Fim dos empregos. Começo dos trabalhos! Empreendedorismo Inovador

quarta-feira, 15 janeiro 2020

É possível ter uma visão otimista diante da eminente ameaça do fim dos empregos? O professor Gláucio Brandão mostra que sim

“Pesquisa coordenada pelas quinze maiores economias do mundo estima que o uso da automação e da inteligência artificial pode dizimar milhões de empregos até 2020. Com uma economia ainda pouco diversificada, países como China, Índia, Brasil são os que mais tendem a fechar postos de trabalho. Somente em nosso país, 54 milhões de pessoas poderão ver suas funções automatizadas. Dentre as áreas que mais podem sofrer cortes estão a industrial (69%), a hoteleira (63%) e a de transportes (61%).” – Fórum Econômico Mundial, 2016.

Escolhi este trecho do Fórum Econômico Mundial por dois motivos:  é um dos órgãos que mais se aproximam das previsões – o que não quer dizer que acerte -, e porque, ao se pesquisar com as palavras-chave “fim dos empregos”, aparecem mais de 45K (45 mil) resultados. Não dá para extrair um suprassumo disto aí, dado que eu e 101% das pessoas detestam fazer análise em cima de pesquisa bibliográfica. Assim, pegando apenas os Top 10 resultados que apareceram, de livros da Amazon à revista Superinteressante, passando por análises feitas pela dupla IME-USP (Instituto Militar de Engenharia + USP) e pela Revista Ensino Superior, nenhum deles, pelo menos em suas respectivas introduções, faz uma simples menção, à qual meu amigo, Alexandre “Café com Negócio” Dantas, sempre se refere: a diferenciação entre emprego e trabalho. E, sendo redundante, isto faz toda a diferença!

Neste artigo, por incrível que pareça, vou mostrar a vocês o porquê de ser otimista ao aguardar o  fim dos empregos. É ler para crer!

Células humanas

As células são as unidades estruturais e funcionais dos organismos vivos (se ligue no termo “funcional”, please!). Segundo artigo da melhor enciclopédia viva do Mundo, a Wikipedia, o corpo humano é constituído por aproximadamente 10 trilhões de células. Se considerarmos os 7,5 bilhões de tripulantes da Terra e fizermos uma divisão básica, chegaremos há um número próximo de 1.333. Desenrolando, onde eu quero chegar? Vamos então às famosas “viagens numéricas” de GBB-San:

  • Considerando cada célula do corpo humano um habitante terráqueo, a “máquina” mais eficiente do mundo, nosso cabeção, comanda o equivalente a 1.333 populações da Terra. Utiliza, para isso, cerca de 86 bilhões de neurônios, perto de 0,86% do total de células. Vamos deixar por 1%.
  • Todas as células se comunicam em uma rede amorfa de tamanho bizarro, incalculável, funcional e contendo também fake-signals (hajam zap’s sem futuro!) que, por sua vez, se comunicam com o cérebro, que por sua vez também já possuem 100 trilhões de sinapses. Hehe: nem a tecnologia 5G sonha com esses números.
  • E o mais “invocado” de tudo: todas as células são funcionais! Claro que, como em qualquer população, algumas também praticam o mal, infelizmente. 

Focando no termo “funcional”, quero dizer que nenhuma célula está sem trabalho. Cada uma delas possui uma JTBD  que tem de ser feita. E são mais de 10 trilhões. Pronto, criei um ponto para analogia. Vou dar um tempo nesse texto biológico e volto a falar dele no final.

Comoditização digital

Os serviços básicos (alimentação, transporte, educação, moradia, segurança, lazer, esporte, escambau a quatro…) estão chegando a um ponto de não serem mais diferenciáveis, quando observados a tecnologia empregada, quem produziu, origem, preço quase uniforme –  determinado pela oferta e procura -, de modo que esta uniformização tende a criar um grande sistema orientado a commodities. Falamos disto em Embora imprescindível, a TI, Tecnologia da Informação, não é tudo! . Ou seja: educar gente para trabalhar “braçalmente” nessas áreas, é colocá-las para disputar espaço com autômatos, sejam eles construídos em software ou hardware. Vão perder! Como gosta de dizer um amigo meu, Marcos Gurgel: “Em breve, as fábricas só terão visíveis um botão, um homem e um cão”. Todo mundo ao ouvir isso, inclusive eu, pergunta sobre a função do cão. E a resposta de Marcos: “O cão tá lá para morder o homem, caso ele se aproxime do botão!”. Não estamos longe disto.

Centralização

Em minha visão, essa comoditização está criando um novo efeito: a centralização, ou o que eu arrisco chamar de monopólios digitais! Ok, explique-me melhor, “mestre das artes inovadoras” (grifo meu, rsrsrsrs), o que tem a ver uma coisa com a outra. Vou dar exemplos utilizando os mesmos predicados. O que o Google, Facebook, Xiaomi, AliExpress, Amazon, TikTok, WeChat, Ebay, Microsoft etc., têm em comum? Fácil: cada negócio destes, individualmente, possui bilhões de usuários (não botei o AirBnB porque só tem meio bilhão). Tenha certeza que você já possui vários dos serviços que eu citei no item anterior sendo patrocinados por alguns desses colossos. Duvida? Tente pedir um lanche via smartphone e peça ao entregador para não utilizar o google maps. De uma tacada só, matei todos os entregadores de petiscos e app’s de automóveis. iFood, Uber, AirBnB e muitos outros já dependem do Google. Ok, fui radical. Então tente estudar online em um mooc (massive open online course) como Udemy, EDX, Khan university etc., sem o seu “Windowsinho”, se for PC, ou sem o seu Android ou iOS, para os mobile. Quando alguma ordem maluca do STF derruba o Whatsapp, vejo gente entrar em depressão!

Nesses poucos exemplos mostrei que comunicação, alimentação, transporte e educação já estão caminhando para a centralização e saindo de nossas mãos e das mãos de startups “menores”. Ou seja: em pouco tempo, estaremos dependentemente ferrados.

Entretanto, há outra coisa que eles têm em comum e que passa despercebida pelo usuário médio, que é a forma de como essas empresas tornaram-se leviatãs: adquirindo ou se associando a outras empresas ou, de um modo mais elegante, fomentando a criação destas para auto-consumo. Ou seja: até as próprias startups estão se transformando em commodities!!! Massa, né não? 

Assim como as águas correm para o mar, o estímulo à criação e a absorção de startups está criando “monstros” centralizadores de commodities. Resultado: vamos alcançar um estágio em que não adiantará tentar criar tecnologias “parecidas” com as que já existem. Os monstros comedores de startups vão te pegar! Na melhor das hipóteses, te contratarão para aprimorar ou desenvolver algo para eles. 

Desintermediação

Processo pelo qual as empresas se aproximam do cliente final através da eliminação de intermediários. Em E para o Varejo, nada?  mostro como as TIC’s estão promovendo isto, gerando novas possibilidades ao juntar o palpável ao digital, criando o que eu chamo lá de “melhor venda”. E aí está o D – de digital – da questão: os monopólios citados são, na verdade, máquinas de desintermediação. Observem: entregam produtos ou fornecem serviços. Criam, praticamente, só o enlace. Nos conectam de forma eficiente a alguém que produz algo. Você pode até chamar de marketplaces.

E aí começa a surgir a luz no fim da fibra óptica para o futuro dos empregos. A tecnologia que criou estes colossos geradores de desintermediação vai acabar com os empregos rotineiros, “matar” os intermediários e, de um lapada só, nos forçar a sermos criativos, produtores de “um algo a mais”. Ou seja: não há veneno que não providencie o remédio! A desintermediação vai ficar responsável apenas pelo que é “comoditizável”. A criatividade ficará a nosso cargo, por muito tempo ainda, transformando-nos em trabalhadores especializados, não mais em empregados.

Artes & Ofícios

Embora eu tenha pintado um quadro aparentemente catastrófico, chegou a notícia boa: uma das características mais marcantes nos humanos é seu poder de adaptação. Já se perguntaram porque precisamos desta característica? Eu respondo: ela é fundamental para que possamos responder a estímulos incessantes produzidos pelo cérebro na busca pelo novo.

 Em algum lugar de nosso chip mental há um gene, um código, um “bichinho” que odeia a mesmice, satura-se rapidamente com tudo que não muda, exigindo sempre que saíamos da “zona de conforto” (ZC), aquilo que eu falo em Colocando uma jaca na cabeça. Ou seja: por mais paradoxal que esta frase possa parecer, buscamos sempre a próxima, e melhor, zona de conforto! Portanto, precisaremos sempre do poder de adaptação para que possamos nos acomodar ao próximo, digamos assim, novo luxo. Atingido este ponto, não conseguimos mais retroceder e, além disso, começamos a cobrar por uma ZC melhor. As soluções tecnológicas parecem promover o mesmo efeito que drogas.

Mas o que isto tem a ver com o “começo dos trabalhos”? O fato de estarmos sempre buscando por novas ZC’s faz com que nós, viventes cerebrados, busquemos por dois tipos de diferenciação: a obtenção e/ou produção de coisas diferentes. O ingrediente chave comum a estes dois aspectos é – vocês sabem qual – uma coisinha chamada criatividade. E o melhor de tudo isso: não temos mais que atuar como caixeiros viajantes, pois as máquinas de desintermediação já fazem isso para gente. Teremos de nos tornar, em pouco tempo, consumidores ou fornecedores mais criativos; mais especializados.

E aí desaparecerão os empregos formais e nascerão as artes (estado da arte), as quais precisarão ser distribuídas em ofícios específicos, como antigamente. Empreender terá de independer do status quo do Mercado. Você terá de criar ideias para resolver broncas, quando surgir esta possibilidade, ou criar possibilidades para colocar sua ideias dentro, como eu falo em E se eu fosse montar um negócio, por onde eu começaria?

Finalizando

A vacina econômica para a descentralização será o empreendedorismo. O instrumento anti-geração de commodities, a arte. O elemento que tornará cada um de nós funcionalmente singular, o ofício. A desintermediação será nosso veículo de divulgação e transporte. Juntando tudo, acredito que o empreendedorismo inovador ancorado em conhecimento científico (estado da arte) será uma boa opção de caminho para a sustentabilidade ampla. Precisamos criar um meio de voltarmos a educar “o povo” por ofício, não de forma seriada. Não tenha um ofício e seja um excluído.

Voltando ao paralelo biológico da introdução, nosso maior desafio como terráqueos é tornar cada um de nós uma célula funcional, com ofícios específicos, o que só vai acontecer quando entendermos que a Terra é um único organismo, um único corpo. Talvez a IA seja o cérebro que providenciará isso, já que não estamos conseguindo. E nosso cadafalso vai ter lugar se (ou quando) a IA conseguir criar arte. Aí, meu chapa, caixão e vela preta, pois aquele 1% que falei lá em cima será ocupado por ela, a Skynet, em 2029 (vide “Exterminador do Futuro”).

Então, minha irmã, qual é o teu ofício? E tu, meu brother, qual é a tua arte? Que venha o fim dos empregos, pois mostrará quem somos de verdade, independentemente da quantidade de títulos que você tenha.

A coluna Empreendedorismo Inovador é atualizada às quartas-feiras. Gostou da coluna? Do assunto? Quer sugerir algum tema? Queremos saber sua opinião. Estamos no Facebook (nossaciencia), Twitter (nossaciencia), Instagram (nossaciencia) e temos email (redacao@nossaciencia.com.br). Use a hashtag #EmpreendedorismoInovador.

Leia a edição anterior: STEAM: que tal darmos um “vapor” em nossa carreira, nossa vida?

Gláucio Brandão é gerente executivo da inPACTA, incubadora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Gláucio Brandão

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