Colunista argumenta que estamos perdendo uma grande chance de inovar na educação em prol da sociedade
Numa quarta-feira, 22/05/19 – portanto há quase uma ano atrás -, publicamos aqui Bootcamp: aprendizagem intensiva, acelerada e verdadeira em campo . A chamada do artigo trazia (argumento #1):
“É necessário que se prepare as mentes para lidar com o improvável, com uma inversão no formato ensino-aprendizagem: a capacitação não-linear imersiva”.
E lá no meio do artigo soltei (argumento #2):
“E o mais interessante de tudo isso: aprender a estratégia a ser utilizada em tempo real e ajustá-la à batalha do momento! Isso é o conceito de bootcamp. E é esse paralelo que vamos traçar entre empreendedorismo, bootcamp e o Mercado mais adiante!”
Noutra quarta-feira, 7/11/2018, em Por quem as grandes empresas choram… , mostro que o Mercado e a Sociedade não buscam mais por profissionais, mas por soluções (argumento #3):
“Todas as revoluções promoveram reformas sociais dantescas, pois os envolvidos não se deram conta do momento, levando a um grande hiato inercial até à adaptação que custaram empregos e, até onde se sabe, vidas. Entretanto, estamos por perceber este momento. Precisamos (Academia) nos mexer mais rápido do que a Indústria. Assim, todo profissional hoje terá de começar a entender estes conceitos, pois temos que continuar mais inteligentes do que as máquinas e o próprio contexto. Desde as áreas sociais às humanas. Não vejo a Universidade brasileira abordando adequadamente essas questões. Tem-se que abrir espaços hoje para uma reforma não curricular, mas de postura, como o sugerido por mim num artigo sobre o novo mindset: Precisamos de estudantes 7.5 . Este é o profissional imprescindível para a nova era: aquele que se antecipa aos problemas que a Indústria ainda não sabe que vai ter e, de quebra, entrega as respectivas soluções”.
Neste último texto, se você trocar a primeira palavra “indústria” por “pandemia”, “máquinas” por “vírus” e a segunda palavra “indústria” por “Sociedade” – e ler novamente – , vai começar a me chamar pelo meu outro alter ego, Nostradamus! Na verdade, não é adivinhação: fica fácil de prever, pois é nosso modelo ultrapassado de educação; nosso modus operandi. Continuemos…
Com o primeiro e o segundo argumentos, quero sinalizar o quanto (como cientistas) não estamos aprendendo com os fatos. Com o terceiro, quero mostrar que a Sociedade hoje não precisa unicamente da Ciência, mas da Inovação – construir, medir e aprender -, e não apenas ficar criticando os poucos indicativos de solução que temos (refiro-me explicitamente à aplicação da polêmica hidroxicloroquina + coadjuvantes) sem mostrar o contraditório, as possíveis outras alternativas. Onde estão nossas ações?
Aplicando estes três argumentos ao case do momento, a pandemia do novo coronavírus, tentarei explicar o porquê de a versão pública da academia encontrar-se praticamente paralisada, com menos de 9% em funcionamento.
A conclusão que pretendo chegar é a de que temos uma boa educação de prateleira, que nos leva à uma Ciência de estante, fixada na biblioteca sem janelas de nossa inércia psicológica, ao mesmo tempo que demonstro que Inovação, definitivamente, não é nossa praia, o que já havia decantado em Inovação: conceito que a Universidade não compreendeu ainda. O resultado: literalmente travamos!
Fechados há mais de 02 meses, aguardando decisões insólitas de uma combalida OMS para lá de perdida, não conseguimos criar nossos próprios protocolos de isolamento, saída da crise e retomada. Esperava-se uma Academia maior do que isso. Nessa vibe, pergunta-se: “Como podemos criar empreendedores sem dar o devido exemplo?”.
No artigo de hoje, pretendo perscrutar a educação que deveríamos propor daqui para frente, pois tudo será (já está) diferente, em prol de uma cultura que não nos permita travar na próxima pandemia, já que outras virão.
Educação de prateleira
“Como você define isto, GBB-San?” – Simples: aquela educação baseada exclusivamente em fontes estáticas, sem questionamentos – . “Prove então!”.
Como exemplo, em conhecimentos gerais, peguemos a Encyclopedia Britannica, a mais confiável de todas. Você sabia que “(…) estatisticamente, a Wikipedia tem um índice de confiabilidade parecido com a Encyclopedia Britannica, uma das mais respeitadas do mundo, de acordo com um estudo conduzido pela revista Nature. Isso significa que a ocorrência de imprecisões factuais nos artigos das duas publicações é parecida – 2,92 erros por artigo no caso da Britannica, e 3,86 no caso da Wikipedia”. Só que tem uma vantagem: a Wikipedia é alterada todo dia, por milhares de “olheiros”. A Britannica não. E este estudo é de 2016, pois não achei estudos mais recentes. Creio que a coisa esteja evoluindo ainda mais, pois vão utilizar IA para rastreio de fontes e correção de textos.
O mesmo raciocínio pode-se aplicar à nossa graduação, com relação ao que está congelado nos livros e o que há nos artigos científicos. Estes últimos são refutados ou reforçados todos os dias. Os livros não. A consequência: temos cursos com ementas baseadas em livros do “tempo do ronca”, algo que já bati em O que falta aos cursos das Sociais Aplicadas e Engenharias?, o qual me garantiu um “convite” ao Depto. do Curso de Administração uma semana depois. Mas foi amistoso (rsrsrs).
Ciência de estante
A estante da nossa Ciência é consequência direta do que pomos lá. Como nossa educação é de prateleira, a estante estará qualhada de referências congeladas, resultantes do receio, da postura de não alterar nenhum livro que recebemos. É a verdade passada por professores, detentores do conhecimento congelado.
Muitos de vocês devem conhecer aquele experimento de conformidade social feito com seis macacos, cinco dos quais batiam naquele que tentava pegar a banana. A conclusão que se chegou foi a de que, se pudéssemos perguntar aos macacos o porque daquilo, eles diriam: “Não sabemos. As coisas sempre foram assim!”.
Este tipo de comportamento foi estudado pelo psicólogo polonês Solomon Asch na década de 1950. Para ele, uma de suas principais conclusões foi que “o simples desejo de pertencer a um ambiente homogêneo faz com que as pessoas abram mão de suas opiniões, convicções e individualidades”. Para a grande parte de pesquisadores, a conformidade social apenas existe devido à pressão de grupo.
O resultado de tudo isso: nossa Ciência de prateleira não tem as informações necessárias ou atualizadas para lidar com crises. E o pior: não pode ser mexida, pois “as coisas sempre foram assim”. Deveríamos ter um projeto, uma aula, um experimento constante de confronto da Ciência na academia, já que é a última instância do conhecimento. Imaginem um disciplina chamada “Derrube seu professor”, na qual os alunos pudessem abertamente discutir sobre os atuais paradigmas. Ganhariam ambos, pois a atualização seria o sangue desta disciplina.
Biblioteca sem janelas de nossa inércia psicológica
Todo o horizonte pintado acima, contribui apenas para reforçar nossa inércia psicológica ancorada em vieses e nos manter em nossa batida zona de conforto. Deveríamos trocar nossa biblioteca por laboratórios e visitas em campo; as aulas por debates. A informação você pega em textos. Passar slides em sala de aula pode ser feito por um robô. A Nuvem pode prover a informação. O Conhecimento só é criado pelo choque das ideias. Só é sedimentado na aplicação. A biblioteca está démodé.
Muito blá-blá-blá até aqui, GBB-San. E o que você fez?
No começo desta crise, com todo aquele gás que nos acomete de querer salvar o planeta, me meti em várias ações com o intuito de prospectar soluções: trincheiras para achatar a curva, doação de cestas básicas, grupos para desenvolver máscaras, respiradores, grupo acadêmico para desenvolver solução estatística de predição. Inscrevi-me em hackathons infinitos que apareceram, até que percebi que estávamos, eu e muitos guerreiros, nos diluindo. Partimos então para compilar tudo e concentrar numa frente única, liderada pelo comandante Erich Rodrigues da Interjato: O RN Contra o Corona, a qual pode ser vista em Lockdown: vieses e o RN contra o corona . Embora seja uma boa frente, ainda continuamos diluídos, pois quantas mais não existirão por aí? Por mais que tentemos concentrar tudo, falta uma instituição de brand e de alcance inquestionáveis para concentrar todas elas. Vocês sabem de quem estou falando! O motivo disto não acontecer reside no fato de nossa postura de coadjuvante, consequente de nossa educação de travamento, explicada nas seções anteriores. Temos, como universidade, aversão à inovação!
Avance uma proposta, então!
Peguemos a nossa universidade como exemplo. O poderoso sistema SIG*.* liga tudo e todos, pessoas a recursos econômicos financeiros. Falamos de uma comunidade próxima a 50 mil pessoas, sem contar os ex-alunos e ex-servidores ainda plugados. Junto aí um orçamento de R$ 2 Bilhões e o acesso a fundos setoriais, emergenciais, emendas parlamentares e até doações de CPF e CNPJ.
Na primeira semana do decreto pandêmico, poder-se-ia, em um click, acionar todos os professores para que implementassem projetos de extensão. Claro que tudo voluntaria e virtualmente. Os projetos seriam temáticos, encabeçados por departamentos afins: econômicos, estratégicos, epidemiológicos, tecnológicos, sociais, de inovação etc. etc. etc., livres, inclusive, para se associarem a qualquer iniciativa de fora da universidade, pois é a natureza dos projetos de extensão.
Os estudantes, convocados e aderidos voluntariamente, seriam guiados – em princípio por professores -, a resolverem todo tipo de problema, criar estratégias, desenvolver protótipos e simulações. Tudo em paralelo, geridos por um grande Scrum comandado pela Diretoria de Projetos através de lives. Uma educação típica de Bootcamp, muito mais empolgante que qualquer aula online ou fazer nada.
A quantidade de ideias, MVPs, serviços, produtos em geral e até patentes que surgiriam daí, seriam contabilizados como produção acadêmica, em lugar das aulas que não aconteceram. Seria uma grande epopeia de inteligências orientadas em paralelo contra um único inimigo, aquilo que falo em A inteligência coletiva que nos falta, responsável por garantir a sobrevivência dos sapiens, digna de registro no Guinness. Ao final, todos teriam o sentimento de dever cumprido. Os estudantes e a universidade felizes, como protagonistas de um processo grandioso, mostrando ainda mais utilidade para a Sociedade.
Finalizando…
Ao contrário desta proposta utópica aqui descrita – claro que muitas outras devem existir -, o que vimos até 20/05/2020 foi uma academia inerte, perdida, com muitas propostas cosméticas, mas nada de efetivo. Docentes, antes tidos por formadores de opinião, calados.
Perdemos uma chance de tirar a educação da prateleira, a Ciência da estante e renovar nossa biblioteca com este grande exercício em campo. Perdemos uma grande chance de inovar na educação e em prol da Sociedade. Nos perdemos… Na verdade, apenas travamos! Foi o mais cômodo a se fazer.
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Leia a edição anterior: Preparando-se para o futuro iminente
Gláucio Brandão é gerente executivo da inPACTA, incubadora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Gláucio Brandão
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