Entender o que é o embrião é importante para decidirmos sobre a legislação que regula nossa reprodução e outras questões como o aborto e estupro
Há alguns meses atrás escrevi sobre novos conceitos que surgiram na Biologia após a virada do século e comecei a discutir sua relevância para questões importantes para a sociedade. Em particular, entender o que é o embrião é muito importante para decidirmos sobre a legislação que regula nossa reprodução, questões como o aborto. Nos próximos textos, irei me dedicar a discutir o que sabemos sobre embriões humanos e de outros animais. E a partir destas informações vou formar opinião. Mas é importante dizer aqui que não existe consenso para muitas questões, nem mesmo entre cientistas. E o debate é muito importante.
Para falar sobre este assunto tão delicado resolvi dedicar um texto para cada grande fase do desenvolvimento que seja relevante para a discussão. E hoje irei falar sobre a fertilização. A fusão entre dois gametas pode parecer a coisa mais simples do mundo mas na verdade não é. Este fenômeno é regulado por diversos mecanismos moleculares e celulares e é cercado de dogmas. Então vamos a eles.
O primeiro dogma é a ideia de que o sistema reprodutivo feminino é passivo. Espermatozoides tem que se deslocar grandes distâncias (relativas ao seu tamanho) até encontrar o óvulo no oviduto (também chamado de tuba uterina ou trompas de falópio). E diferente da metáfora comum que encontramos, em que estas células correm para ver quem chega primeiro, boa parte deste deslocamento é promovido por contrações do sistema muscular feminino. Os óvulos quando liberados são cercados por um grupo de células chamadas Cumulus. Sem elas, o oviduto não promove a migração do óvulo pelo seu interior. Assim, o sistema reprodutivo feminino regula ativamente o encontro entre os gametas. Este encontro é o produto da soma da propulsão dos flagelos dos espermatozoides e contrações musculares uterinas.
Assim como o sistema reprodutivo feminino, os óvulos também não são passivos. Os espermatozoides ejaculados podem chegar ao oviduto em até 30 minutos. Porém, estes tem muito pouca chance de fertilizar o óvulo. Isso por que o espermatozoide ejaculado precisa passar primeiro por um fenômeno chamado capacitação. Neste fenômeno, a interação do espermatozoide com células do oviduto e moléculas liberadas pelo óvulo, causam mudanças nas características de sua membrana que só então o tornam capaz de fertilizar o óvulo. Somente os espermatozoides capacitados nadam para um gradiente de temperatura formado ao longo do oviduto e reconhecem moléculas atratoras liberadas pelo óvulo e células Cumulus. Ao chegar ao óvulo, o espermatozoide não força sua entrada. Ao invés disso, ele se encosta no óvulo e as membranas das duas células se fundem, ambos os gametas são ativos neste processo.
E quanto dura tudo isso? Bom, já falei aqui que os primeiros espermatozoides a chegar no óvulo não o fertilizam. Isso por que eles não passaram pela capacitação que só acontece no contato com o sistema reprodutor feminino. Isso mesmo, o esperma na camisinha não consegue fertilizar um óvulo. Em 1995, Wilcox e colaboradores acompanharam o ciclo menstrual de mais de 600 mulheres para estimar a data da ovulação e correlacionaram com a distância temporal da última relação sexual. Destas, 200 ficaram grávidas. Acontece que o espermatozoide dentro do trato reprodutivo feminino pode fertilizar o óvulo por até cinco dias. Isto é, a fertilização está longe de ser um fenômeno instantâneo que ocorre logo após a relação sexual e pode durar um tempão.
Assim, uma mulher que tome a pílula do dia seguinte está longe de matar um embrião. Lembremos também que a fertilização se dá dentro do oviduto e muitas das primeiras divisões celulares acontecem nele. Em média, a implantação do embrião na parede uterina vai acontecer uma semana depois em uma fase em que o embrião ainda é um bolinho de células, o blastocisto. É extremamente importante que saibamos os tempos disso tudo, principalmente em casos como estupro. Nem sempre a vítima procura ajuda imediatamente e é bom que saibamos que nossa própria biologia permite que esta decisão leve um tempo. Existem muitos grupos contra o uso de tais métodos que consideram a origem da vida instantânea no ato sexual. Mas esta visão não se apoia na ciência.
Referência
Resquícios de uma visão ultrapassada sobre Biologia
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Leia o texto anterior: Um novo debate sobre a origem dos cordões nervosos
Eduardo Sequerra