Acompanhe a segunda parte do texto do professor Maxwell Morais Filho, da UFAL, sobre Filosofia & Evolução
Dando continuidade ao texto do Professor Adjunto da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) Maxwell Morais de Lima Filho sobre Filosofia & Evolução publicado originalmente na Coluna Anpof, apresentamos a segunda parte.
Essa evolução biológica teria ocorrido também com a nossa espécie, ou ela teria se limitado a cajueiros, a moscas, a ratos etc? Apesar da tímida alusão à espécie humana no final d’A Origem das Espécies, Darwin já estava plenamente ciente de que somos abarcados pelo processo evolutivo desde o seu convencimento da falsidade do fixismo, por volta de 1837 ou 1838. Porém, o tratamento detalhado desse controverso tópico só viria com a publicação do livro A Origem do Homem e a Seleção Sexual (1871), que pretendia demonstrar que descendemos de formas ancestrais e, mais especificamente, sustentar que os nossos mais notáveis atributos são esclarecidos pela ótica da seleção natural: a colossal diferença das faculdades humanas em relação às dos outros animais não constituiria um impedimento para abordá-las naturalisticamente.
Mesmo que vários dos assuntos tratados por Darwin não fossem “novos”, não é raro que seu pensamento seja considerado um ponto de inflexão dentro das discussões biológicas e da cultura em geral. Dentre tantos outros, sua abordagem natural da cultura e do comportamento humano influenciou o zoólogo queniano Richard Dawkins, que conquistou fama mundial ao publicar sua obra O Gene Egoísta (1976). Depois de argumentar longamente nesse livro que o gene seria a unidade sobre a qual atua a seleção natural, o biólogo queniano advoga que a nossa distinção essencial perante o restante da natureza se encontra na cultura. Consoante Dawkins, há uma correspondência entre a transmissão genética e a nossa disseminação cultural: assim como a evolução biológica resulta da sobrevivência diferencial de fragmentos de DNA (genes), a evolução cultural se daria pela persistência de replicadores culturais (memes) exitosos.
Os memes (do grego, mímesis) englobariam ações como as que seguimos para preparar um bolo, para executar uma partitura musical ou para casar diante de um padre. Para o biólogo nairobiano, poderíamos explicar naturalisticamente a ideia de Deus – a qual teria se originado em incontáveis circunstâncias durante a história – como um replicador cultural que se propaga por sons, palavras, músicas e pinturas, enfim, “saltando” entre cérebros, ondas mecânicas e fibras vegetais. Em escritos posteriores, ele sustenta que o meme Deus é semelhante aos vírus biológicos no sentido de que o replicador cultural parasita o cérebro para se propagar de modo análogo ao uso que o vírus faz do aparato celular para produzir cópias de si. Dawkins assevera que, por serem depósitos de falsos e prejudiciais memes, o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo deveriam ser combatidos com a mesma obstinação que usamos para enfrentar as pandemias viróticas. O legítimo e mais eficaz antídoto para cortar esse mal pela raiz seria o conhecimento científico.
Pensa de modo bem diverso outro sucessor de Darwin, o paleontólogo estadunidense Stephen Jay Gould. Em seu livro Pilares do Tempo (1999), ele discorda veementemente de que a relação entre Religião e Ciência seja conflituosa, haja vista que o magistério religioso zelaria pelo horizonte ético e o magistério científico estaria restrito ao contexto factual: enquanto as questões religiosas se debruçariam sobre os valores morais e o sentido da vida, as inquirições científicas se voltariam para a constituição e o funcionamento do Universo.
Por conta disso, Gould afirma que os conflitos que presenciamos tão frequentemente não passariam de mal-entendidos, seja daqueles religiosos que se baseiam em uma interpretação literal bíblica para afiançar que o Universo surgiu há poucos milhares de anos, seja daqueles cientistas que sentenciam que o conhecimento factual evolutivo é incompatível com a existência do sobrenatural (como é o caso da posição de Dawkins). Portanto, argumenta o paleontólogo estadunidense, seria imprescindível que religiosos e cientistas cumprissem o princípio de não interferência a fim de resguardarem um convívio respeitoso.
A análise pormenorizada dos divergentes modos como Dawkins e Gould veem o relacionamento entre Religião e Ciência excede o nosso presente objetivo, mas gostaríamos de apontar brevemente que alguns biólogos de primeira grandeza não professaram o ateísmo, como foi o caso de Alfred Russel Wallace, Thomas Huxley, Theodosius Dobzhansky e – por que não o incluir? – Stephen Jay Gould. Em realidade, o próprio Darwin escreveu o seguinte: “Jamais foi a minha intenção escrever como umateu. […] Sinto, no mais íntimo de meu ser, que todo esse assunto é profundo demais para o intelecto humano”.
Finalmente, da perspectiva científica, o argumento teleológico de Paley cai por terra porque os seres vivos e suas estruturas são bem explanados naturalisticamente pela abordagem darwinista. Contudo, o naturalismo metodológico dessa abordagem não implica necessariamente que só existem entidades naturais. Isso quer dizer que o debate acerca do naturalismo metafísico e da existência de Deus passa ao largo das teorias científicas, sendo de competência dos filósofos.
Maxwell Morais de Lima Filho é Professor do Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Artes da Universidade Federal de Alagoas, coordenador do Programa de Residência Pedagógica do Curso de Filosofia, co-coordenador do Grupo de Estudos Sobre Evolução Biológica, integrante do Grupo de Pesquisa Linguagem e Cognição, do Grupo Subjetividade no Pensamento Contemporâneo e do Grupo de Pesquisa em Filosofia da Religião.
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Leia o texto anterior: Deus & Darwin – Parte 1
Thiago Jucá é biólogo, doutor em Bioquímica de Plantas e empregado da Petrobrás.
Thiago Jucá
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