Com atuação em P&D, Adriano Oliveira garante que a Engenharia Química brasileira ainda é muito teórica
A entrevista dessa semana foi realizada com o engenheiro Adriano Henrique Soares de Oliveira, que é doutor e mestre em Engenharia Química pela Universidade Federal do Ceará. Integrou o corpo de pesquisadores efetivos do INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial), onde atuou como examinador de Patentes na área de Engenharia Química na Divisão de Processos de Produção de Fármacos. Há mais de 10 anos é integrante do quadro efetivo da Petrobras, tendo atuado no Centro de Pesquisa Leolpoldo Miguez de Melo (Cenpes), com P&D, em Unidades de Processo em escala piloto. Atualmente, está na área de acompanhamento e otimização de processos de refino de petróleo na Lubnor (Refinaria de Lubrificantes do Nordeste).
Coluna do Jucá: Até pouco tempo, a engenharia nacional expandia-se a passos largos. Hoje, o cenário mudou. Como você vê o cenário da indústria do petróleo, em especial, no Nordeste brasileiro?
Adriano Oliveira: A indústria de petróleo no Brasil está passando por grandes modificações. Ainda não sabemos todos os impactos dessas mudanças, entretanto, essa indústria tem grande potencial para fazer o Brasil gerar empregos, e, assim, transformar o cenário econômico no qual nos encontramos atualmente. Acredito que o Brasil tem profissionais muito qualificados para trabalhar nessa indústria. Uma prova disso é que hoje somos pioneiros, bem como reconhecidos internacionalmente pela exploração de petróleo em águas profundas e na camada do pré-sal, com tecnologia desenvolvida por técnicos brasileiros. Quanto ao cenário no Nordeste brasileiro, ainda não há previsão de grandes empreendimentos, o que é ruim, entretanto, tudo dependerá do cenário político estabelecido para o próximo ano. Particularmente, não acredito que a venda de refinarias no Nordeste seja o caminho, mas sim, o investimento em novas refinarias. Essa poderá, inclusive, ser uma das alternativas para fazer a economia do Brasil voltar a crescer, a qual permitirá ao país gerar muitos empregos.
Coluna do Jucá: Grande parte dos recursos que financiam a pesquisa no Brasil são de origem pública. Em países desenvolvidos, por exemplo, a indústria investe de maneira robusta em pesquisa. Falta visão, há excesso de burocracia? O que dificulta essa aproximação entre a indústria e as universidades no nosso país?
AO: Acredito que hoje o Brasil passa por um processo difícil, tanto no aspecto político como no econômico. Com isso, a pesquisa nas universidades carece de recursos e apoio público. Apesar dessa situação ser algo ruim, pode ser uma excelente oportunidade para as universidades se aproximarem mais das indústrias e vice e versa, de forma a tornar as pesquisas desenvolvidas, em algo aplicável e comerciável. Além disso, para a formação em Engenharia Química é fundamental haver essa aproximação, com o objetivo de proporcionar aos futuros pesquisadores da área uma visão mais aplicada e não só teórica. Acredito que a grande dificuldade para a aproximação entre as duas instituições seja a quebra de paradigmas, ou seja, que as universidades consigam mostrar resultados mais práticos e formar pessoas com uma visão mais ampla de trabalho, de negócio e de indústria, e não só acadêmica.
Coluna do Jucá: E qual é o papel da indústria?
A indústria, por sua vez, deve utilizar a expertise da universidade em pesquisa, bem como injetar recursos com vistas a traçar estudos práticos para resolver os seus problemas. Para isso, é necessária muita disposição dos dois lados de forma a superar paradigmas e implementar uma cultura de colaboração. Acho que o curso de Engenharia Química no Brasil, de uma forma geral, ainda é muito teórico. Necessita-se, portanto, de uma maior inserção de docentes que tenham uma experiência prática em indústria, o que certamente traria bons resultados para a formação dos novos engenheiros e poderia aprimorar as pesquisas desenvolvidas para problemas ou necessidades mais reais e rentáveis.
Coluna do Jucá: Tendo experiência na pesquisa acadêmica e na indústria, que paralelo você poderia traçar entre ambas?
AO: Para se atingir a aplicação em escala industrial de um processo, deve-se avaliar se o mesmo é tecnicamente e comercialmente viável. Nesse sentido, os pesquisadores devem estar alinhados com essa premissa de forma que uma ideia seja factível e promissora não só no laboratório, mas também em todas as etapas do escalonamento desse processo. Uma etapa fundamental, e muitas vezes decisiva, é a avaliação do processo ou da qualidade de um produto, obtido em plantas piloto. Nessa etapa, não se tem uma miniatura de uma unidade industrial, mas sim a possibilidade de obter parâmetros de engenharia de forma a utilizá-los como base no dimensionamento de unidades de processo em escala industrial. Além disso, mesmo que o processo industrial já esteja implantado, é salutar que qualquer grande modificação na planta, alteração da qualidade de um produto ou validação de um novo produto, sejam investigados em escala piloto.
Coluna do Jucá: Há espaço para o diálogo entre a acadêmica e a indústria?
AO: Acredito que a pesquisa acadêmica na área de engenharia química só tem sentido de existir se efetivamente for possível aplicá-la em uma escala rentável, e para atender a uma demanda do mercado, caso contrário é perda de recurso. No meu ponto de vista, acho que ainda tem bastante espaço para que as universidades e a indústria se aproximem e invistam no que efetivamente poderá ser útil e rentável. Essa abordagem de escalonamento de processo, muitas vezes não é tão bem discutida durante a pesquisa acadêmica. Posso citar um exemplo, de uma determinada pesquisa em laboratório que utilizava um composto ambientalmente ruim para tratar, porém, para o processo, o resultado do seu uso foi bastante promissor. Quando avaliamos a possibilidade de testá-lo em escala piloto, descartamos a rota de estudo devido ao problema de manuseio da substância e no tratamento do efluente final desse processo.
Coluna do Jucá: Você poderia falar um pouco da sua atuação como pesquisador do INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial)?
AO: No INPI atuei como pesquisador em Engenharia Química, examinando patentes na área de fármacos. Foi um grande desafio e que exigiu muita responsabilidade, já que esses documentos consistem em informações bastante sigilosas e valiosas tanto no campo da pesquisa, quanto empresarial. Percebi ainda, que o instituto precisa de mais pesquisadores examinando os pedidos de patentes de forma a reduzir o prazo para concessão da carta patente de um determinado estudo ou solicitação. Foi um grande aprendizado, me trazendo um olhar mais crítico quanto a senso de inovação na ciência.
Coluna do Jucá: Você poderia comentar um pouco a respeito da atuação de um engenheiro de processamento em uma refinaria de petróleo?
AO: O engenheiro de processamento em uma refinaria de petróleo é uma figura bastante importante porque ele determina as diretrizes e condições operacionais de uma determinada unidade de processo. Esse profissional está sempre com o olhar na segurança de processo, na rentabilidade e na confiabilidade operacional. O trabalho do engenheiro de processo é integrado a outras áreas como operação, manutenção, segurança, meio ambiente e comercialização. Além disso, esse profissional deve fazer uso de simuladores de processo e estar em contínuo treinamento e estudo, já que a sua atuação necessita de muito conhecimento técnico. É importante que o senso de pesquisa e inovação permeie o engenheiro de processamento, de forma a garantir a otimização dos processos.
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Thiago Jucá é biólogo, doutor em Bioquímica de Plantas e empregado da Petrobras
Thiago Jucá
Excelente reportagem, principalmente porque parte do ponto de vista da indústria.
A impressão que passa é que nós, universidade, estamos desenvolvendo coisas apenas para nós mesmos.
Falta a conexão com o mundo real.
Obrigado Glaucio por ter prestigiado o artigo. O objetivo foi mostrar um outro ponto de vista sobre o tema proposto. Certamente tanto a universidade quanto a industria tem muito a ganhar com um trabalho realizado em parceria.
Gláucio,
Que bom que gostou da matéria. A ideia é levantar a bandeira da P&D dentro da indústria. Não se trataria da pesquisa direcionada para a publicação de artigos, ou até mesmo geração de patentes. Pelos menos, não necessariamente. Inserindo-se a cultura da P&D no ambiente industrial, pode-se resolver muitos problemas industriais, torná-los mais rentáveis, mais seguros ou ainda socialmente e ambientalmente mais responsáveis. E aí poderemos absorver os pesquisadores das universidades com as mais diferentes formações. Afinal, a solução de problemas exige soluções diferentes, alternativas e formações abrangentes. E do outro lado, a pesquisa básica continuará a exercer seu papel belíssimo e imprescidível.