E quando o Canvas der errado… Empreendedorismo Inovador

quarta-feira, 19 junho 2019

O professor Gláucio Brandão fala da lógica do Effectuation, onde a ideia é cocriar o futuro ao invés de tentar prevê-lo

Tá bom, Gláucio-San: você está há quase um ano tentando me convencer de que a forma mais eficiente de se criar algo minimamente sustentável passa pela absorção dos conceitos do Empreendedorismo Inovador, aquele que utiliza racionalmente a Ciência, acadêmica, empírica, do campo, da minha vovozinha e do “escambau a quatro”, como único modo de refinar, reforçar e agregar valor às minhas ideias e, com isso, criar coisas que geram valores inderrubáveis. Ainda colocou um bocado de jargão novo em meu vocabulário e, como se não bastasse, falou que sem uma ferramenta chamada Canvas e derivados – uma coisa que eu já estou cansado de ouvir – eu seria, praticamente, um analfabeto no seu “mundinho” empreendedor, e agora vem com essa de onde PODE DAR ERRADO? Poupe-me!

Isso mesmo, Gafanhoto! A única coisa certa na vida são as mudanças e ser empreendedor-raiz é estar preparado para usar métodos, de modo a reduzir as expectativas de fracasso (os métodos são frutos de dores de cabeça de “Natais Passados” de outros iluminados, de gigantes que vieram antes de você) e criar outros quando tudo falha. Observar ondas, como falo em Seguir a onda ou criar um novo caminho? é imprescindível pra saber que coisas estão acontecendo; acompanhá-las é uma forma de não ser do contra só por ser do contra, sem apresentar uma proposta alternativa; e mudar regras é a forma de criar sua própria onda, o que só vai acontecer quando você souber bem direitinho o que era a tal onda! Inspirador…

Pivotando deste papo “surfista”, as coisas podem dar errado por vários motivos. Citarei dois: mau uso das ferramentas à disposição, isso inclui a ferramenta errada, e a inexistência de ferramentas. Essa segunda eu adoro: se o “bode” ou a “cabra” (nunca entendi bem a expressão “o cabra”) conseguiu identificar que as ferramentas à sua disposição não vão dar cabo do serviço, é porque tem condições de criar novas e resolver as broncas de outrem e, fazendo isto, entrar pra história do empreendedorismo inovador ou, pelo menos, contar essa história no Nossa Ciência. Massa, né não?

E é sobre criar ferramentas que fala o Effectuation (Efetivação), a arte de “se virar nos 30” quando toda metodologia vigente deu m…, quero dizer, não respondeu como deveria. Afinal, “a prática triunfa sobre a teoria” (essa frase não é minha)!

Sara Sarasvathy, criadora dos princípios do Effectuation.

Os princípios do Effectuation

“Na lógica de Effectuation, a ideia é controlar um futuro imprevisível. Como isso é possível? Ao se cocriar o futuro ao invés de tentar prevê-lo”, explica a pesquisadora Sara Sarasvathy, criadora do método, ao delinear os princípios do Effectuation. A estrutura de Sarasvathy é básica e vai muito além do empreendedorismo, podendo envolver qualquer projeto na carreira: “é preciso usar o que está sob seu controle (quem é você, o que você sabe, quem você conhece, que recursos tem) para criar ideias factíveis em parceria com quem se interessar”.

E ela ainda bota pra quebrar em alguns falácias: “Minha teoria é que excelentes empreendedores não começam com ideias brilhantes ou insights e previsões extraordinárias. Eles começam como eu ou você poderíamos começar: com quem são, o que sabem e quem conhecem”. Rere: sou um empreendedor brilhante e não sabia ! (imaginem aqui o emoji com óculos escuros).

Bom, o livro Effectual Entrepreneurship (Read, S. e Sarasvathy, S.) é fácil de achar na grande rede. Vamos então aos princípios do Effectuation com os exemplos que estão lá no livro. Transcrevi quase que ipsi literis:

  1. Pássaro na mão: comece com o que tem

“Comece com o que está na sua mão: quem é você, o que você sabe, quem você conhece? O que aprendeu, que recursos tem, qual é sua rede de contatos?”

O “pássaro na mão” do Airbnb veio em 2007, quando os fundadores Brian Chesky e Joe Gebbia, que moravam juntos, estavam tendo problemas para pagar seu aluguel em São Francisco. Notando que uma conferência de design tinha lotado os hotéis nos arredores, eles tiveram a ideia de cobrar por um espaço dentro da própria casa. Com três colchões de ar e a promessa de um café da manhã fresco por US$ 80, nascia o Airbed & Breakfast.

  1. Perda acessível: gaste só o que puder

“Não perca mais do que pode perder e pergunte-se: o que eu posso fazer?”

Chesky e Gebbia investiram pouquíssimo na empreitada: só precisaram do colchão e de alguns ingredientes. Não houve plano de negócios nem visitas a investidores, só um website simples – o que faz sentido, já que o problema que tinham era justamente falta de verba.

  1. Manta de retalhos: forme parcerias

“Trabalhe com todo mundo que quiser vir.”

Depois, chegou a hora de provar que a ideia tinha mercado. A situação inicial, compreensivelmente, não era promissora: quem pagaria para dormir na sala de um estranho?

Acontece que, num mundo com quase oito bilhões de pessoas, há gosto e necessidade para tudo. Surgiram os primeiros três clientes e a dupla percebeu que a ideia poderia crescer. Sem experiência com programação, eles convidaram um amigo, o engenheiro Nathan Blecharczyk, para participar da ideia e criar um website mais sofisticado.

  1. Limonada: lide com contingências

“É como diz o ditado: quando a vida te dá limões, faça limonada. Você terá muitas surpresas, então trabalhe com elas.”

Em idos de 2008, a ideia exigia mais dinheiro para se desenvolver e a dupla deu um jeito criativo no problema. Aproveitando a corrida presidencial americana daquele ano, eles decidiram arrecadar fundos e simultaneamente marcar sua presença nacionalmente durante a convenção nacional do partido democrata. Para chamar a atenção e arranjar fundos, compraram mil caixas de cereais genéricos, personalizaram com desenhos dos dois candidatos, Barack Obama e John McCain, e foram até Denver, onde acontecia a convenção, para vendê-las por US$ 40 cada. Era a primeira eleição de Obama, que o transformou em uma celebridade global mesmo antes da vitória, e o evento tinha lotado os hotéis da cidade – uma oportunidade perfeita para oferecer outros colchões e listar novas residências na plataforma. Voltaram com US$ 30 mil dólares, presença na mídia e algumas caixas de sobra, que serviram de alimento pelos próximos meses. Em 2009, ainda lutando para sobreviver e um pouco mais atraentes, conseguiram uma vaga em uma aceleradora de startups, a Y Combinator, reduziram o nome para Airbnb e se dedicaram a refinar o conceito.

  1. Piloto do avião: controle, não preveja

“Foque em atividades sob seu controle e cocrie o futuro.”

O Airbnb agora tinha diversas casas cadastradas e era suficientemente interessante para investidores para ganhar capital de alguns fundos de peso, como o Sequoia Capital. O que ele ainda não tinha era uma clientela crescente. Em 2010, três anos após a ideia original, Chesky e Gebbia foram a campo em Nova York, onde conversaram com parceiros e usuários pré-existentes e potenciais. O objetivo era construir esses relacionamentos e entender o que fazer para deixar as pessoas confortáveis listando suas moradias e fazendo reservas no site. (Chesky já tinha passado alguns meses morando exclusivamente em casas do Airbnb e o feedback foi extremamente útil.)

Quando usar o improviso, quero dizer, o Effectuation!

Ok: li todos os artigos da coluna Empreendedorismo Inovador e, pelo que você garante, já tenho 95% de chance de fazer com que aquela minha ideia de “vender gnomos encontrados em meu jardim” dê certo, desde que eu vá no caminho Causal, ou seja, a lógica determinística, e utilize as ferramentas de criatividade, de geração de produtos, de tração, vendas, definição de clientes, montagem de equipe, validações, oceano azul etc. etc. etc., e bote isso em um Canvas ou Lean Canvas, né isso?

Mas, não sei porque, brothers meus estão dizendo que os 5% vão prevalecer e, como sou pessimista, vejo estes 5% maiores do que os 100%! O que você sugere, mestre dos magos da inovação? (Não senti ironia. E vocês? Rerere).

Bem, vamos supor, apenas “supor”, que os gnomos não sejam tão fáceis de serem percebidos por pessoas com baixa sensibilidade – como eu, por exemplo – e que seja necessário algo que sinalizem onde estão esses danados.

Caminho Causal versus Caminho Effectuation

Pode-se admitir que o buraco no “muro da realidade”, também conhecido por Mercado, tenha o comprimento de 5%. Na verdade, segundo a Curva de Rogers, mencionada em A última coca-cola do deserto, esse “buraco” tem 2,5% de diâmetro, metade do que o Gafanhoto previu. Uma vez que você já percorreu o caminho Causal, domina o determinismo, tem condições de perceber que terá de improvisar. Ou seja, agir de forma efetiva e tentar o não causal. Reflita: “se estes insensíveis não conseguem ver meus gnomos, vou mostrá-los!”

Consultando o que tenho em mãos (princípio #1 do Effectuation), vou utilizar a realidade aumentada e GPS, chamar uns “bródi” que conheço (princípio #3) e vou espalhar brindes em alguns lugares da cidade que eu sei que tem gnomos (princípio #5), fazer uns testes beta (0800) e propor aos “bródi” parceria (princípio #4). Vou gastar alguns trocados, mas vai valer a pena, nem que seja por esporte (princípio #2). Quero ver se agora essa galera não vai ver os bichinhos, nem que seja num celular! Pronto: de uma tacada só, refez o caminho e ainda o Gafanhoto pode passar de “louco” (na boa) para visionário!

Não podemos desprezar o Causal, moçada. Toda escolha é binária. Assim, quando se falha em um sentido, deve-se percorrer outro. No final, o melhor acontecerá quando as duas formas de empreender forem utilizadas. O momento adequado é que separa o empreendedor raiz do nutela.

Últimas palavras… Nada a ver com o Pokémon GO, pessoal. Nunca ouvi falar. Pura coincidência!

A coluna Empreendedorismo Inovador é atualizada às quartas-feiras. Gostou da coluna? Do assunto? Quer sugerir algum tema? Queremos saber sua opinião. Estamos no Facebook (nossaciencia), Twitter (nossaciencia), Instagram (nossaciencia) e temos email (redacao@nossaciencia.com.br). Use a hashtag #EmpreendedorismoInovador.

Leia a edição anterior: A última coca-cola do deserto

Gláucio Brandão é gerente executivo da inPACTA, incubadora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Gláucio Brandão

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