Envolvimento de pesquisadores no legislativo é uma necessidade Coluna do Jucá

quinta-feira, 9 agosto 2018
Pesquisador Fred Silva na ISU. Foto: Acervo pessoal.

Fredy Silva é biólogo e faz pós-doutorado nos Estados Unidos. Silva fala sobre a situação da ciência no Brasil e traça paralelos com a realidade norteamericana

A entrevista dessa semana foi realizada com Fredy Davi Albuquerque Silva, Pesquisador associado de pós-doutorado na Iowa State University (ISU), Ames, Iowa, EUA, no Laboratório de Plant-Microbe Interactions sob a coordenação de Robert Thornburg. Silva é tecnólogo ambiental pelo Instituto Federal do Ceará (IFCE) e biólogo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), onde também realizou os estudos de Doutorado e Mestrado em Bioquímica de Plantas.

Coluna do Jucá: Segundo a revista Science, um dos acontecimentos mais marcantes que deram errado no mundo da ciência em 2017, foi a relação entre Trump e cientistas. Como consequência, desencadeou-se um evento emblemático, a Marcha pela Ciência. Diante desse contexto, você acha que Trump teve um papel importante para a ciência, não só nos EUA, mas a nível mundial?

Fredy Silva: Em todo governo qualquer decisão política afeta diretamente áreas prioritárias, e no caso da ciência e tecnologia não é diferente. A Marcha pela Ciência foi uma das maiores manifestações em apoio à pesquisa científica, e surgiu como resposta à possível reversão de leis de proteção ambiental e cortes orçamentários na área de meio ambiente e saúde. Sem dúvidas, cortes orçamentários nessas áreas terão impactos diretos em pesquisas realizadas em âmbito internacional por diversos institutos. Os maiores impactos por aqui serão em órgãos como a Enviroment Protection Agency (EPA), e os National Institutes of Health (NIH), por exemplo.

Coluna do Jucá: Um artigo recente publicado na revista Nature Climate Change, alerta que o imenso poder de barganha política da bancada ruralista diante do atual governo, compromete seriamente a questão ambiental, o que inviabiliza, inclusive, os compromissos brasileiros assumidos no Acordo de Paris. Qual o sentimento da comunidade científica em relação à politica ambiental de Donald Trump, nos EUA?

FS: Os EUA representam a maior economia do mundo, e como tal, impactos no meio ambiente são inevitáveis. Essa preocupação se acentua principalmente quando há propostas do governo no sentido de flexibilizar leis ambientais. As maiores discussões que tem se observado aqui são relacionadas às reduções de financiamento para os órgãos de controle ambiental, o que traz preocupação para a comunidade acadêmica, pois isso prejudicará várias pesquisas em andamento e futuras. Fazendo um paralelo com o Brasil, podemos dizer que a situação é ainda pior, pois além da flexibilização das leis ambientais, como na tentativa de concessão de reservas legais da Amazônia para mineração e exploração, e, mais recentemente, na regulamentação de uso de agrotóxicos, tivemos cortes profundos em recursos para CTI e agências de proteção ambiental.

 Coluna do Jucá: A revista Science noticiou, nos últimos meses, o interesse de pesquisadores renomados nas mais diversas áreas em concorrer à Câmara dos Deputados dos EUA. Segundo um dos textos (“Os candidatos da ciência: candidaturas para acompanhar em 2018”), as eleições de 2018 têm despertado um interesse incomum em parte da comunidade científica dos EUA. Como você avalia essa questão?

FS: Essa é uma questão bastante interessante. Os EUA, quando comparado ao Brasil, dispõem do sistema mais diversificado de fontes de financiamento de pesquisa. Contudo, isso não significa que a maioria da verba destinada à pesquisa seja de fonte privada. Em torno de 60% dos recursos são oriundos de agências do governo, ou seja, dinheiro público. Nesse contexto, vejo que o interesse de pesquisadores em concorrer aos cargos legislativos seria uma forma de evitar cortes e garantir a aplicação desses recursos nas pesquisas.

Coluna do Jucá: Considerando a situação atual da ciência brasileira, sabendo que aqui também é ano eleitoral, seria possível traçar um paralelo entre ambos os contextos?

FS: Em relação ao Brasil, o interesse da comunidade científica é ainda mais justificável. Desde que tive acesso ao ambiente acadêmico e cientifico em 2004, pude observar as transformações nas universidades brasileiras nos últimos 10 anos, tanto no âmbito social quanto cientifico. Quando há cortes nos recursos para ciência de quase 50%, como observado no Brasil nos últimos dois anos, esse impacto é visível e catastrófico. Tratando-se da complexa política brasileira, o envolvimento de pesquisadores no ambiente legislativo não é apenas uma tentativa de garantia de recursos, mas uma questão de necessidade.

Coluna do Jucá: Em entrevista à BBC Brasil, a neurocientista Suzana Herculano-Houzel defendeu que as universidades brasileiras sejam geridas como empresas. Você acha que o modelo brasileiro de financiamento de pesquisa ainda é FS: muito engessado?

FS: Eu não diria exatamente engessado, mas existem alguns aspectos políticos e burocráticos dentro do sistema de financiamento da ciência brasileira que a torna menos competitiva em relação a países como Israel ou Coreia do Sul, por exemplo. Essa diferença de competitividade está relacionada à maneira como esse sistema é financiado (diversificação das fontes) e administrado (sistema mais autônomo).

Coluna do Jucá: Como a ciência brasileira poderia se tornar mais competitiva?

FS: No caso do Brasil, acredito que o aumento dessa competitividade passe por reformulações que abrangem três pontos: (i) Diversificação das fontes de financiamento junto ao setor privado ou outras instituições, e (ii) Leis que garantam a destinação dos recursos para a pesquisa. Um exemplo disso é que no Brasil, é muito comum um pesquisador aprovar um projeto que lhe garante recursos por dois ou três anos. Depois desse tempo, não há certeza de recursos para continuidade dos projetos. Essa situação contrasta com a de muitos países, onde há investimentos em CTI mesmo em momentos de crise. Infelizmente, o Brasil segue na contramão desses países – ao cortar recursos. Fazendo um comparativo, enquanto que no Brasil 1% do PIB é destinado para a CTI, nos EUA esse valor chega a 2,8%, e em Israel a 4,2%. O terceiro ponto (iii) diz respeito à flexibilização do gerenciamento dos recursos, tanto dos pesquisadores quanto das universidades. Da mesma forma como administrado aqui, acredito que as universidades e pesquisadores devem ter uma maior autonomia na gestão dos recursos, seja na compra de equipamentos, contratação de serviços e recursos humanos. Isso traria uma maior eficiência.

Coluna do Jucá: Em um abaixo-assinado lançado em fevereiro, pesquisadores brasileiros reivindicaram revisão e flexibilização das regras atuais que obrigam ex-bolsistas a retornar ao país. Devido à crise e aos cortes na ciência no país, jovens doutores de diversas áreas estão encontrando sérias dificuldades de se inserir no mercado de trabalho. Tendo estado há pouco tempo no Brasil, e, hoje, em um grande centro de pesquisa nos EUA, como você analisa essa questão?

FS: Há até cinco anos atrás houve grandes investimentos do governo brasileiro na formação de doutores e na capacitação de pesquisadores. Após anos de investimento é perfeitamente compreensível os anseios do governo em querer colher os frutos desses esforços. Entretanto, o que deve ser observado é que não basta termos profissionais qualificados se não existem oportunidades de trabalho ou recursos. É necessário que o pesquisador tenha condições que possibilitem desenvolver sua pesquisa, caso contrário, tanto a sociedade quanto o pesquisador são prejudicados. Na minha visão, não há muito sentido em segurar um pesquisador por quatro anos no País após o período de doutorado no exterior. Acredito que um prazo de obrigatoriedade de residência no País de seis meses a um ano, dependendo dos casos, seria um período razoável. Se não fornecerem condições de trabalho, mais cedo ou mais tarde, esse pesquisador irá embora. Infelizmente, essa é a realidade que estamos vivenciando nesse momento no nosso País.

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Leia o texto anterior: Engenheiro da indústria de petróleo afirma que país deve investir mais em pesquisa aplicada

Thiago Jucá é biólogo, doutor em Bioquímica de Plantas e empregado da Petrobrás

Thiago Jucá

2 respostas para “Envolvimento de pesquisadores no legislativo é uma necessidade”

  1. Mariana Moura disse:

    Muito boa a entrevista! Exatamente por isso que estamos lutando! Pesquisadores do Congresso e na Assembleia Legislativa! #VaiTerCiência na Eleição de 2018 com Walter Neves e Mariana.

    Um grande abraço,

    #CientistasEngajados!

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