Covid-19: o outro formulário Disruptiva

quarta-feira, 8 abril 2020

O Brasil precisa entrar em ritmo de startup para superar bem esta crise: construir-medir-aprender

O Brasil precisa entrar em ritmo de startup para superar bem esta crise: construir-medir-aprender. E aí, observando as chamadas do tipo “O que ninguém sabe ainda sobre o COVID-19” me veio o contraponto à mente, “O que ninguém ainda perguntou sobre o COVID-19”. Então ocorreu-me que sempre validamos projetos de inovação via formulários, pois só saberemos algo se perguntarmos.

Uma grande amiga lá da FIERN – a qual não posso revelar o nome -, fala que algumas vezes (na verdade, muitas) me comporto como o “arauto do contrário”, dizendo que sempre toco no que ninguém toca, ou, em verdade, não quer tocar. Levo isso para o lado positivo, pois já se tornou um processo próprio de análise, dada à introjecção em meu mindset da TRIZ, Teoria para Resolução de Problemas inventivos, cujo cerne pode ser apresentado da seguinte forma: “dada uma questão, encontre seu oposto e crie uma contradição. A saída será sempre um processo inovador”. Por conseguinte, posso escrever então seu corolário: “não aprendo nada com quem concorda comigo; busque então quem se opõe a você ou ‘crie’ esse alguém”. Parece um papo meio esquizofrênico, mas tem dado certo. Atribuí Feynman a meu ego, por ser mais físico, e Popper a meu alter ego, mais filosófico. Esquizóides F&P criados!

Na linha pandêmica, elaborei três artigos: uma ferramenta auxiliar na tomada de decisões, falei sobre o paradigma vital vírus x economia e, por último, sugeri que nossa dificuldade de focar como um time em prol de efetividade deve-se aos nossos vieses “atrapalhantes”.

Levando em conta os dizeres de minha amiga da FIERN, ativei meu “arautismo” por meio de F&P para criar minhas hipóteses de contradição. Como sempre parto do princípio de que toda escolha é binária – portanto tem dois lados -, pensei em bolar uma solução para esse momento. Já que começo validações via formulários, “futuquei” exatamente aí e encontrei a parte mais frágil de tudo, em torno da qual todas as estratégias estão sendo montadas: “os malditos formulários…”, continuei, “…estão enviesados!”. Como assim GBB-San, qual teoria conspiratória estás a acrescentar às “poucas” que já existem, brother do contrário?

Pois bem: é nesse vespeiro que vamos nos meter hoje.

Feynman & Popper: natureza & necessidades humanas

Voltei aos três papiros e comecei a analisar o que havia escrito sobre nosso contexto pandêmico, deixando Feynman cuidar do COVID-19 e Popper dos estragos econômicos. Não que eu quisesse escrever tanto sobre isto, pois o tema está longe de ser agradável. Porém, exatamente por causa dos nossos vieses, não há clima para outros assuntos.

A intenção dessa trilogia era sugerir uma ferramenta, fomentar uma inteligência coletiva e depois atribuí-la a um corpo único. No quarto artigo, que deveria ser o de hoje, proporia uma solução para o imbróglio contaminação x desemprego made in Brazil, baseada nas inúmeras análises já produzidas pela comunidade mundial, para a qual sacaria da minha caixa de ferramentas (1) o Scrum, (2) a Teoria das Restrições, (3) algumas simulações em SILAB, (4) a Teoria dos Jogos, (5) a TRIZ e (6) inúmeros formulários COVID-19 criados para aferir o estado de saúde populacional, os quais visam planejamento e tomada de decisões.

“E por quê não apresentasse a solução ainda, GBB-San; o que te impede de fazê-la?”. E Popper se antecipa a mim e responde: “O formulário sobre o estado de saúde tem de ser geral, não só físico!”. E argumenta: “Se o outrora impasse nacional – que já envolve desobediência civil, toques de recolher e conspirações sobre queda de reinos – tem por base ficar em casa e/ou contaminar pessoas e/ou desemprego, onde estão as perguntas sobre a dimensão mental? Como podemos elaborar uma solução bilateral envolvendo apenas um lado, o vírus? E a outra parte, a sobrevivência? Essa parte opera a saúde mental, tão importante quanto à saúde física atual, pois a vida é um contínuo em um pré-durante-pós-COVID”.

Achando pouco, Popper aciona outro raio em minha cabeça: “Como podes sugerir algo baseado em uma coleta de dados corrompida, incompleta, enviesada? Estarias induzindo pessoas ao erro, como faz vossa mídia estranha*!”. E aí Feynman entra: “Longe de mim querer te ludibriar, GBB-San. Porém, olhando por este prisma, Popper pode estar certo!”.

Fim da discussão e o consenso: temos que escrever e enviar à população um outro formulário, antes que aqueles unilaterais fiquem mais densos e perigosos. Vivemos em um tempo em que a massificação é o principal critério da mídia estranha para tornar ilações verdades incontestes.

*Nota. Mídia estranha refere-se àquele tipo de veículo de comunicação que, em meio a uma pandemia, preocupa-se em medir popularidade de políticos, transformar apresentadores e artistas em especialistas, divulgar quaisquer piores resultados e sugerir, ao mesmo tempo, ações antagônicas à população e aos dirigentes. Evitem estes desserviços!

Teoria dos Jogos

Mané Garrincha

Diz a lenda que este episódio aconteceu na Copa de 1958, entre um grande jogador brasileiro, Mané Garrincha, e o técnico Vicente Feola, durante a exposição de sua estratégia: 

“No meio de campo, Nilson Santos, Zito e Didi trocariam passes curtos para atrair a atenção dos russos… Vavá puxaria a marcação da defesa deles caindo para o lado esquerdo do campo… Depois da troca de passes no meio do campo, repentinamente a bola seria lançada por Nilton Santos nas costas do marcador de Garrincha. Garrincha venceria facilmente seu marcador na corrida e com a bola dominada iria até à área do adversário, sempre pela direita, e ao chegar à linha de fundo cruzaria a bola na direção da marca de pênalti; Mazzola viria de frente em grande velocidade já sabendo onde a bola seria lançada… e faria o gol!”

Garrincha, com a camisa jogada no ombro, ouvira sem muito interesse a preleção, e em sua natural simplicidade perguntara ao técnico: “Tá legal, seu Feola… mas o senhor já combinou tudo isso com os russos?”. Garrincha sacava da Teoria dos Jogos!

Teoria dos Jogos – TJ

Impasse implica em jogo, oponentes, comportamento estratégico, ganhos e perdas.  Sem querer discorrer sobre toda TJ, vou direto a um de seus mais importantes resultados matematicamente provado: “o da impotência de dois jogadores racionais escolherem algo que beneficie a ambos sem combinação prévia!”. Trocando em miúdos, em qualquer situação que envolva pessoas em comportamentos estratégicos, o melhor resultado nascerá da cooperação de ambos.

Nosso país tem 5.571 municípios e 210 milhões de habitantes, aproximadamente. Pra conta ficar simples, consideremos 01 presidente e 27 governadores. Chegamos a 5.599 chefes de Executivo. Isso representa 0,0027% do total de habitantes. Muito desse pessoal não demonstra eficiência administrativa em tempos ordinários – imaginem em um tempo extraordinário? -, além de terem interesses questionáveis. Somo ainda o fato de serem pessoas normais. Não preciso falar dos interesses políticos dessa turma aí. O problema é que nós somos os “russos” que Mané falou. Sem uma combinação prévia, somos apenas alvo sabe-se lá do que ou de quem. Faz-se consultas relâmpagos online para tudo hoje: sobre quem vai pra paredinha, quem fica no fazendão; quem vai subir ou descer para série Z, com o quê Ronaldinho tá envolvido etc. etc. etc., mas não nos consultam dignamente sobre o óbvio: nossas vidas. Nós, os russos, precisamos ser consultados, pois fazemos parte desse jogo. É um problema muito sério para ficar apenas na mão de poucos.

Sob o exposto, pergunta-se então: como em uma situação de jogo podem-se beneficiar ambas as partes – vou usar o nós e eles -, se apenas uma visão é considerada? Essa conta está desequilibrada. O jogador “minoria executiva” é o único consultado. Está dando errado; pessoas estão morrendo ou matando, mas apenas do nosso lado.

Consultado os “russos”: o outro formulário!

Em tempos de COVID-19, recebi alguns forms. Todos unilaterais. Questionam sobre comorbidades, idade, deslocamentos, atual estado de saúde etc. Descobri também que 90% dos estados ainda não divulgaram dados suficientes para respaldar qualquer ação nessa pandemia. Resumo da ópera: estamos, literalmente, perdidos! Se queremos que o jogo seja justo e dê menos errado, é necessário incluir as questões de saúde que Popper levantou, além das convencionais já levantadas por Feynman. Vamos ao vespeiro de ideias:

  • Você foi dispensado, sua empresa fechou ou vai ter de fechar a empresa? Dirige ONG, algum centro de apoio à vulneráveis (idosos, pessoas de rua, creche etc.)?
  • É funcionário público? CLT? Empreendedor informal, formal, autônomo? É estrangeiro em situação irregular? É caminhoneiro, motoboy, frentista, mecânico, embalador etc.? É policial, bombeiro, da saúde, limpeza urbana, farmácia, supermercado?
  • Alguém pode te dar suporte? Você tem condições de ajudar alguém?
  • Algum vulnerável ao COVID-19 depende de seu trabalho? Como pretende sustentar esse vulnerável pelos próximos 30 dias?
  • Quanto do percentual de sua renda média você ainda tem? Vai receber algum dinheiro ainda? Você terá de pagar rescisões por motivo das demissões?
  • Caso tenha dinheiro, até quando você sobrevive sem desespero? Fará o quê depois?
  • Possui alimentos em casa? Tem conta no mercadinho do bairro?
  • Soube de algum saque a mercadinho, loja, casa etc., perto de você?
  • Qual seu nível de estresse atual? Você tem algum tipo de transtorno: ansiedade, depressão, esquizofrenia, dependência química etc.?
  • Você possui funcionário (empregado doméstico, cuidador, porteiro etc.) que está trabalhando em prol de seu bem-estar? Foi dispensado? Essa pessoa tem família? Como ela chega ao local de trabalho? Você acha que qualquer vida tem importância?
  • Confia nos relatos de especialistas em epidemias, apresentadores ou de políticos?
  • Acha que seu representante está conduzindo sua região de forma sensata nessa crise?
  • Sabe do que se trata lockdown (isolamento) horizontal ou vertical? Conhece resultados positivos/negativos dessas estratégias? Sabe o que é imunidade de rebanho?
  • Acha que o tempo já foi suficiente para que órgãos oficiais aprendessem com experiências mundo afora e aplicassem aqui ações semelhantes, respeitando cada contexto de densidade populacional, cultura etc.?
  • Passado o COVID-19, você acha que retornará ao trabalho anterior?
  • Prefere ficar parado ou voltar ao trabalho seguindo as regras de segurança?

Finalizando

“Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas. Se você se conhece mas não conhece o inimigo, para cada vitória ganha sofrerá também uma derrota. Se você não conhece nem o inimigo nem a si mesmo, perderá todas as batalhas…” – Sun Tzu

Um bom gestor é em si uma ferramenta ou conhece sua limitação e busca ferramentas. É necessária a visão completa do campo de batalha. Com isso, decisões sobre tempo, frequência, local e tipo de lockdown a se aplicar tomaria outro rumo. Economia é produção. Economia é distribuição. Economia é Saúde. Economia é vida. Não há como separar essas coisas.

Referências:

Estratégia de Vicente Feola

TJ – Teoria dos Jogos

O Globo – Estados não divulgaram dados suficientes para monitorar a pandemia no Brasil, diz estudo

A coluna Empreendedorismo Inovador é atualizada às quartas-feiras. Gostou da coluna? Do assunto? Quer sugerir algum tema? Queremos saber sua opinião. Estamos no Facebook (nossaciencia), Twitter (nossaciencia), Instagram (nossaciencia) e temos email (redacao@nossaciencia.com.br). Use a hashtag #EmpreendedorismoInovador.

Leia a edição anterior: Lockdown: vieses e o RN contra o corona

Gláucio Brandão é gerente executivo da inPACTA, incubadora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Gláucio Brandão

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Site desenvolvido pela Interativa Digital