copa do Mundo de 2018 na Rússia. Um fato curioso é que o país possui pouco mais de 350 mil habitantes, o que lhe confere o posto de nação menos populosa do mundo a disputar o torneio. Outro detalhe que chama atenção no feito dos islandeses é que foram necessárias 16 tentativas para que o país alcançasse a tão desejada classificação, sendo que a primeira delas data de 1958. O craque do time, Gylfi Sigurdsson, joga atualmente em um time mediano da liga inglesa, o Everton FC.
Apesar de os holofotes da imprensa esportiva estarem voltados para o pequeno país nórdico, perante os olhos do restante do mundo a Islândia há muito tempo desperta atenção. Esse país pode se orgulhar, entre outras coisas, de ser considerado – pelo nono ano consecutivo – o país mais igualitário do mundo na questão de gênero, segundo o Índice Global de Cotas de Gênero do Fórum Econômico Mundial. Isso sem falar nos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) das Nações Unidas, que consideram fatores como renda, expectativa de vida, educação e saúde. Esse índice revela que a Islândia está entre os melhores lugares do planeta para se viver!
Sem sombra de dúvidas, o alto padrão de vida dos islandeses está atrelado ao desenvolvimento e uso da energia de maneira sustentável. O país é literalmente uma nação baseada em energia renovável! A energia geotérmica é utilizada para a geração de eletricidade e aquecimento, principalmente na Capital Reykjavík. Nenhuma outra cidade no mundo aperfeiçoou tanto o sistema de aquecimento urbano e elétrico usando recursos de energia renovável como a capital islandesa. A prova disso é que o país aquece suas piscinas com água geotérmica, o que permite aos islandeses desfrutarem de natação ao ar livre o ano inteiro. A capacidade de geração de energia geotérmica no país o torna um dos líderes mundiais em experiência, conhecimento e desenvolvimento de energia sustentável. E vale ressaltar que tudo isso se baseia na utilização de uma pequena fração do seu potencial econômico e ambiental para a produção elétrica. E sabe qual é a cereja do bolo? No currículo escolar dos islandeses estão inseridas inúmeras visitas aos locais de produção de energia, o que possibilita aos jovens, desde cedo, uma oportunidade de conhecer a cadeia energética do país. Essa prática além de despertar uma conscientização quanto à importância do uso sustentável dos recursos naturais permite ainda, a disseminação da riqueza de conhecimentos gerados no país.
Mais um fato curioso acerca da Islândia diz respeito à intensa atividade vulcânica registrada no país, que é menor apenas que a do Havaí. Segundo alguns especialistas, as geleiras que recobrem o país estão sobre uma “imensa chaminé”, a qual é responsável pela natureza basáltica das rochas que formam a ilha. Considerando essa natureza rochosa, os islandeses iniciaram em 2007 um projeto piloto de pesquisa – conhecido como “CarbFix” – com o intuito de capturar e armazenar dióxido de carbono em rochas basálticas, cujas propriedades se adequam bem a esse intuito. Esse projeto é conduzido pela empresa islandesa de energia (Reykjavík Energy), em colaboração com as Universidades da Islândia e da Columbia nos EUA, além de instituições de outros países. Os resultados desse projeto bem-sucedido foram publicados em 2016 na prestigiada revista científica americana Science, com o título “Mineralização rápida de carbono para eliminação permanente de emissões antropogênicas de dióxido de carbono”.
Nesse estudo, os autores concluíram que a mineralização quase completa de CO2 in situ (em rochas basálticas) pode ocorrer em menos de 2 anos. Uma vez armazenado dentro de minerais de carbonato, o risco de vazamento é eliminado e qualquer programa de monitoramento do local de armazenamento pode ser significativamente reduzido, aumentando a segurança e a aceitação pública dessa atividade.
Vale lembrar que ficou estabelecido na 21ª Conferência das Partes (COP21) – órgão supremo da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC)-, realizada em 2015 em Paris, e do qual os EUA se retiraram esse ano que, entre as ações prioritárias está o desenvolvimento de tecnologias de captura e armazenamento de carbono. Daí a importância desse estudo, uma vez que a captura e o armazenamento de carbono fornecem uma solução para a descarbonização da economia global e, o sucesso desta solução depende da capacidade de armazenar de forma segura e permanente o CO2. Bingo para o projeto piloto “CarbFix” dos islandeses!
Mas e o Brasil? Bom, a seleção canarinho – cinco vezes campeã do mundo – se classificou com sobras para o mundial de 2018, em parte, devido ao seu grande treinador, Tite. Temos também vários jogadores da seleção entre os melhores do mundo e, um deles, Neymar – que foi vendido pelo Barcelona ao Paris St-Germain por R$ 820 milhões, na transação mais cara da história do futebol – é cotado para ser o melhor jogador do Planeta nos próximos anos. E no quesito Ciência Nacional? Somos referência mundial em pesquisa agropecuária (EMBRAPA); desenvolvemos e detemos (por enquanto!) tecnologia para extração de petróleo em águas ultraprofundas (pré-sal); somos referência mundial em saúde pública, em especial, em doenças tropicais (FIOCRUZ); temos vários cientistas brasileiros de prestígio internacional como Oswaldo Cruz, Adolpho Lutz, Carlos Chagas, Sergio Henrique Ferreira, Nise da Silveira, Yvonne Mascarenhas e Celina Turchi (só para citar alguns!). Ou seja, no quesito futebol e ciência nacional não devemos nada a ninguém! A nossa matéria prima é das melhores! Mas, diferentemente da Islândia, que tem muito a comemorar pela classificação, nós não temos!
O povo da Islândia tem qualidade de vida e os índices de violência são baixíssimos. O país que é geologicamente privilegiado tem feito bom uso disso. Nós também somos! Somos “ricos” em fontes renováveis de energia e em biodiversidade, mas não fazemos o mesmo, basta olhar o desmatamento da Amazônia, a destruição do Cerrado, a desertificação da Caatinga e a subutilização do nosso potencial eólico e solar. O nosso Neymar, segundo levantamento do Observatório do Clima, “cobriria o rombo do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e evitaria corte de bolsas e suspensão de editais no ano que vem. OK, a alegria que Neymar nos dá não tem preço, mas será que ele vale sozinho 30% de toda a ciência brasileira?” E os cortes da ciência, o famoso “tesourômetro”? E as reformas e medidas adotadas pelo atual governo? E a Saúde Pública no Brasil? E a violência? EUA e China, duas potências econômicas e científicas, também não vão ao mundial, mas diferente de nós, a copa para eles, certamente, não será apenas uma válvula de escape. Já para os Islandeses, acho que é um carnaval que já começou e que só termina quando o mundial acabar!
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Thiago Jucá