E agora, professor? Ciência Nordestina

terça-feira, 16 março 2021

A tendência atual é de uma dependência extrema que é acompanhada de acomodação dos estudantes, que passam a não planejar as atividades nem as etapas dos experimentos

A arte de orientar estudantes a nível de iniciação científica, mestrado e doutorado requer um esforço extremo para os professores e isso precisa ser especialmente lembrado no momento de definir o tamanho ideal dos grupos de pesquisa. Grupos muito pequenos apresentam limitações para abordar temas mais complexos enquanto que grupos muito grandes criam estruturas complexas de hierarquia que normalmente fogem do controle do orientador.

Porém, em ambos os casos, uma tendência atual é de uma dependência muito grande por parte dos orientandos.  Em substituição à iniciativa e criatividade para o desenvolvimento das pesquisas, a frase insistentemente ouvida nos laboratórios normalmente é: “E agora, professor?”

É evidente que o orientador (normalmente o coordenador do laboratório) é o mais experiente e aquele que deve guiar os rumos da pesquisa. Porém, a tendência atual é de uma dependência extrema que é acompanhada de acomodação dos estudantes, que assumem o papel de mão de obra qualificada e que passam a não ter necessidade de planejar as atividades nem as etapas dos experimentos. Com isso, surge mais uma sobrecarga sobre o orientador, que acumula atribuições alheias, uma vez que a tese/dissertação é missão do estudante.

Mas tudo pode piorar… Além de deixar a responsabilidade do planejamento e execução para o orientador, há uma expectativa extrema por produção. Os alunos vêm cultuando o seu “lattes” de uma maneira fora do comum. O foco sai da formação e passa de imediato para os frutos. A busca por artigos e patentes tornam todo este processo academicamente “mercadológico”. A sopinha de letra dos qualis resume todo o processo.

E se não bastasse tudo isso, quando chega o prazo para a defesa, ainda há aqueles que querem colar os artigos em um arquivo e vualá! – partiu defesa. Ora, se o artigo é a obra de um conjunto de autores, como pode o pós-graduando defendê-lo em um documento só seu? Para além da questão conceitual, há também o problema de direitos autorais. Como dar domínio público a documentos que foram cedidos às editoras?

O mínimo esperado para o produto final de um estudante de pós-graduação é um documento que expresse suas dores e conquistas, impressões e frustações – tudo isso passado para o papel, sem a frieza dos artigos nem a limitação de caracteres impostos por cada periódico. Ou seja, o produto final do estudante de pós-graduação precisa ser mais que (um ou mais) artigos. É esperado dele um produto que seja didático e que possa guiar novos estudantes pelos caminhos que conduzam aos resultados, para dali avançar. Um artigo infelizmente não conta esta história.

Entre estas e outras questões fica muito clara a necessidade de interação permanente entre orientador e orientando. A iniciativa e resiliência no ato de fazer ciência são características muito mais relevantes para os estudantes do que os artigos publicados. E é nesta fase de interação que estas propriedades são trabalhadas. Os artigos vêm com o trabalho. A capacidade de fazer ciência é o maior resultado que se pode esperar na formação dos estudantes.

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Leia o texto anterior: Caos

Helinando Oliveira é Professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) desde 2004 e coordenador do Laboratório de Espectroscopia de Impedância e Materiais Orgânicos (LEIMO).

Helinando Oliveira

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