Narrativas decoloniais para romper versões da história única e fortalecer epistologicamente nossos povos
Por Fábio de Oliveira (Ta’angahara)* – (Instagram: @taangahara)
Para que possamos compreender as relações sociais atuais, faz-se necessário que pensemos sobre as relações sociais do passado. E quando se trata de nós, povos originários, isso requer uma desconstrução por completo de diversas informações, que nos bombardeiam desde a mais tenra idade. Estamos cercados: senso comum, indústria cultural e materiais didáticos que, dentre tantos outros fatores, são as ferramentas ideológicas que o Estado usa para definir quem somos – ou quem não somos, na verdade. Para romper com tudo isso, é preciso que estejamos dispostos a deixar de lado estas narrativas ocidentais.
Ao iniciarmos nossa vida escolar, é-nos apresentado um modelo quinhentista dos nossos povos, que são assim retratados: de cocar, vestimentas de palha, arco e flecha, moradia em ocas e preguiçosos. Um protótipo de indígena fabricado de forma homogênea e em grande escala. Padrão toma as mais variadas formas, contribuindo para o nosso etnocídio. Se não seguimos esse modelo, não somos mais “índio”.
Quando pensamos nas práticas educativas atuais, não vemos a efetividade da Lei 11645/08, que remete ao ensino das histórias e culturas afro-brasileiras e indígenas em salas de aula. As escolas ainda trabalham o dia do “índio”, no Dia 19 de Abril, confeccionando cocares de cartolina e pintando os rostos de tinta guache, ao som da “Rainha dos baixinhos”. A invasão colonizadora e as degradações étnicas, culturais e ambientais são questões sufocadas pela narrativa de um Brasil que foi “descoberto” pelos portugueses. Estamos em 2021 e os livros de História ainda apresentam indígenas de forma genérica e como canibais.
O imaginário coletivo segue sendo alimentado pela indústria cultural, que vem colaborando com a estereotipação de nossos povos, por meio das produções idealizadas por pessoas não indígenas. O personagem indígena do desenho Pica-pau, dos filmes Western, ou mesmo da novela global Uga Uga, engessa-se em uma condição de bárbaro, selvagem e sem inteligência,
Com a crescente produção de materiais culturais, percebemos nossos lugares de fala sendo ocupados por pessoas que estão se aproveitando de nossos contextos e lutas para se autopromoverem. A elite cultural jamais cederá espaço para os povos subalternizados, porque é mais fácil ganhar méritos sobre nós que deixar espaço para nós protagonizarmos.
O direito às terras restringido e a falta de efetividade nas políticas públicas para nossos povos, são consequências dos velhos discursos colonizadores, que têm sido injetados na sociedade há tempos. À medida que desinformações são reproduzidas, as nossas transformações culturais perdem compreensão e visibilidade, ocasionando todo esse etnocídio.
Nesse cenário, a elite branca é a principal beneficiada com uma política em prol de progresso e desenvolvimento, que vem exterminando nossos povos e nossos biomas de cima para baixo para assegurar seus interesses: garimpagem, queimadas, desmatamentos, especulação imobiliária e outros ataques que estão em curso. Isso vem atingir em cheio às (bio) diversidades existentes.
Apesar das críticas ao ensino, a educação ainda é o caminho para disseminar outra perspectiva. É preciso ter um olhar pluriversal de narrativas para que seja rompida a invisibilidade pelas ideologias colonizadoras que vem acontecendo ao longo dos séculos.
*Fábio de Oliveira (Ta’angahara) 34 anos, nasceu em Natal/RN e é indígena em contexto urbano de origem Tapuia. Possui bacharelado em Audiovisual pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e já trabalhou em diversas funções em documentários produzidos no Rio Grande do Norte. É fotógrafo, videomaker e documentarista da Odara Produtora; coordenador de comunicação do sítio histórico e ecológico Gamboa do Jaguaribe; primeiro colunista indígena do portal Potiguar Notícias e diretor do podcast Ecos do Jaguaribe. É militante das questões indígena e ambiental.
A coluna Diversidades é quinzenal, publicada às segundas-feiras. Leia, opine, compartilhe e curta. Use a hashtag #Diversidades. Estamos no Facebook (nossaciencia), Twitter (nossaciencia), Instagram (nossaciencia) e temos email (redacao@nossaciencia.com.br).
Leia a coluna anterior: É possível cicatrizar as feridas do racismo?
“Epistemologias Subalternas e Comunicação – desCom é um grupo de estudos e projeto de pesquisa do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte”.
Deixe um comentário