Colaborar ou parasitar? Depende do ponto de vista Biologia do Envolvimento

segunda-feira, 4 junho 2018
Imagem: entnemdept.ufl.edu

Também na natureza, nem tudo é o que parece

Quando pensamos nas relações que as espécies desenvolvem na natureza pensamos logo em valores positivos ou negativos. Se uma espécie colabora com a outra é legal, mas se ela parasita a mesma, é ruim. Se ela mata a outra, aí é muito ruim. E geralmente bom pra ela. Mas o que pesquisadores da Unicamp mostraram é que o conceito de relação positiva e negativa pode ser muito mais difícil de definir. Isso é, depende.

O sistema de relações que eles descreveram acontece na Serra do Mar, em São Paulo. Nele, uma besoura entra na flor de uma orquídea, tira o pólen e o coloca na cavidade estigmática. Isso é, ela ativamente produz a auto fertilização da flor. Até aí seria ótimo para a orquídea, que produziria sua próxima geração. O problema é que a besoura também coloca seu ovo dentro da flor e a larva devora o fruto gerado. Os frutos devorados não germinam sementes e a pobre da orquídea não gera seus descendentes. Mas pera aí, que polinizador mequetrefe! Como essa relação foi selecionada se o polinizador é também um herbívoro que não deixa a planta onde crescem seus filhotes se reproduzir? Aí entra um terceiro personagem, as vespas!

Parte das frutas de orquídeas infestadas de larvas de besouros são resgatadas por vespas. Mas o “como” é o mais interessante. Acontece que estas vespas colocam seus ovos dentro das larvas de besouros! Assim, as larvas de besouro são devoradas pelas larvas de vespas crescendo dentro de si. E tudo isso antes do fruto ser devorado, sobrando o suficiente para a germinação das sementes de orquídea. Então, quando a vespa atua, os besouros se dão mal e a orquídea se dá bem.

Imagem: bunyipco.blogspot.com

Mas então, os besouros são maus ou bons para as orquídeas? Depende. O que Carlos Eduardo Nunes e seus colaboradores observaram foi que os besouros aumentam a autofertilização das orquídeas, enquanto somente 13% das flores viram frutos sozinhas, todas as flores visitadas por besouros geram frutos. Mas somente quando vespas colocam seus ovos dentro das larvas de besouro eles se tornam realmente colaboradores. Ao longo dos cinco anos em que eles observaram estas relações, a porcentagem de frutos com larva de besouro que foram também utilizadas como berçários de vespas variou de 7 a 80%. Obviamente o ano de 80% foi melhor para a orquídea. Mas uma redução muito grande na população de besouros também não é bom, causaria uma baixa na fertilidade das flores. Isso é, depende.

Não é incrível? Um besouro pode ser tanto um mutualista em relação à orquídea (quando os dois se beneficiam) ou um parasita (quando um se dá bem em detrimento do outro). Na teoria evolutiva que construímos no século XX, toda a novidade vem das mutações. Mas são exemplos como este que mostram que novas relações podem trazer novidades também. Todas as três espécies mudaram ativamente as pressões seletivas sobre si mesmas. Isso é, elas não são mais passivas em relação à seleção natural. E a metáfora da “seleção do mais forte” pode ser substituída pelo “todos juntos somos fortes”. Ou citando a Lynn Margulis e o Dorion Sagan: “A vida não tomou o globo por combate, mas por networking”

Ah, vale a pena entrar no material suplementar do artigo pra olhar os vídeos. São lindos!

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Leia o texto anterior: Penso com o vírus ARC, logo existimos.

Referências:

Margulis, L; Sagan, D (2001) Marvellous microbes. Resurgence 206: 10-12.

Nunes, CEP; Maruyama, PK; Azevedo-Silva, M; Sazima, M (2018) Parasitoids turn herbivores into mutualists in a nursery system involving active pollination. Current Biology 28: 980-986.

Eduardo Sequerra

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