Helinando Oliveira fala que a falta de financiamento público já deixa marcas profundas nos laboratórios de todo o país
Há alguns anos atrás, CsF (Ciência sem Fronteiras) representava uma possibilidade de estágio no exterior, uma oportunidade para nossos estudantes de graduação e pós-graduação conhecerem a realidade de outros países e fortalecem suas bases na ciência. Em 2018 CsF já significa Ciência sem financiamento, com a escassez de bolsas para nossos estudantes mesmo dentro de nosso país. O teto dos 20 anos para financiamento público já deixa marcas profundas em escala macro e também micro – no laboratório – o chão de fábrica, a célula básica da ciência.
A tragédia recente no Museu Nacional mostrou o quão irreversível pode ser a política de desprezo aplicada ao patrimônio nacional – material e intelectual.
Em escala macro – no Museu Nacional, por exemplo, as perdas são irreparáveis. Elas também começam a ser dentro de cada centro de pesquisa pelo país. São chagas profundas escondidas sob paredes caiadas prestes a cair.
E no chão de fábrica – no laboratório nosso de cada dia – é impossível não detectar as marcas desta política de desmonte da produção do conhecimento no país. Os estudantes temem pelo corte de bolsas. Sem elas, deixaremos de ter os pós-graduandos com dedicação exclusiva. Eles precisarão ter emprego fora e o tempo para pesquisa será muito menor, pois a atividade em laboratório passa a ser secundária.
Para os professores, o gerenciamento do laboratório vem se tornando cada vez mais complexo. As máquinas quebram e não há dinheiro para a manutenção. Os reagentes acabam e não há reposição… O básico também acaba. E para que os projetos não morram, os pesquisadores passam a tirar recursos do próprio bolso. Além de ser segunda família, o laboratório passa a consumir parcela do salário defasado pela inflação. E de repente, nós pesquisadores, estamos financiando o nosso próprio trabalho – “pagando para trabalhar”.
É evidente que este autofinanciamento é apenas uma estratégia desesperada para não assumir o óbvio: a ciência no Brasil foi ferida mortalmente.
No entanto, os leitores adeptos ao deus mercado podem questionar: e por que não buscar financiamento no mercado?
A resposta é direta, e neste ponto vale a pena ressaltar: mesmo nas grandes nações produtoras de conhecimento, o Estado é fomentador primário das pesquisas – seja ele (nominalmente) ou as forças armadas. As empresas financiam pesquisas de interesse para melhoria de produtos e/ou processos.
Em termos da realidade brasileira, o próprio mercado é extremamente dependente do Estado, seja pelo perdão de dívidas ou pela oferta de serviços às Estatais.
Atribuir que a sobrevida da ciência brasileira esteja nas mãos da iniciativa privada é assegurar que de fato fecharemos as portas antes do que os mais pessimistas imaginam.
O mercado quer lucro, quer sobreviver à crise. Ele é o afogado que pede socorro ao outro que também está se afogando.
Mas, afinal, nesta terrível crise criada, de onde virá o dinheiro para salvar a ciência?
Evidentemente que virá de nossas riquezas. Isso quer dizer que não podemos seguir nesta sequência de privatizações das estatais que dão lucro. A ciência brasileira precisa dos recursos do pré-sal, do Aquífero Guarani, da nossa energia, dos nossos aviões. O Brasil precisa acreditar na soberania de um povo. Sim, somos um país rico, podemos sobreviver.
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Leia o texto anterior: Uma gigante chamada Katherine Johnson
Helinando Oliveira é Professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) desde 2004 e coordenador do Laboratório de Espectroscopia de Impedância e Materiais Orgânicos (LEIMO).
Helinando Oliveira
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