Esqueça as Patentes: a Inovação está nas Nuvens! Disruptiva

quarta-feira, 9 janeiro 2019

Com a solução em Nuvem consegue-se diminuir a possibilidade de cópia indevida da tecnologia e, ao mesmo tempo, aumentar a inteligência da solução na ponta

Recentemente, estive como jurado em uma das melhores competições de startups da qual participei aqui no RN nesses últimos cinco anos: a Ideas for Milk Etapa RN. Por que a melhor? O motivo número #1, o tema: agronegócios! Sim, somos os donos da proteína do mundo. Da soja, cana de açúcar, leite, frutas etc. etc. etc. Temos que investir todos os esforços nessa seara. Ainda não entendo porque o Brasil não acordou para isso. Não sei por que não temos a MIT-Food, a versão comestível da famosa universidade americana?

O mundo pode viver com tecnologias capengas, roupas de segunda, carros de terceira, estradas de quarta, smartphones de quinta, políticos de décima categoria, mas não pode viver sem comida. Dá água na boca falar em agro-qualquer-coisa. Temos a comida porque temos as terras e a água. Me emocionei!

Vou ao motivo número #2: as soluções que eu tive a chance de avaliar, realmente, se apresentavam como soluções. Bravo! Como canso de falar para os chegados – e para a galera que deixa de ser chegada quando falo assim – a rapaziada made in Brazil ainda confunde startup company com stand up comedy, parafraseando o Professor Dr. inventor e brother, Francisco Irochima, “startupeiro” raiz!

Entretanto, cinco soluções apresentadas chamaram minha atenção pelo mesmo modus operandi: todas possuíam o grande potencial de ou entregar sua solução a baixíssimo custo na ponta, ou ter sua tecnologia facilmente copiada! São os dois piores ou’s para uma startup, pois expõe de modo fácil toda proposta de valor, sustentáculo do negócio, a quem quer que possa pegar.

Ideas for Milk Etapa RN. Foto: Divulgação Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR-RN).

E qual seria a solução então, Gláucio-san: patente, segredo industrial, judicialização, polícia? Bom, gosto sempre de agir por predição e evitar esforços corrosivos, minhas sugestões, inclusive externalizadas para todas as equipes, foram todas ancoradas em processo: Solução em Nuvem!

Soluções em Nuvem

Por questões éticas, não vou citar as startups e nem descrever precisamente as soluções, mas vou replicar em parte minhas recomendações gerais, uma forma de conselho de como deveriam tratar sua tecnologias.

O conceito de Nuvem vem da possibilidade de se poder acessar arquivos e executar diferentes tarefas via Internet, sem a necessidade de instalação de aplicativos de forma residente em seu computador. O armazenamento de dados é feito em máquinas que estão distante do usuário final, de modo a se apresentar como serviços online para estes. Tenha acesso, obtenha o serviço!

Já que muitos usuários acessam esses programas que estão em servidores ao mesmo tempo – computadores de alto desempenho que estão bem assentados no solo, a imagem que vem à mente é de uma estrutura etérea e amorfa, que lembra uma nuvem. Mas, o que é interessante, é que você pode criar a sua.

Voltando às soluções do pessoal do Milk, percebi na maioria a vontade excessiva em desenvolver soluções com tecnologias densas e processos altamente agregadores embarcados em um hardware, somada a uma preocupação maior ainda de terem seus projetos roubados. Compreendo ambos aspectos desta forma de pensar, pois, nos tempos antigos (1999 – 2002), eu já havia feito isso na TMED. Naquele tempo, Internet discada (tem gente que vai ler essa matéria e não vai entender que tecnologia era essa, pois não era nascido), era impossível não ter a tecnologia atrelada ao hardware, bem ali na ponta, perto de onde se tinha que resolver o problema, pois a rede de comunicação não ajudava. Lembro-me, como se fosse hoje, que eu tinha que desenvolver o hardware e o próprio protocolo de comunicação padrão IEEE (RS 485/232) para que as coisas funcionassem. Hoje, porém, com Wi-Fi ou 4G rodando a todo vapor, não sei nem o que significa 485!

Retomando o raciocínio nebular, consegue-se diminuir a possibilidade de cópia indevida da tecnologia e, ao mesmo tempo, aumentar a inteligência da solução na ponta, transladando tudo para a Nuvem e deixando as funcionalidades mais corriqueiras no equipamento, o qual estará ao alcance do usuário de “bom com coração” e também daquele que só tem coração. Na falta de uma palavra melhor, está se desvinculando o cérebro do corpo.

Estrutura de programas em Nuvem

Dica para a Universidade e para geradores de invenção: mantenham a inteligência com vocês!

Agora posso explicar a sugestão que compartilhei com a galera do Ideas for Milk. Todas as soluções lá apresentadas poderiam rodar em um laboratório no Alabama (só coloquei esse nome porque acho bonito!) e aparentar estar realizando sua mágica em Macaíba. Dados obtidos por equipamentos em eventos locais (acidez/qualidade do leite, infecção nas tetas da vaca, pH da água, cor de determinado líquido etc.) envolvendo sensores e atuadores podem ser transformados em imagens, sinais elétricos, sons, cheiro, cor temperatura etc., caminhar em velocidades de Gigabytes pela rede, chegar ao ‘cérebro’ ou a ‘cérebros’ resolvedores, serem processados e em um atmo temporal estar de volta como um número em um display.

Pronto! Quem quiser poderá surrupiar o equipamento da ponta, aquele que colheu os dados, e, no desmonte, encontraria apenas um arduíno xing ling comprado em fiteiro no Alecrim. Nada contra os xing ling, mas a cópia exata deste equipamento não deixaria evidente a inteligência que está situada no Alabama, ou mesmo em uma sala ao lado desse escritório de re-engenharia xing ling Ltda. É essa a lição que a Universidade tem de aprender.

A Universidade inventa. Quem faz inovação é a indústria. São conceitos diferentes. Uma vez que a Universidade divulga ser o centro formador de cientistas e, na esteira, criadora da ciência de ponta, poder-se-ia pensar em um processo de entrega da tecnologia à sociedade aproveitando o conceito de Nuvem. O árduo e desesperador procedimento de patenteamento para algumas tecnologias, poderiam ser amenizadas a partir do momento em que um processo de geração de startups estimulados pela Universidade – as chamadas spin offs – fizesse com que estas startups-filhas atuassem como equipamentos nas pontas, de modo a manter a inteligência ‘resolvedora” em seus próprios laboratórios. Ganharia a Universidade, pois seus conteúdos intelectuais estariam mais protegidos e independentes do tempo secular do patenteamento; ganhariam os estudantes, pois a criação deste complexo de startups exigiriam mão de obra qualificada e adaptação dos pupilos ao tempo real do Mercado; ganhariam os docentes, pois exigir-se-ia a formação de equipes multi-trans-pós-interdisciplinares e conectadas ao mundo.

Exemplos não faltam. Uma amostra de sangue colhido por um agente de saúde em um lugar ermo, sendo colocado em uma lâmina, fotografado por um celular, analisado por uma reação química local, a qual emitiria uma coloração, sendo enviado para um centro que detenha a inteligência de análise, entregaria, em poucos segundos, alguns números para o display do agente. Essa análise vale para o sangue e outros líquidos, desde a água ao leite. Coloração de folhas, tempo de resposta a estímulos elétrico em partes do corpo; teste do pezinho, orelhinha etc. A telemedicina rodando na vera com uma universidade por trás. Reações químicas. Mistura de bolo. Cocção de pipoca, algodão doce. Poluição do ar etc. etc. etc.

Outros exemplos que os millennials (seres que nasceram com um acesso USB 3.0 no braço) nem percebem. Digite 2 + 2 no espaço de busca do Google, ou qualquer outra expressão aritmética. Bum, o google te dá 4 e ainda te oferece uma calculadora. Achou “facim”? Coloque então a função f(x)=sin((raiz(Exp(x)+a)/2) no site https://www.derivative-calculator.net/ e peça a derivada. Veja a resposta aparecer em segundos, bem na sua frente!

Derivada de f(x) = sin((square(exp(x)+a)/2)

O que Leibniz diria disto? A solução não está mais em nossa calculadora manual. Nem em nossa caneta, lápis ou papel. Ela está lá na Nuvem, acessível a qualquer um que tenha um sistema digital básico que se comunique via Internet. Bancos? A mesma coisa. As Fintechs estão diminuindo os concursos para bancários. Os ebooks, editor de documentos, planilhas? Em nuvem.

Indo além dos sensores, que tal falarmos de sistemas com atuadores? Os carros autônomos já são uma realidade. A Google e a Uber vão aposentar os motoristas em breve. Caminhões já viajaram mais de 190 km para entregar cerveja em São Francisco.

Acho que já entenderam onde quero chegar! As Universidades, centros geradores de invenção etc., podem promover a inovação mantendo a complexidade de suas tecnologias longe do usuário final, e dos piratas. As startups devem chegar bem pertinho deste usuário, mas sem expor toda a sua inteligência. No final, pegando o exemplo da Coca-Cola e indo ao contrário da maré acadêmica instalada, pergunto: patentear para que?

A exceção se dá quando se desejar transferir determinada tecnologia de ruptura pra alguém. Se a ideia for apenas empreender de forma inovadora, crie sua própria Nuvem, foque nos serviços adjacentes gerados em torno de sua tecnologia e esqueça esse negócio de patente. É uma perda de tempo!

Referências

Ideas for Milk Etapa RN (http://www.senarrn.com.br/agromarra-e-a-campea-do-desafio-de-startups-ideas-for-milk-no-rn/

TMED (http://www.tmed.com.br/)

Jornal Extra – (https://extra.globo.com/noticias/carros-e-motos/caminhao-viaja-mais-de-190km-sem-motorista-para-entregar-cerveja-20355592.html)

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Leia a edição anterior: Tendências de evolução

Gláucio Brandão é gerente executivo da inPACTA, incubadora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

 

Gláucio Brandão

2 respostas para “Esqueça as Patentes: a Inovação está nas Nuvens!”

  1. Grande mestre Gláucio, permita-me descordar em parte, concordo com você que temos que montar nossas soluções utilizando as tecnologias como meio e não como fim, mas devo alertar aqui que a falta de um registro autoral ou patente, pode resultar em prejuízos incalculáveis, tanto para os empreendedores quanto para os investidores, veja esse exemplo:

    1. Um projeto é apresentado para um investidor ou até mesmo para incubação de uma startup em uma universidade, e o investidor faz um aporte em dinheiro, ou a universidade apoia essa startup com estrutura, mentoria etc.
    2. Após 05 anos, essa startup está faturando de R$ 12.000.000,00 ao ano;
    3. Então se descobre, que o projeto que deu origem ao negócio tinha sido plagiado de um terceiro pela startup;
    4. Pelo fato de a universidade ou o investidor não ter exigido da startup uma declaração de autoria valida, eles deixam de ser vítimas do plagio na ação judicial, e responde subsidiariamente por todos os prejuízos causados ao verdadeiro autor do projeto que foi plagiado, podendo chegar ao valor do faturamento dessa empresa nos 05 anos de existência.

    Outro exemplo:

    Eduardo Saverin investidor do Facebook, perdeu 10 Bilhões por implicações relacionadas com direitos autorais, passando de 30% para 0,03%.

    Não podemos basear toda uma empresa apenas em patentes e direitos autorais, entretanto, o desconhecimento das leis que protegem a Propriedade Intelectual é talvez o motivo principal por sermos conhecidos no mundo apenas como produtores de commoditys, eu que faço palestras nas universidade no Nordeste e Sudeste sobre o assunto, tenho visto situações absurdas que acontecem diariamente no mundo acadêmico.

    O registro autoral de um projeto por exemplo, não tem o objetivo de proteger a ideia, até porque ideia não se registra, mas ter um projeto, software, teses, TCCs etc. registrado dá ao autor/empreendedor uma chance de defesa contra malandros. Exemplo: quando o autor/empreendedor apresenta seu projeto registrado para um investidor, e tem alguma forma de comprovar que fez essa apresentação, e-mails trocados, ata de reunião etc., se o investidor resolver virar concorrente desse empreendedor, ele pode entrar com um processo de concorrência desleal.

    Minha primeira empresa foi incubada na UFPE, eu mesmo tive projeto roubado por ditos investidores para quem apresentei detalhadamente meu projeto. Então, concordo que estamos vivendo em uma nova realidade, e concordo que o empreendedor tem muito mais chances de ter sucesso se utilizar a tecnologia como meio e não como fim, mas tenho certeza que o registro autoral, e em alguns casos a patente é de suma importância para o $uce$$o.

    Posso citar um outro exemplo meu, registrei a patente de um processo de trabalho que batizei de Paperless, trata-se de um procedimento que quando realizado com a equipe das próprias empresas públicas e privadas utilizando uma tecnologia que está disponível para todos, dá fé de oficio para as imagens dos documentos digitalizados, o que vai permitir que as empresas não tenham mais a obrigatoriedade de guardar fisicamente uma folha de papel durante 05, 10…200 anos para atender a lei e as tabelas de temporalidade, mas se não tivesse patenteado, como poderia trabalhar o Paperless no mercado? Quando fizesse o processo no primeiro cliente, ele aprenderia e passaria a replicar o processo de trabalho no mercado.

    A Propriedade Intelectual é um bem que, apesar de ser intangível, tem materialidade e pode ser mensurada como patrimônio a partir de seu registro, e entendo que o registro de uma criação não é uma opção para o autor, é na realidade uma obrigação social pois o autor não sabe no momento da criação, o impacto que sua obra terá para o seu povo ou para a humanidade. Veja o caso de Santos Dumont, se ele tivesse registrado o aeroplano, os irmãos White que se dizem inventores do avião não teriam usurpado o seu projeto, por causa disso, e baseados em uma foto que os Whites apresentaram, a indústria aeronáutica mundial nunca pagou um centavo de royalty ao Brasil.

  2. Parabéns pela interessante análise Dr. Gláucio.

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