Criando spin-offs a partir de virtual twins Disruptiva

quarta-feira, 20 março 2019

Houston, we have had a problem here! Inspirado na frase que ficou famosa em 1970 com a Apollo 13, o professor Gláucio Brandão dá uma aula de empreendedorismo inovador

Ok Gláucio-San: já não é lá ler um romance o que você escreve, mas “você num tá exagerando muito no inglês não, brô?”. Pois é, deixei no original por três motivos. O segundo por que o inglês é o esperanto da tecnologia. Não há como to escape. O primeiro motivo é que esta frase ficou famosa demais para matar sua beleza tirando-a de seu espaço-tempo. Tempo: abril de 1970. Espaço, o próprio Espaço: a Apollo 13. “Kkkkk: quero ver como você vai relacionar tudo isso ao empreendedorismo inovador!!!”. Vou forçar então.

Quando a Apollo 13 foi lançada naquela manhã, ninguém imaginaria que os astronautas John Swigert, James Lovell e Fred Haise, estariam logo lutando por suas vidas quando um dos tanques de oxigênio explodira dois dias depois. A frase de Swigert deu início a um dos mais dramáticos e inusitados resgates que se tem registro na história: como salvar os astronautas a mais de 200.000 milhas de distância, com os poucos recursos existentes na nave e em condições de extrema incerteza? Opa, já temos coisas parecidas com uma startup aqui: pequena equipe, baixos recursos e extrema incerteza. Portanto, não estou “viajando” tanto em minha analogia. Agora, vamos à questão do virtual twins, ou gêmeos virtuais.

Apollo 13 com o tanque de oxigênio explodido. Foto: Enciclopédia Britânica

Rapidamente, os “caras” lá em cima descobriram que precisariam criar oxigênio. Mas, de onde? Sendo cientistas e empreendedores (dei uma forçada aqui), sabiam (conhecimento is power!) que o gás carbônico emitido por eles, o CO2, continha oxigênio, O2. Eis a fonte! Agora, a mãe de todas as broncas: como extraí-lo?

Compreendido o contexto da nave e os recursos lá existentes (vou chamar de Mercado), o chefe da missão teve uma ideia e decidiu por um plano pra lá de estressante (não mais do que o que os astronautas estavam passando, claro) de modo a simular as condições da Apollo 13 no espaço: pediu – forma eufemística de dizer ordenou – que todos da equipe em terra recolhessem apenas materiais semelhantes aos que estavam disponíveis no interior da Apollo 13 e trouxessem para o controle da missão. Feito isso, diz a lenda e o filme, trancou todos na sala e determinou: “só sairemos daqui quando resolvermos o problema dos caras lá em cima”, nossos clientes (estou passando do limite das analogias)! A galera da engenharia criou então o gêmeo virtual, o virtual twin, do interior da Apollo 13.

O resultado: utilizando materiais semelhantes aos do interior da Apollo 13, os engenheiros conseguiram improvisar um purificador de ar em terra e instruíram os astronautas de como fazê-lo remotamente. Quatro dias depois, os astronautas estavam em terra, dando a Tom Hanks a chance de faturar o Screen Actors Guild de 1996.

Essa experiência de simulação funcional de um contexto para realização de testes deu início aos processos de emulação pela NASA, logo acompanhada por várias empresas no mundo. Para nosso caso, o virtual twin pode ser chamado de MVP . Esse conceito, se bem utilizado pelas empresas e startups, pode reduzir imensamente as possíveis falhas de produtos e processos antes de serem, literalmente, lançados, reduzindo os custos imensamente e simulando situações imprevisíveis a priori. Agora me respondam: faz sentido a expressão virtual twin do título? Vamos justificar o spin-off então.

Virtual twins: Os engenheiros da Nasa se reuniram e encontraram a solução para salvar os astronautas da Apollo 13.

Contando um case: o virtual twin de uma empresa de informática

Quem me conhece sabe o quanto sou averso a cases. Cases são únicos, acontecem em contextos específicos de tempo e pessoas. Muitas vezes, as tentativas de cópia levam à frustrações que podem desestimular até as mentes mais férteis. Mas, como minha escrita é sempre baseada em experiências passadas – nenhuma referência à mediunidade, e suposições futuras, vou relatar esse fato ocorrido quando estava na coordenação de um processo de incubação em escola privada nos idos de 2004, o MEV.

Naquela ocasião, a empresa de informática comercial, a qual chamarei de INFOCOM, precisava aumentar a venda de seus aplicativos desktop, pois estava sofrendo uma retração galopante no Mercado devido ao crescimento das plataformas em rede, as pontocom. Um estudante nosso, que também trabalhava na INFOCOM, veio ao meu encontro e perguntou se poderia ajudá-lo. Avaliando o caso, fiz uma sugestão simples e, de certo modo, óbvia: por que vocês também não migram para o WEB? E a resposta dele foi: “Não temos ‘perna’, professor!”.

Comovido com o caso e já tendo a experiência do MEV, passei alguns dias em estado de serendipidade, e, depois disto, fui ter com o CEO da INFOCOM já com uma proposta em mãos: montar uma equipe para desenvolvimento de app’s pontocom espelhados nos app’s para desktop da INFOCOM. A ideia era transplantar o portfólio da INFOCOM do HD de seus desktops para a WEB, fazendo com que o cliente interessado pudesse baixar um clone de qualquer app diretamente no seu PC, pagando apenas a licença, ao invés de instalar uma cópia do programa via CD. O conceito de nuvem, como temos hoje, estava distante, bem lá no céu.

A nova equipe seria composta por dois estudantes da FTC-Feira de Santana, cujas informações seriam passadas pelo estudante comum à INFOCOM e à FTC. Este estudante seria o único elo de ligação entre a INFOCOM e a equipe assim montada, de modo a não termos “contaminação tecnológica” entre as partes. A ideia era criar algo totalmente novo, sem os vícios de origem da gêmea “mais velha”. Vou chamar este processo de abordagem em caixa preta, uma vez que se preservam todas as informações restritas da empresa original e da nascente. À nova empresa “gêmea” demos o nome de INFOCOM-II. O ganho para os estudantes aconteceria em forma estágio remunerado, com valor de Mercado pago pela INFOCOM. Acertados os detalhes, o “cabra” topou!

Seis meses depois, uma feliz bronca: a INFOCOM-II, com a nova tecnologia, começou a faturar mais do que a sua contraparte, o que levou à insubordinação por parte de seus componentes e uma tentativa de “motim” contra o capitão da INFOCOM, isso tudo acontecendo na própria faculdade. Conseguimos intervir: a empresa original contratou os dois “rebeldes” da INFOCOM-II, por um valor “maiorzinho”, e foi absorvida pela mais velha. Até onde eu saiba, continuam no Mercado.

Tive um caso de virtual twins em minhas mãos mas, como não dou muita bola para artigos, a coisa não foi parar no Lattes. Porém, está respirando por conta própria.

Eu e eu mesmo

Laboratório de virtual twins: a Universidade gerando spin-offs alinhados ao Mercado

Quinze anos depois, eis que me encontro aqui com uma proposta em mente: a Universidade não poderia fazer disto um processo de extensão inovadora?

Vejamos a sequência

  • Empresa convida Universidade para apresentar “seu” problema.
  • Universidade “entende” problema de Empresa.
  • Universidade, com contrato e protocolos bem desenhados, cria Virtual Twin (VT) em laboratório de extensão inovadora.
  • O VT, composto por estudantes do laboratório, orientados pelo elo, implementa n soluções para aquele problema, e as entrega a Empresa. O sigilo das ações de Empresa e Universidade fica mantido, já que a abordagem é de caixa preta.
  • Empresa testa solução e, de acordo com resultado, adota-a ou reconsidera-a, voltando ao passo anterior.
  • Fim de processo, Empresa ganha uma nova solução e Universidade fica síncrona com o Mercado. Universidade com mais uma fonte de recurso. Empresa com mais fontes de invenção e de pessoal qualificado. Estudantes e Professores treinados e atualizados. Ranço de Empresa mitigado.

Claro que todo processo deve ser mantido por meio de trocas de recursos: financeiros e humanos. Existem inúmeros dispositivos legais já desenvolvidos para isso.

Ao processo de fazer brotar um “ser” de suas instalações dá-se o nome de spin-off, ou derivagem, um empreendimento que nasce de um maior. A Universidade deveria ser um celeiro de spin-offs… As soluções poderiam ser transferidas ou a spin-off gerada poderia vir a ser uma empresa terceirizada etc. Spin-offs geradas por processo de gêmeo virtual.

Voltando ao problema da Apollo 13, agora fica patente que a Universidade tem condições plenas de “improvisar” soluções ávidas pelas empresas. Temos a Ciência à nosso lado. Os professores podem tornar as tarefas mais interessantes, já que seriam providas pelo próprio Mercado. No caso da nave, a solução estava no próprio contexto, no próprio Mercado. Teve só de ser achada com a ajuda de muita criatividade! A isso chamamos de empreendedorismo inovador: o ato de, baseado em seu próprio conhecimento, escolher a melhor ferramenta para determinada implementação! Temos, Universidade, chance de errar sem comprometer nossos empregos. “Fast fail, succeed faster!”, diria a abordagem Lean. Posso estar sonhando…

Seria muito massa ouvir na Academia, “Houston: we do not have a problem anymore!”.

Fechando…

Pensaram que eu havia esquecido o terceiro motivo sobre o título, num foi? Ei-lo: ficaria pouco atraente (ou mesmo ridículo) um texto com o título “Criando derivações a partir de gêmeos virtuais”. Sinceramente, vocês não leriam…

A coluna Empreendedorismo Inovador é atualizada às quartas-feiras. Gostou da coluna? Do assunto? Quer sugerir algum tema? Queremos saber sua opinião. Estamos no Facebook (nossaciencia), Twitter (nossaciencia), Instagram (nossaciencia) e temos email (redacao@nossaciencia.com.br). Use a hashtag #EmpreendedorismoInovador.

Leia a edição anterior: Inovação: conceito que a Universidade não compreendeu ainda

Gláucio Brandão é gerente executivo da inPACTA, incubadora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Gláucio Brandão

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