A escola deve adotar prática de fazer alunos pensarem e executarem para aprender o que é necessário no Século XXI
Imagine-se sentado em uma cadeira, com muitos outros, dentro de um cubo, recebendo informações por um porta-voz do conhecimento, que deita seus hieróglifos em uma tábua afixada em uma das faces deste poliedro, ditando, ou melhor, expondo o que acontece lá fora, como se esta fosse a única janela vertedoura da verdade e com direito a poucas réplicas. Considere aqui verdade como sendo coisas necessárias a se conhecer, para vivermos bem sem prejudicar alguém – Até rimou! Rapidamente, muitos vão identificar a cena: é a minha sala de aula!!! Pois é! O ruim disso tudo é que a sua tata-tata-tata… tataravó diria exatamente a mesma frase, com um lapso de 100 aninhos de diferença. Então você indaga: Mas o mundo (ou a verdade, um quase sinônimo) não muda o tempo todo? Porque mantemos o mesmo cenário? Como vamos corrigir o rumo das coisas, que mudam tanto, se os pupilos imersos nesta nave estática, a qual eu vou carinhosamente apelidar de sala de aula, são guiados por um único arauto, que não é capaz de observar e absorver todas as mudanças, todas as realidades? Mesmo sendo o melhor de todos os mentores, conseguirá ele ver o mundo lá fora por outros prismas e iluminar com a mesma intensidade os lactentes do conhecimento, os quais estão espalhados pelo poliedro, imersos em seus próprios mundos, caçando verdades próprias para tentar sobreviver ao mundo? A resposta é um simples não, pois a luz que vem de fora, ao entrar, toma com um único espectro, pois passa por um único prisma, de modo que não conseguirá mostrar o mundo real aos lactentes. Novamente, para simplificar e colocar as coisas em termos hodiernos, chamarei os lactentes do conhecimento por alunos, e o arauto por professor. Colarei também um apelido no cenário descrito no poliedro irregular: Escola 1.0.
Pois bem: desde 1996 desenhamos várias vertentes no PNE, Plano Nacional de Educação, os quais conseguiram mudar o contexto da Escola 1.0 de 6 para 2 vezes 3! Não que as tentativas traçadas por várias autoridades na pedagogia – e outras não autoridades, não sejam embarcadas de boas intenções. O problema é exatamente este: para-se nos desenhos, nos planos, nas intenções. As implementações são sempre pré-seguidas (pré porque nunca se consegue partir da largada), de manifestações contra tudo e todos, ações que conseguem derrubar aquilo que ainda nem conseguiu nascer! Ou seja: conseguimos criar o aborto educacional! Haja inovação!!! Para quem é apresentado ao Design Thinking, uma filosofia em que o designer escuta o cliente para então entendê-lo (coisa rara nos tempos de hoje) e depois contemplá-lo com aquilo que ele deseja (mais raro ainda), há um princípio que cabe bem no que eu defendo: Erre mais rápido para ter sucesso mais cedo ! Ou, aplicando esse princípio à Escola 1.0 e às inúmeras vertentes do PNE: porque não apliquemos, unzinho plano sequer, erremos, aprendamos e, passo contínuo, implementemos a versão 2.0 deste circuito? Porque insistimos em não aplicar, criticar o natimorto e, pra completar o ato bizarro, não o enterramos? A resposta também é simples: não temos essa cultura de resiliência! Ainda mais: sofremos grandes resets a cada quatro anos. Aquela coisa conhecida como política do mata-mata : vamos apagar o que a gestão anterior fez pra botar a nossa marca, independentemente se as ações anteriores lograram êxito! A coisa boa feita anteriormente, não pode aparecer. Ou ainda, a política da morte antecipada : não vou investir agora e deixar os louros para a próxima gestão! Ou seja: pratica-se o reset pré ou pós-pago! E estou falando apenas em termos da Educação!
Avançando um pouco e deixando essa celeuma embaixo do tapete, por enquanto, encontramos algumas ações que conseguiram sair da versão 1.0 e aproximar-se um pouco mais daquele ente chamado aluno: chamo este ambiente de Escola 2.0. Nessa versão mais avançada, o prisma passa do professor para os alunos, e o caldo começa a engrossar . Têm-se, de um lado, um ambiente profuso de ideias a mil, e do outro um professor, que deixa de ser o repassador da verdade envolta em prisma único , e começa a ter mais papel de auditor da realidade alheia e gestor de conhecimentos. Sim, o professor está em um ambiente em que ele virou minoria. A guerra agora é o de muitos contra um, portanto, não há como ganhar em um confronto direto sem maneabilidade docente. Mas esse ambiente é rico em ideias, rico em pareceres, e o professor tem agora que se preparar o tempo todo – e aprender, e esquecer aquelas notas preparadas da Escola 1.0, pois as respostas às perguntas não estarão mais lá! E agora, o que fazer? Bom, nas Escolas 2.0, a coisa assume um tom híbrido: hora se estimula os saberes consolidados, aqueles mesmos presentes na Escola 1.0, hora se cobra dos estudantes o que se mudaria naquilo que foi apresentado. Os saberes se misturam e começam a construir novas realidades, traçadas pela amálgama das experiências que são inúmeras. Um modelo assim é trabalhado em Portugal, pelo professor José Pacheco: a Escola da Ponte, uma iniciativa que data da década de 1970, focada na autonomia dos adolescentes, em um ambiente onde não há paredes, divisões de turma, nem de assuntos. Os resultados? Embora fantásticos quando se observa os aspectos de liberdade, autonomia e a solidariedade, principalmente, nas áreas humanísticas, não são muito louváveis nos quesitos da tecnologia, sofrendo muitas críticas da sociedade portuguesa quando se pensa em questões de produção e sustentabilidade. Muitos países adaptaram essa iniciativa à suas bases educacionais, com o objetivo de ampliar seus aspectos na chamada economia criativa. Bom: nem tudo é perfeito!
Por fim, chegamos à última versão, aquela focada no mundo! Na Escola 1.0, o professor estuda um livro, ou dois, prepara a aula com base nessa fonte e a repassa para os alunos via slides, lousa, papel etc., nada que qualquer ser humano normal não consiga fazê-lo. Por presunção, assumindo que o QI médio dos alunos está próximo ao do professor (um pouco a mais ou um pouco a menos), os alunos possuem a mesma condição de fazê-lo: ler um livro, resumi-lo, grifá-lo, compreendê-lo de modo a prescindir de um docente para esta atividade. Nessa linha então, está se prestando um desserviço à educação, quando atribuímos a outros aquilo que pode e deve ser feito por nós mesmos, pois deixamos de exercitar a massa cinzenta. O resultado é que formamos, ou formatamos, pessoas iguais para resolver problemas diferentes. Já na Escola 2.0, a gerência é difícil e o foco nebuloso: embora se atribua poder ao aluno, as mentes muito verdes carecem de direção, conhecimento consolidado, o que os leva a pensar suas experiências como verdade absolutas, formando um ambiente perfeito para o confronto: quem esse professor pensa que é? . Nossa cultura não absorveria isso tão facilmente. Que tal uma proposta que tenta colher as benesses de ambas as escolas? Surge então o que eu chamo de Escola 3.0, uma escola focada no mundo, na qual utilizamos as tecnologias presentes como aliadas e uma visão mais pragmática, ancorada no ciclo do movimento da Startup Enxuta: Construir, Medir e Aprender. E uma parte da turma da pedagogia vai perguntar: Quem é este engenheiro que ministra aulas, pseudo-pedagogo, pra vir aqui mexer em nossa seara? , frase que eu já escutei pelo menos umas 10 vezes. E ainda mais, Quem é ele pra sugerir uma metodologia? A resposta é simples: sou exatamente isto, um engenheiro que ministra aulas e, como tal, em 17 anos de docência, venho aplicando esse engenhar em minhas disciplinas de nosso Mestrado de Inovação (MPI). No MPI sim, pois trabalho com grupo controlado, com profissionais formados, o que me isenta de provocar grandes danos aos alunos, pois são bem crescidos! Nessas aulas aplico o blended learning, nas quais eu introduzo o assunto, os alunos estudam em casa, em seus mundos, e depois nas aulas de show case defendem seus pareceres para toda a turma. As dúvidas são tratadas por email ou whatsapp. Confesso a vocês: nunca aprendi tanto, pois eles convertem aquela literatura estanque de exemplos formatados para o idioma deles. É fantástico ver engenheiros, administradores, biólogos, dentistas, advogados, pedagogos, psicólogos, físicos etc. entendendo tudo de todos e interferindo. E, o mais importante: aplicando em seus problemas profissionais, oriundos do mundo real, para onde voltarão. Então, em minha defesa à turma da Pedagogia, digo só que estou aplicando a Educação Enxuta. Pegando gancho no ditado “Uma imagem vale mais do que mil palavras”, eu o expando dizendo “Uma ação vale mais do que mil imagens”. E as imagens do cenário atual não estão bonitas.
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Leia a edição anterior: A educação que precisamos aprender
Gláucio Brandão é gerente executivo da inPACTA, incubadora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Gláucio Brandão
Artigo muito bom e de excelente pensamento positivo. Adorei!
Parabéns mestre Gláucio! Sou seu fã!
Grande orientador do empreendedorismo potiguar, saudações!
Passei um pouco do aprendi contigo neste texto.
Mantenhamos o ânimo para mudar realidades.
Forte abraço,
Gláucio.
Texto sensacional, de um riquíssimo conteúdo, expansor de mentes.
Salve Yuri!
Este é exatamente o objetivo: expandir as mentes e a sala de aula.
Grande abraço empreendedor.
Gláucio.
Caro Glaúcio, gostei muito do texto, e mais ainda de saber que a proposta já está sendo colocada em prática. Tenho ouvido falar num modelo chamado “sala de aula invertida”. Esse modelo é parecido com o da escola 3.0?
Obrigado pelo texto!
Grande abraço!
Saudações Pedro!
Obrigado pelo incentivo. Sim: a Escola 3.0, embora eu a tenha pensado nos idos de 2010 sem conhecer esse conceito, é pautada no modelo de ‘flipped Class’ não sei quem veio primeiro (risos). Mas a ideia geral é incentivar os alunos a chegarem na sala de aula já com suas ideias prontas e colocá-las para ‘brigar’ nessa arena, mediada pelo professor e pelos outros alunos.
Imagine o qual rico e motivador seria estar em uma sala cujos conhecimentos não estejam tão assimétricos?
Grande abraço.