Como startups que trabalham para inovar e otimizar serviços do sistema financeiro estão promovendo a desvinculação do varejo do país do Custo BR, usurpador de eficiência e empregos
Você, com toda certeza, já ouviu falar em custo Brasil. Mais do que isto, claro, já deve ter percebido que a burocracia, originalmente criada para regular processos administrativos, tornou-se tão inchada, e por isto morosa, a ponto de ser uma das maiores aliadas da corrupção passiva (quando se utilizam propositalmente regras capengas para tornar os processos ainda mais complexos, de modo que tudo atrase ainda mais e o sistema falhe), ou ativa, quando depende diretamente do caráter dos envolvidos. Não falo só do Brasil, mas do mundo. Longe de querer modelar algo nessa linha – uma vez que os melhores economistas, contadores e advogados do mundo juntos não conseguiriam, sequer, botar num papel -, sendo um simpatizante do positivismo, opto sempre por utilizar fatos e Ciência para modelar, curiosamente, o óbvio, com a intenção de mostrar que melhores caminhos já estão sendo invisivelmente traçados, bem na linha Adam Smith de ser.
Um destes percursos, viabilizado pela tecnologia, fez surgir as Fintechs (junção de financial e technology, startups que trabalham para inovar e otimizar serviços do sistema financeiro por meio de novas formas de se lidar com produtos e serviços financeiros utilizando intensivamente a tecnologia), que estão promovendo a desvinculação do varejo de um leviatã virtual e pesado: o país Custo BR, usurpador de eficiência e empregos.
Na conversa de hoje, materializo em desenhos meu sentimento do percurso que o varejo está tomando, pois, se uma palavra vale mais do que mil ideias, uma imagem vale mais do que mil palavras. Nessa regra, as gravuras aqui valerão, ao menos, um milhão de insights. Vejam se fazem sentido.
O “peso” do monstruoso Custo BR, nossa Dinamarca
Peguemos um trechinho da Wikipedia:
“O custo Brasil é um termo genérico, usado para descrever o conjunto de dificuldades estruturais, burocráticas e econômicas que encarecem o investimento no Brasil, dificultando o desenvolvimento nacional, aumentando o desemprego, o trabalho informal, a sonegação de impostos e a evasão de divisas. Por isso, é apontado como um conjunto de fatores que comprometem a competitividade e a eficiência da indústria nacional. A Abimaq divulgou em março de 2010 um estudo inédito que mensurou o custo Brasil para produtos agrícolas. Oito itens foram considerados, e, ficou constatado que o Custo Brasil encarece em média 36,27% o preço do produto brasileiro em relação aos seus similares fabricados na Alemanha e nos Estados Unidos. Apenas a falta de infraestrutura logística para o transporte de grãos ocasiona uma perda estimada em 4 bilhões de dólares por safra. (…) O Banco Mundial posicionou o Brasil na centésima vigésima terceira posição em seu ranking que classifica os países por “facilidade em se fazer negócios”, o Doing Business Ranking. Cento e noventa países estão inclusos neste ranking. (…) Se incluirmos os custos financeiros, de energia, matérias-primas e transportes, o ônus sobre os produtos manufaturados, na comparação com esses parceiros, é de 25%, segundo competente estudo da Fiesp”.
Para exemplificar, considere a soma: taxas.GOV (tributações governamentais) + taxas de operação do sistema financeiro + burocracia (sem falar em corrupção, já que é impossível de se modelar) + tempo + logística de transportes (que resvala na perda de produtos perecíveis e danos aos transportes), e sem levar em conta o efeito acumulativo nos serviços, teríamos algo em torno de 25% de corrosão de nosso PIB. Segundo cálculos do FMI para 2020, tínhamos um PIB Brasil de US$ 1.38 trilhões. 25% disso dá algo perto de US$ 0.35 trilhões, ou o PIB da Dinamarca. Estamos falando do 12º e 37º PIBs mundiais, respectivamente. Se “zerássemos” o envio de divisas para o país Custo BR, saltaríamos para a 9ª posição, entre o Canadá e a Itália. E se pudéssemos nos livrar dessa emissão de recursos, como as coisas andariam por aqui?
DeFi, o coração das Fintechs
As Decentralized finance, ou finanças descentralizadas, comumente referidas como DeFi, são uma forma de financiamento baseada em blockchain (um “protocolo da confiança”, tecnologia de registro distribuído que visa a descentralização como medida de segurança), que não depende de intermediários financeiros centrais, como corretoras, exchanges ou bancos para oferecer instrumentos financeiros tradicionais. Ao invés disso, utiliza contratos inteligentes em blockchains, sendo o mais comum o Ethereum. As plataformas DeFi permitem que as pessoas emprestem ou tomem emprestado fundos de outros, especulem sobre movimentos de preços em uma série de ativos usando derivativos, negociem criptomoedas, sejam asseguradas contra riscos e ganhem juros em contas semelhantes a poupanças. O DeFi usa uma arquitetura em camadas e blocos de construção altamente compostáveis. Algumas aplicações DeFi promovem altas taxas de juros mas estão sujeitas a alto risco. Em outubro de 2020, mais de US$ 11 bilhões (no valor em criptomoedas) foram depositados em vários protocolos financeiros descentralizados, o que representou um crescimento de mais de dez vezes ao longo de 2020. A partir de janeiro de 2021, aproximadamente US$ 20,5 bilhões foram investidos em DeFi.
Como operamos até agora: o Varejo “pré” www!
Embora fictício, pois não sou economista, bolei um objeto de fronteira ou boundary object, como dizem os designers, necessário para que possamos trabalhar em cima. Quando desenhamos, materializamos algo ao mesmo tempo em que diminuímos a carga do cérebro, liberando espaço para mais insights, além de servir de base para protótipos.
No desenho “varejo pré-www”, mostro em camadas a sequência de operações às quais estão submetidos os nichos de produção. Coloquei nichos porque alguns já despertaram para o conceito de DeFi. Entretanto, algumas coisas na figura não são auto-explicativas, e por isso carecem de um esclarecimento mínimo como, por exemplo, os nós financeiros!
Chamei de nó financeiro cada transação que envolve troca de informação e dinheiro entre quaisquer entes da cadeia, já que o dado é o novo petróleo e o algoritmo o novo motor. No modelo pré-www, ainda em franca atuação, cada operação realizada em um nó intra (entre ente e sistema financeiro), tem boa parte de seus frutos revertidos para os sócios Sistema Financeiro e .GOV, majoritários da cadeia produtiva que, controversamente, não produzem muita coisa neste processo. Só dissipam. Uma forma de reduzir a dissipação promovida pelo sistema se dá por nós externos ao sistema financeiro, que acontecem diretamente entre os entes da pilha, que chamei de extra. O problema destes nós é a segurança baseada, como diria meu pai, “no fio do bigode”, hoje em baixa.
Varejo “pré” www: sistema financeiro concentrador e dissipativo
Muito disso se dá pela falta de interoperabilidade entre os atores envolvidos, responsável por promover a desintegração, o que favorece a dissipação de recursos. Assim, se tudo der certo numa compra simples que começa na origem (produtor) e termina no destino (cliente), os majoritários ganham em todas as fases (caminho Deu “bom”). O contrário também: se qualquer uma das transações der errado e negócios forem desfeitos (ou coisas devolvidas) – o caminho Deu “ruim” -, os majoritários também lucram. Ou seja: o sistema atual ganha quando se empreende ou quando se “desempreende”, se é que me entendem. Estes dois trajetos alimentam o PIB do país Custo BR.
Fintech, a desvinculação do outro país que sustentamos!
Vejamos agora a versão varejo “on” www, a qual também desenhei. Comecemos por um exemplo simples: você produz redes. Para isso precisa comprar tecidos de cores diversas, fios de algodão etc. Então, faz a encomenda a fornecedores de tecidos e fios. Estes fazem encomendas ao cabra que tinge e à moça que trança os fios. Estes, por suas vezes, entram em contato com os fornecedores de algodão e tinta, que por suas vezes buscam a galera que planta algodão e que trabalha na indústria química. Admitindo uma cadeia formal, todos pagam impostos. Alguns antecipadamente, tenham vendido ou não seus produtos. Um dia, entretanto, você, que produz rede, decide por aprender a tingir o tecido ou trançar fios. Estando todos atores conectados de alguma forma (rede social, Internet etc.), percebe que pode “bypassar” alguns elos desta cadeia, e faz a encomenda direta a elos mais abaixo, o que elimina algumas dissipações tributárias e multi-tributações. Não só isso: combina de remunerar o ator desse elo apenas quando efetivamente vender o produto, pagamento que ficará no prelo, ou registrado numa espécie de promissória digital certificada e garantida por e para todos, até que a transação seja concretizada, evitando várias operações financeiras desnecessárias, já que o sistema é fechado. Essas promessas de pagamento podem, inclusive, servir de lastro para outras compras ou trocas. Um “cripto-escambo”. Resumindo: nem toda transação temporária, aquelas que ainda não foram (ou não precisam ser) efetivadas de fato, têm de sair desse circuito fechado. Muitas transações não têm de ser realizadas pelo sistema financeiro convencional.
Varejo “on” www: fintech dedicada
Além de evitar transações temporárias, dissipativas ou cruzadas, a plataforma – certificadora e garantidora de tais transações -, as faz a um custo mais baixo, já que é dedicada e/ou construída pelo e/ou para o próprio nicho. Entre outras coisas, a plataforma possui um ágil CRM (estratégia voltada ao entendimento e antecipação das necessidades de clientes e empresas), um eficiente ERP (painéis que dão uma visão geral das finanças, para que se possa acessar informações em tempo real, a qualquer hora e em qualquer lugar – mercado de futuros, safras, ações, por exemplo), e um poderosíssimo BI (análise empresarial, mineração e visualização de dados, capaz de fazer recomendações nas tomadas de decisão em tempo real, utilizando especialistas e IA).
E este cluster não precisa pertencer a um único varejo! A B2W Digital, por exemplo, tem em seu portfólio marcas como Americanas Empresas, Americanas.com, Submarino, Shoptime, Submarino Finance e Sou Barato, que oferecem mais de 38 categorias de produtos e serviços por meio dos canais de distribuição, internet, televendas, catálogos, TV e quiosques. Em 2017, possuíam 10 mil vendedores registrados, com um crescimento de cerca de 2 mil novos lojistas por trimestre. Ou seja: dá para juntar um bocado de pequenos players do varejo e seguir este exemplo, o de montar um cluster logístico ancorado em uma fintech própria, e reduzir-se os custos operacionais para todos.
Os marketplaces baseados em DeFI, que estão em franca regulamentação pelo Banco Central, farão com que todos os players ganhem mais tração e dependam o mínimo possível de adquirentes, bancos ou terceiros para liquidar transações, diminuindo o custo para todos. Este grande fluxo descentralizado e coordenado, passando pelos marketplaces, impulsionou as fintechs de modo que o acesso ao antigo sistema financeiro será necessário apenas quando alguma operação de lastro for imprescindível (IPO, transferência de recursos, compras de empresas ou saque de dinheiro para pagar um cafezinho por saudosismo etc.), diminuindo imensamente os nós financeiros e o respectivo número de transações dissipativas. Essa interoperabilidade, tendência em crescimento vertiginoso, responsável pela “fintechzação” do Varejo, promoverá uma desvinculação capaz de reduzir drasticamente a emissão de divisas para o país Custo BR, a nossa Dinamarca.
Novo cluster, novas profissões
Com acesso fácil a clientes, a todas as transações e logística, estas plataformas deverão ser capazes de controlar eficientemente o fluxo do “cripto-dinheiro” (que ainda podem estar operando como promessas) e também as informações circundantes, criando o que chamei de cluster logístico, um sistema fechado não invasivo, como um organismo vivo. No formato www, com acesso a várias informações e tecnologia disponíveis, amplia-se (ou cria-se) o espaço para a atuação dos novos modeladores de negócios, os TI-profissionais (TI-advogados, TI-contadores, TI-economistas etc.), únicos “cirurgiões” com habilidades a operar nesses organismos, controlarem suas artérias e veias, tendo por missão encontrar novos modelos para cada nicho, desfazendo o máximo de nós e entupimentos possíveis, mantendo o coração financeiro do varejo sempre saudável. Isto ampliará ainda mais suas respectivas áreas de atuação. Tais profissionais terão seu peso avaliado em criptomoedas (hehe).
Finalizando…
Grandes players no mercado nacional já acordaram para a fintechzação: Magazine Luiza, Mercadolivre, Havan, iFood, Nubank, Neon, PagSegures, PicPay, Boticário, Quinto Andar, Bidu, Ambev, GuiaBolso, Americanas, Creditas, ContaAzul, Original, Inter, Buscapé, Easy Taxi, Samba Tech, para dizer alguns. E ao que tudo indica, o atual governo parece estar dando alguns passos na direção de diminuir o Custo BR, ao aprovar no começo de junho de 2021 o Marco das Startups, o qual permitirá que projetos ousados sejam testados nos parquinhos de inovação apelidados de Sandboxes, sem sofrer retaliações legais. Claro que podemos ser ingênuos e não suspeitar que a fintechzação seja um movimento de transmutação organizacional do próprio sistema financeiro, na qual se constrói uma nova empresa, migra-se para ela e deixa-se a empresa original, estrategicamente, para que carniceiros façam um melhor uso dela. Tudo é possível sob o Sol que ilumina o ecossistema empreendedor. Com veias e artérias melhores, um parquinho para se divertir e bons personal trainers, prevejo o nascimento de um varejo mais oxigenado, e um país – o Custo BR – sendo desidratado.
Referências:
Problemas econômicos do Brasil – Wikipédia, a enciclopédia livre
Decentralized finance (https://en.wikipedia.org/wiki/Decentralized_finance)
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Leia a edição anterior: Dois relógios e a tomada de decisão
Gláucio Brandão é Pesquisador em Extensão Inovadora do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
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