Os combustíveis criados pela fotossíntese artificial prometem revolucionar a reciclagem de dióxido de carbono
Uma das coisas mais fascinantes para aqueles que conhecem o sertão nordestino é a belíssima paisagem que surge após as primeiras chuvas. Até mesmo a vegetação seca da Caatinga, incrivelmente adaptada ao sol forte e inclemente, proporciona um vislumbramento que, embora contrastante com a época chuvosa, ainda assim desperta admiração por sua beleza peculiar. É difícil imaginar que tanta energia, vinda de um sol escaldante, possa ser canalizada por estas plantas e, no final, por meio de um mecanismo tão sofisticado – a fotossíntese – convertido no combustível que as plantas necessitam. Sem sombra de dúvidas, o processo em sí, mesmo que compreendido da maneira mais simplória – a radiação que atinge as folhas nos mais variados comprimentos de onda, a oxidação da água em oxigênio e a conversão do dióxido de carbono em moléculas orgânicas – é extraordinário.
Há tempos, esse mecanismo tem despertado interesse científico, no intuito de realizarmos a fotossíntese artificial. Para tanto, vislumbra-se bem mais do que a imitação do que ocorre na natureza. Na verdade, abre-se a perspectiva, por exemplo, de gerar um combustível líquido e sustentável diretamente do sol. Ou seja, no futuro, a síntese de moléculas orgânicas utilizando a luz, outrora associada exclusivamente à fotossíntese natural poderá vir a ser sinônimo de combustível solar. Para muitos, pode parecer uma realidade ainda distante. Quem sabe até ideia de ficção científica. Mas quem sabe!
Ainda na década de 70, mais precisamente em 1978, a revista Science publicou na secção Research News um artigo intitulado “Capturando a energia solar: a revolução no desenvolvimento de coletores”. Neste texto, a revista americana chamava a atenção para o entusiasmo que havia se instalado por conta do aperfeiçoamento daquele equipamento, tido como o mais característico, na época, da captação da energia solar – os coletores. Desde então, essa tecnologia consolida-se a cada dia. Um exemplo disso é que em 2011, em um título muito sugestivo “Luz solar no seu tanque – logo”, a Science noticiou a utilização da energia solar para quebrar as ligações químicas necessárias para produzir hidrocarbonetos, como metano gasoso e metanol líquido – um dos hidrocarbonetos mais simples – a partir de dióxido de carbono e água.
Os avanços dessa tecnologia suscitaram no ano de 2015, também na Science, o título da seguinte matéria: “Há muito dióxido de carbono no ar. Por que não transformá-lo em combustível?” Ainda de acordo com o texto seria a realização de um sonho, a perspectiva de, um dia, gerar combustíveis utilizados no transporte a partir da luz solar, do ar e da água. Isso ainda livraria a atmosfera de parte do CO2 que o nosso vício na matriz de origem fóssil já despejou. Porém, a curto prazo, as expectativas quanto à materialização desse sonho não dependem apenas dos avanços da ciência básica e da tecnologia. Esbarra-se na vontade política, nos interesses econômicos e nas questões geopolíticas. Além de ter a extração barata, quando comparado às outras fontes, o petróleo é estratégico, o que lhe torna o alvo predileto de políticas de mercado que atendam aos interesses de uma minoria hegemônica. Estes, por sua vez, utilizam essa commodity para ameaçar e sobrepujar a soberania de outras nações. Por tudo isso, falta interesse político no desenvolvimento de outros combustíveis que não tenham origem no petróleo. O caso mais emblemático de adoção dessa postura está personificado na figura do presidente Donald Trump.
Já em 2016, a Science tratou de noticiar o enorme avanço na tecnologia de produção de combustíveis líquidos. Este aperfeiçoamento ocorreu por meio da utilização de painéis solares associados a microrganismos. Graças a esses organismos e à engenharia genética, esses dispositivos híbridos puderam converter de maneira mais eficiente a energia solar capturada e convertê-la em combustíveis líquidos e outros produtos químicos. Ainda de acordo com o texto, esses novos combustíveis poderiam ajudar a superar outro gargalo: o armazenamento de energia renovável. À medida que os sistemas de geração de energia solar e eólica aumentaram a sua capacidade de geração, os pesquisadores começaram a procurar maneiras de armazenar o excesso produzido. Dado os custos das baterias e às dificuldades em armazenar quantidades significativas de energia, os produtos químicos produzidos não só poderiam cumprir seu papel, como também poderiam ser facilmente armazenados em tanques.
Ainda em 2016, a revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) reiterou que os combustíveis criados pela fotossíntese artificial estão cada vez mais próximos da realidade. E que copiar as plantas, utilizando-se como referência três variáveis bem conhecidas (sol + água + dióxido de carbono), seria a melhor maneira de se obter um combustível sustentável. O texto reforça ainda a história de sucesso da energia solar e o mais recente consórcio entre painéis fotovoltaicos e os microrganismos.
Todos esses avanços também só são possíveis graças à utilização de novos catalisadores mais eficientes e baratos que têm contribuído na empreitada de transformar luz solar e dióxido de carbono em combustível. Um estudo de 2017, também na Science noticiou que um novo catalisador químico feito de óxidos de cobre e estanho realizou parte desse processo com eficiência recorde, usando a eletricidade de uma célula solar para dividir o CO2 em monóxido de carbono (CO) e oxigênio. A conversão ainda não é eficiente o suficiente para competir com combustíveis fósseis como a gasolina. Mas traduz um esforço na produção de métodos que gerem quantidades essencialmente ilimitadas de combustíveis líquidos a partir da luz solar, água e CO2.
Em 29 de março de 2018, quarenta anos depois da secção Research News, de 1978, invocando os avanços da captação da energia solar, a revista Science traz à tona um novo entusiasmo. Dessa vez, porém, a revolução não diz respeito apenas à coleta de maneira eficiente da luz solar como informa o título “Cientistas dizem que estamos à beira de uma revolução na reciclagem de dióxido de carbono”. Por isso, não é exagero – dado o contexto atual – falar que as perspectivas quanto a essa nova tecnologia são ainda mais revolucionárias. Nesse aspecto, a fotossíntese não apenas revolucionou a vida do nosso Planeta, como também inspirou de maneira tão impactante quanto, a reciclagem do dióxido de carbono. A consolidação da fotossíntese artificial nos ajudará a superar o maior desafio ambiental coletivo da humanidade: a redução na emissão de CO2. E então, quando isso acontecer, já não será mais ficção e nem sonho, será a realidade, o CO2 tornar-se-á uma forma de armazenar energia renovável, em forma química, por longos períodos de tempo e de maneira estável. Ou seja, o CO2 como portador de energia combustível, em vez de ser apenas uma fonte de poluição. E que seja em breve, pois pelo retrovisor percebe-se que o ritmo da sexta grande extinção está acelerado, portanto, não há tempo a perder!
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Leia o texto anterior: Afinal, estamos sozinhos?
Thiago Jucá
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